Perguntas e Respostas

PERGUNTAS E RESPOSTAS
1. MANIFESTAÇÃO DO ACUSADO

“Em atenção ao princípio constitucional da ampla defesa, permite-se ao acusado o direito de se manifestar após o conhecimento de todos os fatos a si imputados, sendo, assim, o último a se manifestar antes de eventual indiciação. Deste modo, o interrogatório é o ato final a ser realizado pela comissão antes de formar sua convicção acerca do indiciamento do servidor acusado ou da sugestão de arquivamento do feito disciplinar.  

Não obstante o art. 159 da Lei nº 8.112/90 dispor que, após a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, é de se registrar que o interrogatório não necessariamente deverá ser realizado logo após a oitiva das testemunhas, mas certamente após a realização de todas as provas.  

Importante registrar que é plenamente possível a realização de vários interrogatórios do acusado, inclusive em outros momentos da instrução, como, por exemplo, antes mesmo da oitiva das testemunhas. Todavia, para que não haja nulidade, deve haver um novo interrogatório ao final”. 

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. TEMA 1.114. INVERSÃO DA ORDEM NO INTERROGATÓRIO DO RÉU. ART. 400 DO CPP. NULIDADE QUE SE SUJEITA À PRECLUSÃO TEMPORAL. ART. 571, INCISO II E ART. 572, AMBOS DO CPP E À DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA - ART. 563 DO CPP. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESTA EXTENSÃO PROVIDO. 

I - Em que pese haver entendimento nesta Corte Superior admitindo o interrogatório quando pendente de cumprimento carta precatória expedida para oitiva de testemunhas e da vítima, a jurisprudência majoritária nas Cortes superiores vem evoluindo e se sedimentando no sentido de que há nulidade ocasionada pela inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP, no entanto, a alegação está sujeita à preclusão e à demonstração do efetivo prejuízo. 

II - Os parâmetros em aparente oposição são, portanto, o artigo 222, § 1°, do CPP e o art. 400 do mesmo diploma legal. Ao que se pode enfeixar a controvérsia, coloca-se em ponderação os princípios da celeridade processual e do devido processo legal, especialmente na sua dimensão da ampla defesa. 

III - A audiência de instrução e julgamento é o principal ato do processo, momento no qual se produzirão as provas, sejam elas testemunhais, periciais ou documentais, ao fim da qual, a decisão será proferida. Por esta razão, o art. 400 determina que a oitiva da vítima, das testemunhas arroladas pela acusação e depois pela defesa, nesta ordem, eventuais esclarecimentos de peritos, acareações, ou reconhecimento de coisas ou pessoas e, por fim, o interrogatório. Tal artigo, introduzido no ordenamento pela Lei n. 11.719, de 2008, significou a consagração e maximização do devido processo legal, notadamente na dimensão da ampla defesa e do contraditório, ao deslocar o interrogatório para o final da instrução probatória. 

IV - Na moderna concepção do contraditório, segundo a qual, a defesa deve influenciar a decisão judicial, somente se mostra possível a referida influência quando a resposta da defesa se embasar no conhecimento pleno das provas produzidas pela acusação. Somente assim se pode afirmar a observância ao devido processo legal na sua face do contraditório. 

 V - Sob outro enfoque, ao réu incumbe arguir a nulidade na própria audiência ou no primeiro momento oportuno, salvo situação extraordinária em que deverá argumentar a excepcionalidade no primeiro momento em que tiver conhecimento da inversão da ordem em questão. Cabe também à defesa a demonstração do prejuízo concreto sofrido pelo réu, uma vez que se extrai do ordenamento, a regra geral segundo a qual, as nulidades devem ser apontadas tão logo se tome conhecimento delas, ou no momento legalmente previsto, sob pena de preclusão, tal como dispõe o art. 572 e incisos, do CPP. 

VI - No caso concreto, observa-se que o primeiro momento em que a defesa apontou a nulidade pela violação do art. 400 do CPP foi em razões de apelação. Isso porque, ao que se observa nos autos, não é difícil notar a insuficiência da defesa exercida por advogado dativo. As nomeações de advogados dativos para o ato de interrogatório, bem como para a apresentação de defesa prévia e alegações finais (cujos termos são idênticos, conforme fls. 170/172 e 256/258, respectivamente) parecem não ter suprido minimamente o direito à defesa enunciado pela Constituição da República. 

VII - Em sendo assim, é possível se reconhecer que, no primeiro momento em que o réu estava sendo representado por um advogado, foi arguida a nulidade. Esta deve ser reconhecida, notadamente nesta hipótese em exame, em que a prova é exclusivamente oral, uma vez que os Laudo de Exame de Conjunção Carnal e de Exame de Ato Libidinoso não corroboram os fatos e tampouco o Relatório Psicológico é categórico sobre a veracidade da versão narrada pela vítima. Por tal razão, deve ser reconhecida a nulidade arguida, determinando-se que o réu seja novamente ouvido, em atenção ao art. 400, do CPP. 

VIII - Tese jurídica: "O interrogatório do réu é o último ato da instrução criminal. A inversão da ordem prevista no art. 400 do CPP tangencia somente à oitiva das testemunhas e não ao interrogatório. 

O eventual reconhecimento da nulidade se sujeita à preclusão, na forma do art. 571, I e II, do CPP, e à demonstração do prejuízo para o réu". 

Recurso parcialmente conhecido e nesta extensão provido para reconhecer a nulidade do interrogatório que, realizado antes da oitiva das testemunhas, violou a norma do art. 400 do CPP, razão pela qual os autos devem ser devolvidos para a realização de novo interrogatório. Prejudicados os demais pedidos recursais relativamente à ausência de prova da autoria delitiva. 

(REsp n. 1.933.759/PR, relator Ministro Messod Azulay Neto, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 25/9/2023.) 

 

PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL CULPOSA NO TRÂNSITO E FALSIDADE IDEOLÓGICA. JUNTADA DE DOCUMENTOS APÓS O INTERROGATÓRIO DO RÉU. OFENSA AO CONTRADITÓRIO NÃO CONFIGURADA NA ESPÉCIE. TESE DE AUSÊNCIA DE ELEMENTOS SUBJETIVOS DOS TIPOS PENAIS. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 7, STJ. INCORRETA IMPUGNAÇÃO DO ÓBICE. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.964/2019. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 

I - Oportunizado contraditório à defesa quanto aos documentos juntados pela acusação, mantendo-se aquela inerte, descabe cogitar de prejuízo e de nulidade por não ter sido o interrogatório o último ato da instrução. Precedentes. 

II - Ao alegar que o recurso especial visa à revaloração de provas, incumbe à parte demonstrar que os fatos, tal qual descritos no acórdão recorrido, reclamam solução jurídica diversa da aplicada pelas instâncias ordinárias, sendo insuficientes as alegações de que o recurso prescinde do reexame de fatos e provas e de que a Súmula n. 7, STJ, deve ser afastada. Precedentes. 

III - A pretensão de rediscussão de fatos sobre a ordem da instrução probatória, bem como sobre a tipicidade dos crimes de lesão corporal culposa e da falsidade ideológica esbarra no óbice da Súmula n. 7, STJ. 

IV - A norma que introduziu o instituto do ANPP retroage apenas para alcançar os processos em que não tenha havido o recebimento da denúncia quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019. 

Precedentes. 

V - No caso concreto, descabe cogitar de retroatividade da norma, uma vez que o recebimento da denúncia ocorreu em 10 de abril de 2019, antes, portanto, da entrada em vigor do novo instituto do acordo de não persecução penal (3.01.2020). 

Agravo regimental desprovido. 

(AgRg no AREsp n. 2.320.678/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 7/5/2024, DJe de 15/5/2024.) 

 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. 1. BUSCA DOMICILIAR. FUNDADAS RAZÕES PRESENTES. PRÉVIA SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. 2. OFENSA AO ART. 400 DO CPP. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. 3. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. NÃO OBSERVÂNCIA DO ART. 212 DO CPP. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. MATÉRIA PRECLUSA. 4. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. 5. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. RÉU QUE PERMANECEU PRESO DURANTE A INSTRUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA. 6. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 

1. A busca domiciliar apenas foi realizada após ser encontrado um tablete de cocaína com o corréu, que admitiu ter em depósito mais entorpecentes, levando os militares até sua residência. Constata-se, portanto, que as diligências policiais não foram arbitrárias, mas decorreram de coleta progressiva de elementos que levaram, de forma válida, à conclusão segura de que o corréu portava ilícitos e de que armazenava drogas em seu domicílio, justificando a incursão para a realização da prisão em flagrante. Dessa forma, não há se falar em nulidade. 

2. No que concerne à alegada nulidade do processo, em virtude de o interrogatório do réu não ter sido o último ato da instrução processual, verifico que a Corte local consignou que, "ainda que o interrogatório do réu não tenha ocorrido por último, ou seja, após a inquirição das testemunhas, contrariando a ordem preconizada no artigo 400 do Código de Processo Penal, não houve por parte da defesa a demonstração de prejuízo concreto decorrente do referido incidente". 

- O acórdão impugnado encontra-se em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, que é no sentido de que eventual alegação de nulidade, ainda que absoluta, deve vir acompanhada da demonstração do efetivo prejuízo. De fato, não se proclama uma nulidade sem que se tenha verificado prejuízo concreto à parte, sob pena de a forma superar a essência. Vigora, portanto, o princípio pas de nulitté sans grief, a teor do que dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal. 

3. No que diz respeito à alegada ofensa ao sistema acusatório, em virtude de o magistrado ter formulado perguntas ao paciente, tem-se que a Corte local assentou não ser possível "constatar qualquer sinal externo de parcialidade do d. juízo a quo". Além da ausência de indicação de prejuízo, a defesa não se insurgiu oportunamente, estando preclusa a matéria. 

- "Admitir a nulidade sem nenhum critério de avaliação, mas apenas por simples presunção de ofensa aos princípios constitucionais, é permitir o uso do devido processo legal como mero artifício ou manobra de defesa e não como aplicação do justo a cada caso, distanciando-se o direito do seu ideal, qual seja, a aplicação da justiça" (HC 117.952/PB, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 27/05/2010, DJe 28/06/2010). 

4. Quanto ao pedido de absolvição, as instâncias ordinárias, com base no acervo probatório, firmaram compreensão no sentido da efetiva prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes e de posse irregular de arma de fogo pelo paciente. Nesse contexto, não se mostra possível o revolvimento dos fatos e das provas, haja vista o habeas corpus não ser meio processual adequado para analisar a tese de insuficiência probatória para a condenação, uma vez que se trata de ação constitucional de rito célere e de cognição sumária. 

5. No que diz respeito ao pedido de revogação da prisão cautelar, constato que mais uma vez o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias alinha-se à jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tendo o réu permanecido preso durante todo o andamento da ação penal, não faria sentido, ausentes alterações nas circunstâncias fáticas, que, com a superveniência da condenação, fosse deferida a liberdade. 

6. Agravo regimental a que se nega provimento. 

(AgRg no HC n. 900.367/MT, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024.) 

2. OITIVA DO CORREU

De acordo com a doutrina e jurisprudência moderna o interrogatório (oitiva do acusado) passou a consistir, unicamente, em um instrumento de defesa, despindo-se da natureza híbrida de defesa e prova outrora atribuída por mencionadas fontes do direito.

Desta forma, para além do próprio artigo 191 do Código de Processo Penal, que prevê que os acusados serão ouvidos separadamente, a natureza defensiva do interrogatório já esvazia, por si só, qualquer pretensão de participação do outro acusado. Isso porque, em razão do princípio do nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo), o servidor interrogado (ouvido) poderia silenciar-se, ou, até mesmo, faltar com a verdade, restando inócua a participação do outro acusado na ocasião, o que, aliás, poderia em muito propiciar a balburdia em sala de audiência.

No entanto, o mesmo não impera quanto aos causídicos, que, assistindo o acusado, poderá participar da oitiva do outro acusado, formulando até perguntas. Caso o servidor não esteja assistido, valendo-se da faculdade da Súmula Vinculante nº 5, deverá haver a indicação de dativo apenas para aquela ocasião, de modo a, simultaneamente, atender às finalidades do interrogatório (e o nemo tenetur se detegere) e o caro princípio da ampla defesa.

É certo que o processo penal (adjetivo) é o instrumento de apenação do direito penal (substantivo), assim como ocorre no direito administrativo, em que o PAD é o instrumento de apenação, assim como outros, do direito administrativo. Desta forma, a aplicação subsidiária do CPP, é, em muitos casos, mais imediata que a aplicação subsidiária do CPC, que, embora tenha a sua subsidiariedade expressamente exposta em seu artigo 15, não abrange institutos próprias dos ramos sancionadores, como, exempli gratia, o próprio interrogatório.

Desta forma, colacionado dois julgados dos Tribunais de Sobreposição que defendem exatamente este entendimento.

STF - HABEAS CORPUS HC 101021 SP (STF)
Data de publicação: 06/06/2014
Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. INTERROGATÓRIO DE CORRÉUS REALIZADO SEPARADAMENTE. ART. 191 CPP. PACIENTE ADVOGANDO EM CAUSA PRÓPRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ORDEM DENEGADA. 1. Possibilidade de os interrogatórios de corréus serem realizados separadamente, em cumprimento ao que dispõe o art. 191 do Código de Processo Penal. Precedente. 2. O fato de o paciente advogar em causa própria não é suficiente para afastar essa regra, pois, além de inexistir razão jurídica para haver essa distinção entre acusados, a questão pode ser facilmente resolvida com a constituição de outro causídico para acompanhar especificamente o interrogatório do corréu. Assim, e considerando que a postulação é para que se renove o interrogatório com a presença do acusado na sala de audiências, não há falar em ilegalidade do ato ou cerceamento de defesa. 3. À luz da norma inscrita no art. 563 do CPP e da Súmula 523/STF, a jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que, para o reconhecimento de nulidade dos atos processuais exigese, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte. No caso, segundo consta da sentença condenatória, a responsabilidade penal do paciente foi embasada nos depoimentos das testemunhas, colhidos sob o crivo do contraditório, os quais foram categóricos ao infirmar as versões apresentadas pelos dois acusados em seus interrogatórios, estes harmoniosos entre si. Esses fatos revelam, a toda evidência, a inviabilidade e a inutilidade do pedido formulado nesta impetração. 4. Ordem denegada.
Encontrado em: (s): (INTERROGATÓRIO) HC 112212 (2ªT). (NULIDADE, ATOS PROCESSUAIS) HC 85155 (2ªT), HC 115336 (2ªT)

STJ - HABEAS CORPUS HC 117531 ES 2008/0219927-2 (STJ)
Data de publicação: 09/11/2009
Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE ELABORAÇÃO DE PERGUNTAS DA DEFESA DO PACIENTE AO CORRÉU. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. EXCESSO DE PRAZO. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA. QUESTÃO SUPERADA. 1. Embora o novo tratamento dado ao interrogatório, que passou a ser considerado como meio de produção de prova, não prescinda do contraditório, o mencionado ato mantém seu caráter de instrumento de autodefesa, logo, devem ser respeitados, primeiramente, os direitos do interrogado, que não pode ser coagido a se sujeitar às perguntas de advogado de corréu. 2. Qualquer alegação do corréu que porventura incrimine o Paciente poderá ser reprochada em momento oportuno, pois a Defesa dela tomará conhecimento antes do encerramento da instrução. Assim, não há como se reconhecer a existência de cerceamento à defesa do Paciente ou ofensa ao contraditório na ação penal. 3. Constatando-se que já foi proferida a sentença condenatória, resta superada a alegação de excesso de prazo para a formação da culpa. 4. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegado.

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. OPERAÇÃO "DIAMANTE NEGRO". PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. COMISSÃO PROCESSANTE. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NULIDADES. NÃO OCORRÊNCIA. AMPLA DEFESA. LIMITES. FALTA DISCIPLINAR GRAVE. ART. 132 DA LEI N. 8.112/1990. IMPOSSIBILIDADE DE SANÇÃO DIVERSA DA DEMISSÃO. SÚMULA 650/STJ. ORDEM DENEGADA.

1. A teor do disposto no art. 1.º da Lei n. 12.016/2009, a concessão da ordem vai condicionada à prévia e incontestável demonstração, mediante prova documental trazida já com a exordial (prova pré-constituída), capaz de evidenciar a alegada violação de direito líquido e certo, por ato abusivo ou ilegal da indicada autoridade coatora.

2. Observados os requisitos legais e formais de designação, a simples indicação de membros para compor a Comissão processante não viola o princípio do juiz natural, pois preservado o requisito da competência, nos termos constitucionais. Ademais, para as hipóteses nas quais a indicação possa, em tese, comprometer a imparcialidade, a lei processual administrativa (Lei n. 9.784/199) prevê, por seus artigos 18 a 21, as situações caracterizadoras do impedimento e da suspeição, aptas a recompor a ordem jurídica e assegurar ao servidor um processo justo.

3. No caso, o impetrante, tanto no curso do processo administrativo, quanto agora no presente writ, em nenhum momento questiona a imparcialidade dos membros do trio processante, mas apenas o fato de não se tratar de uma "Comissão Permanente de Disciplina", sem apontar, objetivamente, efetivo prejuízo à defesa, como decorrência da composição do referido colegiado.

4. Não se aplicam aos Policiais Rodoviários Federais as disposições contidas no art. 53, § 1º, da Lei n. 4.878/1965. Precedentes específicos da Primeira Seção do STJ.

5. A lei não assegura a participação do acusado no interrogatório dos demais corréus. Nas hipóteses em que a acusação de ilícitos administrativos recaia sobre vários servidores públicos, cada um deles deve ser ouvido separadamente, ainda que todos possam acompanhar, em conjunto, a inquirição das testemunhas. Inteligência do disposto no art. 159, § 1º, da Lei n. 8.112/1990.

6. Até mesmo no processo penal, em que as garantias constitucionais devem ser observadas pelo Poder Público com extremo rigor, em razão do risco à liberdade, o contraditório e a ampla defesa encontram tempo e modo próprios. Não podem, em nome da ampla defesa ou do contraditório, ser permitidas intervenções do réu a qualquer tempo, sob pena de se inviabilizar a própria marcha processual.

7. A Lei n. 8.112/1990, por seu art. 166, não contempla o exercício do contraditório pelo servidor investigado após a apresentação do relatório final pela Comissão Processante, razão pela qual descabe falar em cerceamento de defesa pela ausência de oportunidade para o servidor manifestar-se acerca de pareceres posteriormente emitidos pela Corregedoria e pela Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, cujas peças, sem caráter vinculante e sem agregar novas provas ao PAD, limitaram-se a subsidiar a decisão da autoridade julgadora. 

8. É inviável a tentativa de discutir no mandado de segurança impetrado contra ato administrativo disciplinar a validade das provas colhidas pela autoridade policial federal no processo penal, sob pena de usurpação da competência do juízo criminal.

9. Enquadrada a conduta do ex-policial dentre aquelas previstas no art. 132 do Regime Jurídico dos Servidores da União, não é lícito à Autoridade administrativa, mesmo a pretexto de valorar os alegados bons antecedentes do servidor, aplicar penalidade diversa daquela prevista em lei. Incidência, à espécie, da Súmula 650/STJ.

10. Ordem denegada.

(MS n. 19.771/DF, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Seção, julgado em 24/2/2022, DJe de 17/3/2022.)


 
 








 

3. OITIVAS DE AUDITOR


Quanto à possibilidade de oitivas de auditor, que realizaram trabalhos pretéritos e, de certo modo, pertinentes à instauração do PAD, são válidas as considerações que se seguem.

Deveras, a Administração Pública, no exercício de sua atividade de controle (in casu, atividade correicional), busca a verdade material dos fatos produzidas mediante uma instrução processual
dialética, com paridade de armas por parte da defesa e da comissão, que, embora não atue como acusador, deverá buscar eventuais provas do cometimento de possível ilícito, afinal, o ônus da prova do cometimento do ilícito é da Administração, sendo que o nihil agere (ou nihil facere) do Trio altamente contraproducente à própria finalidade pela qual foi constituído. Lembra-se, contudo, que a comissão não deve ser um “carrasco eloquente”, que busca a todo custo uma condenação, mas sim um colegiado garantista, que, atuando sob o móvel do interesse público, persegue, nos alicerces do devido processo legal, a busca pela real elucidação dos fatos.

Sob esse espeque, a oitiva do Auditor, que realizou trabalho pertinente e pretérito à instauração
do PAD, conquanto possível juridicamente (como se vê em julgados dos tribunais de sobreposição), não se mostra recomendável, uma vez que, em se tratando de processo administrativo que ocorre no âmbito e no órgão de atuação do servidor, feriria incisivamente a imparcialidade necessária da comissão, o que seria, certamente prejudicial ao processado.

Ora, o Auditor compõe os quadros funcionais desta Controladoria-Geral, realizando trabalho técnico e fundamentado que, inclusive, traz a materialidade e os indícios de autoria necessários à instauração do PAD, consubstanciando todos esses elementos em uma peça pelo qual ele já expõe sua posição sobre o tema. Em novel dicção, o auditor já se posicionou, dentro da moldura de suas atribuições, sobre a sorte do processo e dos processados. Indago, portanto, por onde envereda a imparcialidade do auditor tido como pretensa testemunha? Não há, haja vista a prévia convicção do profissional acerca da matéria, e, não desconsiderando a humanidade do servidor, a eventual resistência de desdizê-lo em sede processual.

Desta forma, ouvir-se-ia uma testemunha que tão somente confirmaria o que escreveu em sua peça técnica, sem qualquer relevância probatória. Além disso, a mera possibilidade de intimar um auditor para ser testemunha em processo administrativo disciplinar poderia intimidá-lo e macular a independência de seus trabalhos, mitigando o seu dever de posicionar-se conforme suas convicções.

Revela-se, pois, pretensão meramente protelatória da defesa, que deseja ouvir testemunha que nada contribuirá para o processo além do que já contribuiu. No sentido da suspeição de testemunhas, Antônio Carlos Alencar Carvalho escreve (2014, fls. 695):

“A produção de prova testemunhal, quando verificado o conhecimento prévio da qualidade absolutamente suspeita da testemunha pela comissão processante, fere a imparcialidade dos trabalhos, visto que está, de modo deliberado, a formar elementos sabidamente desfavoráveis ao acusado, incidindo-se na falta gravíssima de coleta de prova induzida, violando-se o preceito do artigo 150, caput, da Lei Federal nº 8.112 (...).”

Não importa se a própria defesa foi a responsável por arrolar o auditor como testemunha, as suas declarações, como visto, serão parciais, e, portanto, a prova será irrelevante (diz respeito ao fato, mas em nada o acrescenta) ou protelatória (mero dispêndio temporal), o que deve ser afastado pela comissão processante, conforme empréstimo da inteligência do artigo 400, §1° do Código de Processo Penal:

Art. 400 (...)
§ 1o As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias.

Além disso, não se pode descartar a possibilidade de a oitiva do auditor funcionar como oportunidade de denegrir e repudiar seu trabalho, refletindo verdadeira tese apelativa e falaciosa de defesa, que, em uma manobra desesperada, adota tal postura para tentar comover a comissão.

Ademais, em leitura simbiótica entre teoria e prática, a oitiva do auditor (prova testemunhal), que, provavelmente, confirmará os termos de seu relatório (elemento de informação), poderia, sozinho, fundamentar uma decisão desfavorável. Isso porque, os elementos de informação, entendidos como aqueles produzidos antes do processo (como é o caso do Relatório de Auditoria) não podem, sozinhas, justificar a aplicação de penalidade, nos termos do artigo 155 do CPP:

Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Diferentemente, a prova testemunhal, produzida sob o crivo do contraditório, é, mormente se em consonância com as demais provas produzidas nos autos, apta a condenar. Nesse sentido:

APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO QUALIFICADO - ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS - PALAVRA DA VÍTIMA - VALIDADE - PROVA TESTEMUNHAL - NEGATIVA ISOLADA - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.

I - A farta prova testemunhal, com especial destaque para a palavra da vítima, aliada aos demais indícios probatórios são elementos de convicção suficientes para afastar a tese absolutória baseada na ausência de provas.

TJ-MG - Apelação Criminal: APR 10352100076145001 MG – DJE: 4/7/2014

Não bastasse, o Código de Processo Civil, com aplicabilidade subsidiária ao processo administrativo, conforme expressa previsão em seu artigo 15 (Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente), ainda expõe os casos de impedimento e suspeição de testemunha, doravante reproduzido:

CPC - Art. 447. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.

(...)

§ 2º São impedidos:

I - o cônjuge, o companheiro, o ascendente e o descendente em qualquer grau e o colateral, até o terceiro grau, de alguma das partes, por consanguinidade ou afinidade, salvo se o exigir o interesse público ou, tratando-se de causa relativa ao estado da pessoa, não se puder obter de outro modo a prova que o juiz repute necessária ao julgamento do mérito;

II - o que é parte na causa;

III - o que intervém em nome de uma parte, como o tutor, o representante legal da pessoa jurídica, o juiz, o advogado e outros que assistam ou tenham assistido as partes.

§ 3º São suspeitos:

I - o inimigo da parte ou o seu amigo íntimo;

II - o que tiver interesse no litígio.

§ 4º Sendo necessário, pode o juiz admitir o depoimento das testemunhas menores, impedidas ou suspeitas.

§ 5º Os depoimentos referidos no § 4º serão prestados independentemente de compromisso, e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.

Art. 448. A testemunha não é obrigada a depor sobre fatos:

I - que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge ou companheiro e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau;

II - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo.

É claro que o auditor, enquanto servidor público que persegue o interesse coletivo possui interesse no litígio em que desembocou o seu trabalho. Ora, o desiderato de seu trabalho era a instauração do PAD em razão de sua convicção acerca da materialidade e indícios de autoria, como, então, ele não terá interesse no litígio? Parece quase pueril pensar o contrário.

Percebe-se que, como dito alhures, os tribunais de sobreposição (STJ e STF), em seus julgados analisados, permitiram a oitiva de auditor como testemunha, todavia, tal oitiva se deu em sede judicial, o que é sobremaneira razoável, uma vez que a oitiva não se deu em procedimento do órgão em que o próprio servidor atua e, por seu trabalho, deflagrou o processo. É nítida a diferença. Lá, se busca a confirmação de fatos apurados por outro órgão. Aqui, se busca reafirmar ou vilipendiar o que foi/é feito em um mesmo órgão.


 
 








 


4. PRESCRIÇÃO

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO DE DIRETORA DE ESCOLA PÚBLICA. OMISSÃO DE LEGISLAÇÃO ESPECIAL. DECRETO Nº. 20.910/32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. APLICAÇÃO DA PENA. AUDITOR GERAL DO ESTADO. AUTORIDADE COMPETENTE. DELEGAÇÃO. POSSIBILIDADE. DECRETO Nº 43.213/03. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. CONFIGURAÇÃO. DESPROPROCIONALIDADE DA PENA. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

- Em caso de omissão de leis especiais que regem o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) em âmbito estadual, deve ser aplicado o prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº. 20.910/32.

- Nos termos do Decreto nº. 43.213/03, cabe delegação ao Auditor-Geral do Estado da competência do Governador para a demissão de servidor estável ocupante de cargo efetivo, decorrente de processo administrativo.

- Ao Poder Judiciário compete o exame da legalidade e moralidade dos atos da Administração Pública, vedada, portanto, a invasão dos aspectos reservados à apreciação subjetiva - discricionariedade (conveniência e oportunidade).

- Não há que se falar em vício formal a macular o PAD que aplicou a pena de demissão ao servidor, se observado o princípio do devido processo legal na instauração e no processamento do Processo Administrativo.

- Restando incontroversa nos autos a lesão ao patrimônio público, insubsistente a alegação de desproporcionalidade da pena de demissão, vez que aplicada nos estritos ditames da lei.

- Recurso a que se nega provimento.

Apelação Cível 1.0105.10.040394-5/001, 5ª Câmara Cível, Relator Des. Versiani Penna, j. em 13.08.2015, in DJe de 24.08.2015

Ademais, acerca do prazo prescricional aplicável, além de o objeto do IRDR n. 1.0000.16.038002-8/000 ter-se limitado aos servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, verifico que ainda não houve o seu trânsito em julgado, estando pendente o julgamento de recurso especial, ao qual é obrigatoriamente atribuído efeito suspensivo, nos termos do art. 987, § 1º, do CPC, ‘in verbis’:

Art. 987. Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial,
conforme o caso.

§ 1º. O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida. (Mandado de segurança nº 1.0000.23.047877-8/000).

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - DIRETOR DE PROJETOS E CUSTOS DO ANTIGO DEOP - PROJETO GOVERNAMENTAL CIDADE DAS ÁGUAS - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - CERCEAMENTO DE DEFESA - INOCORRÊNCIA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - PRESCRIÇÃO - PRAZO QUADRIENAL AFASTADO - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.

- A competência do Poder Judiciário na análise do Processo Administrativo Disciplinar limita-se ao exame da legalidade e legitimidade do procedimento, dos eventuais vícios formais ou dos que atentem contra princípios constitucionais, sendo vedada a análise do mérito do ato administrativo, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes.

- Tendo sido assegurada a oportunidade de acesso do impetrante aos demais Processos Administrativos Disciplinares que foram desmembrados e se originaram da mesma sindicância e auditoria que gerou o Processo Administrativo por ele respondido, não caracteriza o alegado cerceamento a sua defesa a ausência de vista, antes de suas alegações finais, de outros dois Processos Administrativos Disciplinares gerados por sindicância diversa, apesar de também relacionados ao mesmo Projeto Governamental "Cidade das Águas", que gerou as investigações.

- Tratando-se em caso de apuração de ilícito administrativo praticado pelo servidor, que pode também ser caracterizado como crime, aplica-se à pretensão punitiva administrativa o prazo prescricional da lei penal, não sendo aplicável a tese firmada no IRDR 1.0000.16.038002-8/000, que se restringe aos membros da Polícia Civil de Minas Gerais.

- Não restando comprovado no mandamus a ocorrência de nulidade do PAD por cerceamento de defesa, e nem a prescrição da punição administrativa de cassação da aposentadoria do impetrante, deve ser denegada a segurança, frente a inexistência de direito líquido e certo a ser resguardado no Mandado de Segurança. (TJMG - Mandado de Segurança 1.0000.23.049416-3/000, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 18/12/2023, publicação da súmula em 19/12/2023)

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - GERENTE DE LICITAÇÕES - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PENALIDADE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - DEVIDO PROCESSO ADMINISTRATIVO - PROPORCIONALIDE E RAZOABILIDADE DA PENA - DIREITO LÍQUIDO E CERTO

- AUSÊNCIA. O objeto do IRDR n. 1.0000.16.038002-8/000 limitou-se aos servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, o que obsta a aplicação da tese firmada ao caso em exame. Na hipótese em que o ilícito praticado pelo servidor público também seja tipificado como crime, aplica-se o prazo prescricional previsto na lei penal à pretensão disciplinar da Administração Pública. Verificada a regularidade do processo administrativo e a proporcionalidade entre a infração funcional e a respectiva punição, a anulação pretendida pela parte importaria em indevido ingresso no mérito administrativo, violando cláusula pétrea da Constituição da República (artigo 60, § 4º, III), que determina independência e separação dos Poderes (artigo 2º). Inexistindo prova pré-constituída de ilegalidade ou abusividade no ato apontado como coator, que cassou a aposentadoria da impetrante, não há direito líquido e certo a ser tutelado pela via do Mandado de Segurança. (TJMG - Mandado de Segurança 1.0000.23.049434-6/000, Relator(a): Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 14/06/2023, publicação da súmula em 20/06/2023)

EMENTA: ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - DIRETOR DE OBRAS PÚBLICAS - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - PENALIDADE DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA - PRESCRIÇÃO - INOCORRÊNCIA - INDEPENDÊNCIA ENTRE AS ESFERAS PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - AUSÊNCIA. A conclusão sobre a presença ou não do alegado direito líquido e certo constitui matéria de cunho eminentemente de mérito, não havendo que se falar na inadequação da via eleita. O objeto do IRDR n. 1.0000.16.038002-8/000 limitou-se aos servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais, o que obsta a aplicação da tese firmada ao caso em exame. Na hipótese em que o ilícito praticado pelo servidor público também seja tipificado como crime, aplica-se o prazo prescricional previsto na lei penal à pretensão disciplinar da Administração Pública. Para que seja mitigada a regra da independência entre as instâncias administrativa, civil e penal, deve haver um juízo de certeza sobre a inexistência do fato ou sobre a ausência de autoria. Inexistindo prova pré-constituída de ilegalidade ou abusividade no ato apontado como coator, que cassou a aposentadoria do impetrante, não há direito líquido e certo a ser tutelado pela via do Mandado de Segurança. (TJMG - Mandado de Segurança 1.0000.22.286437 3/000, Relator(a): Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 08/03/2023, publicação da súmula em 16/03/2023)

5. IMPRESCRITIBILIDADE DO DANO

Acórdão 374/2017 Plenário (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Bruno Dantas) Responsabilidade. Multa. Prescrição. Débito. Pretensão executória. Legislação.

A prescrição prevista na Lei 9.784/1999 não se aplica à atividade de controle externo. O instituto da prescrição nos processos do TCU obedece ao art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no que tange ao ressarcimento do prejuízo, e ao art. 205 da Lei 10.406/2002 (Código Civil), no que se refere à pretensão punitiva. Assim, quanto ao débito, a ação é imprescritível, e quanto à aplicação de sanções, ela prescreve em dez anos a contar da data de ocorrência das irregularidades.

Acórdão 232/2017 Primeira Câmara (Recurso de Reconsideração, Relator Ministro Bruno Dantas)

Responsabilidade. Débito. Imprescritibilidade. Ilícito administrativo. STF.

A tese fixada pelo STF no RE 669.069 (Repercussão Geral 666), que trata da incidência da prescrição nos débitos com a União decorrentes de ilícitos civis (prazo prescricional de cinco anos), não alcança prejuízos que decorram de ilícitos administrativos, como a não comprovação da regular gestão de recursos públicos, que são imprescritíveis.

Acórdão 76/2017 Plenário (Embargos de Declaração, Relator Ministra Ana Arraes)

Responsabilidade. Débito. Imprescritibilidade.

O reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva não implica o afastamento do débito, porquanto as ações de ressarcimento movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são imprescritíveis, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal e da Súmula TCU 282.

Com exceção do ressarcimento de valores pleiteados pela via judicial decorrentes da ilegalidade de despesa ou da irregularidade de contas, as sanções administrativas aplicadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) são prescritíveis, aplicando-se os prazos da Lei nº 9.873/99. STF. 2ª Turma. MS 36990 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 28/03/2023 (Info 1089).

São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.

STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Info 910).

É prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil.

Dito de outro modo, se o Poder Público sofreu um dano ao erário decorrente de um ilícito civil e deseja ser ressarcido, ele deverá ajuizar a ação no prazo prescricional previsto em lei.

STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 03/02/2016 (repercussão geral).

ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DANO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO SEM VINCULAÇÃO A ATOS DOLOSOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. PROVIMENTO NEGADO. 1. Ação de ressarcimento ao erário ajuizada contra a ex-prefeita do Município de Passagem Franca/MA. Inexecução de convênio celebrado com o Estado do Maranhão voltado à reforma de determinada unidade educacional e intempestiva prestação de contas dos recursos recebidos do Governo do Estado. 2. Ausência de formulação de pedido de condenação por ato de improbidade administrativa, restringindo-se a demanda ao ressarcimento por suposto dano ao erário. 3. A imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento do dano ao erário depende do reconhecimento do ato de improbidade que o originou. Inexistindo a declaração do caráter de improbidade administrativa do ilícito causador do dano, a prescrição incidirá conforme as regras ordinárias relativas à matéria (prescrição quinquenal). Precedente desta Turma. 4. Hipótese dos autos que refoge daquela examinada pela Suprema Corte quando do julgamento do RE 852.475/SP, não se aplicando a tese então firmada no julgamento do Tema 897/STF. Distinguishing a justificar o reconhecimento da prescrição da pretensão ressarcitória de danos ao erário, superado em muito o prazo quinquenal aplicável. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1375812 – MA, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues)

6. DESCRIÇÃO MINUCIOSA DOS FATOS

“MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. DEMISSÃO. PORTARIA. AUSÊNCIA. FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. NULIDADE. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. DESCRIÇÃO MINUCIOSA DOS FATOS. DESNECESSIDADE. NOTIFICAÇÃO DOS ATOS DA COMISSÃO. CITAÇÃO. OCORRÊNCIA. DEFENSOR DATIVO. DESNECESSIDADE. ADVOGADO. FACULDADE DO ACUSADO. AUSÊNCIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA VINCULANTE 5/STF.
(...)
2. Não há falar em nulidade do ato que instaurou o processo administrativo e constituiu a comissão processante em razão de suposta falta de individualização dos atos praticados pelo investigado, porquanto, nos termos do entendimento deste Tribunal, a descrição minuciosa dos fatos se faz necessária apenas quando do indiciamento do servidor, após a fase instrutória, na qual são efetivamente apurados, e não na portaria de instauração ou na citação inicial
(MS n. 12.927/DF, Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJ 12/2/2008).” (Grifo nosso);

MS 11687 DF 2006/0069269-6, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/09/2013, DJe 18/10/2013

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PORTARIA DE INSTAURAÇÃO. NOTIFICAÇÃO INICIAL. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DOS FATOS. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DA PORTARIA DE DESIGNAÇÃO DA AUTORIDADE PROCESSANTE. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DE MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONSELHO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ. RESPALDO CONSTITUCIONAL. 1. A portaria inaugural, bem como a notificação inicial, prescindem de minuciosa descrição dos fatos imputados, que se faz necessário apenas após a fase instrutória, onde são apurados os fatos, com a colheita das provas pertinentes. 2. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. 3. Não há falar em cerceamento de defesa pelo simples fato do patrono do Recorrente ter deixado de apresentar defesa prévia, se devidamente notificado para a realização do respectivo ato processual. Além do que, houve a participação do advogado em toda a instrução processual, apresentando inclusive as alegações finais. 4. O relatório final do procedimento disciplinar não se reveste de nenhum conteúdo decisório, sendo mera peça informativa a servir de base para o posterior julgamento pela autoridade competente. Da decisão da autoridade competente que aplica a sanção é que é cabível o recurso administrativo, sendo certo, portanto, que não há falar, igualmente, em cerceamento de defesa. 5. A participação de membros do Ministério Público na composição do Conselho da Polícia Civil, como disposto na Lei Complementar Estadual n.º 14/82 (art. 6.º, inciso IV), com a redação dada pela Lei Complementar Estadual n.º 98/2003, não afronta a Constituição Federal. Precedentes desta 5.ª Turma: RMS nº 22.275/PR, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 19/05/2008 e RMS n.º 22.133/PR, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 23/03/2009. 6. A própria Carta Magna prevê o controle externo da atividade policial como uma das funções institucionais do Ministério Público (art. 129, inciso VII, CF). Além do mais, esta participação no Conselho de Polícia é compatível com a missão do Ministério Público de fiscalizar a legalidade e moralidade pública. 6. Recurso ordinário desprovido. RMS 29008 PR 2009/0042555-0, Rela. Min. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2009, DJe 09/11/2009

Recurso em Mandado de Segurança. 2. Anulação de processo administrativo disciplinar e reintegração ao serviço público. Alteração da capitulação legal. Cerceamento de defesa. 3. Dimensão do direito de defesa. Ampliação com a Constituição de 1988. 4. Assegurada pelo constituinte nacional, a pretensão à tutela jurídica envolve não só o direito de manifestação e o direito de informação sobre o objeto do processo, mas também o direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador. Direito constitucional comparado. 5. Entendimento pacificado no STF no sentido de que o indiciado defende-se dos fatos descritos na peça acusatória e não de sua capitulação legal. Jurisprudência. 6. Princípios do contraditório e da ampla defesa observados na espécie. Ausência de mácula no processo administrativo disciplinar. 7. Recurso a que se nega provimento

(STF - RMS: 24536 DF, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 02/12/2003, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 05-03-2004 PP-00033 EMENT VOL-02142-04 PP-00688)

- Excerto de julgado do STJ: “O indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o processo. Precedentes: (MS 14.045/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 29.4.2010; MS 10.128/DF, Rel. Min. Og Fernandes, Terceira Seção, DJe 22.2.2010; MS 12.386/DF, Rel. Min. Felix Fischer, Terceira Seção, DJ 24.9.2007, p. 244” (STJ, MS 12.677/DF, 1ª Turma, DJe 20/04/2012).

- “5. Quanto ao mérito, cabe frisar que a alegação de cerceamento da defesa está baseada no fato de que a autoridade julgadora o puniu com demissão, acatando o parecer da consultoria jurídica, que reinterpretou as provas dos autos; a comissão processante havia - também fundamentadamente - recomendado a punição com advertência ou suspensão. No entanto, não procede a pretensão de que a alteração da capitulação legal obrigue a abertura de nova defesa, já que o indiciado se defende dos fatos, e não dos enquadramentos legais. Precedente: MS 14.045/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 29.4.2010.” (STJ, MS 15810/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 30/03/2012)

2. "O indiciado se defende dos fatos que lhe são imputados e não de sua classificação legal, de sorte que a posterior alteração da capitulação legal da conduta não tem o condão de inquinar de nulidade o Processo Administrativo Disciplinar; a descrição dos fatos ocorridos, desde que feita de modo a viabilizar a defesa do acusado, afasta a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa" (MS 14.045/DF, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, DJe 29/4/10) –

STF: RMS 25.910/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 25/05/2012: “É que esta Corte há muito tempo se orientou no sentido de que o servidor, em processo administrativo disciplinar, defende-se dos fatos e circunstâncias que cercam a conduta faltosa identificada, não sendo possível falar-se em vício procedimental ou violação do direito de defesa quando o julgamento final da autoridade competente atribui peso maior ou menor aos fatos comprovados pela investigação. Refiro-me aos seguintes precedentes, entre outros: MS 21.635, rel. min. Carlos Velloso, Pleno, DJ 20.04.1995; MS 22.791, rel. min. Cezar Peluso, Pleno, DJ 19.12.2003; RMS 24.536, rel. min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 05.03.2004; RMS 25.105, rel. min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 20.10.2006”.

A Portaria de instauração do Processo Administrativo Disciplinar dispensa a descrição minuciosa da imputação, exigida tão somente após a instrução do feito, na fase de indiciamento, o que é capaz de viabilizar o exercício do contraditório e da ampla defesa.
STJ. 3ª Seção. RO nos EDcl nos EDcl no MS 11.493/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 25/10/2017.

7. RESPONSABILIZAÇÃO DE AGENTE PRIVADO

Acórdão 934/2017 Primeira Câmara (Tomada de Contas Especial, Relator Ministro Benjamin Zymler)

Responsabilidade. Débito. Agente privado. Empresa privada. Sócio. Desconsideração da personalidade jurídica.

Quando o vínculo entre a Administração Pública e o particular deriva de um contrato, a responsabilidade é prioritariamente da pessoa jurídica contratada, por ter sido ela que se obrigou perante o Estado, não podendo o TCU atribuir a obrigação de indenizar às pessoas físicas que assinaram o termo contratual ou praticaram atos relacionados à avença na condição de representantes da contratada; salvo em hipóteses excepcionais relativas a conluios, abuso de direito ou prática de atos ilegais ou contrários às normas constitutivas ou regulamentares da entidade contratada, situações em que se aplica a desconsideração da personalidade jurídica para alcançar sócios ou administradores.

8. EXONERAÇÃO DE SERVIDOR QUE RESPONDE A PROCESSO ADMINISTRATIVO

Em resposta ao questionamento da SEPLAG (6/2/2017), apresento os esclarecimentos cabíveis:

1) em relação aos servidores efetivos, o Poder Judiciário entendeu, em algumas situações, que, decorrido o prazo previsto na Lei n° 869/52 para conclusão do PAD (150 dias), o servidor passaria a ter direito à exoneração, ainda que não concluído o processo. Nessa hipótese, depois de concluído o PAD, poderia ocorrer a conversão da exoneração em demissão. A despeito disso, deve-se continuar a orientar na forma na Resolução SEPLAG 04/2012, pois, na pior das hipóteses, o servidor terá que ajuizar ação para conseguir sua exoneração, tempo suficiente, em regra, para possibilitar a conclusão da apuração.

2) em relação aos comissionados, não há óbice para imediata exoneração em face da natureza do cargo. Depois de concluído o PAD, se for o caso de aplicação de penalidade expulsiva iremos converter a exoneração em demissão (sempre lembrar que exoneração não é punição; é tão somente uma hipótese de vacância do cargo).

Nesse sentido, entendo que o que vale em relação à exoneração vale em relação à LIPE, com a diferença de que com a licença não há perda do vínculo com a Administração.

É constitucional norma estadual que impede a exoneração a pedido e a aposentadoria voluntária de servidor que responde a processo administrativo disciplinar (PAD). Contudo, é possível conceder a aposentadoria ao investigado quando a conclusão do PAD não observar prazo razoável.

STF. Plenário. ADI 6.591/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 3/5/2023 (Info 1092).

SÚMULA Nº 10, DE 27/04/2021 (Publicada em 28/04/2021) Exoneração de servidor no curso do processo administrativo disciplinar.

Área de concentração: Correição.
(Publicada no Diário do Executivo de Minas Gerais de 28/04/2021, página 2).

O processo administrativo disciplinar que puder culminar na aplicação da pena de demissão e estiver pendente de conclusão por motivos alheios ao processado, não obsta a que seja deferido o pedido de exoneração por ele formulado, após superado o prazo máximo de 150 dias do início do processo, nos termos do art. 251, parágrafo único c/c arts. 220, §2º, e 223, todos da Lei estadual nº 869/52.

Referências:
- Lei nº 869, de 1952.
- Parecer/Núcleo Técnico COGE n° 27/2021, de 19/03/2021.
- Nota Jurídica AJ/CGE nº 36/2021, de 30/03/2021.
- Parecer AGE/CJ nº 15.813/2016.
- Parecer AGE nº 15.102/2011.
9. APROVAÇÃO PRÉVIA DAS MINUTAS DE EDITAIS

O exame e a aprovação das minutas de editais e ajustes a serem firmados pela Administração são obrigatórios, uma vez que a lei o exige como pressuposto para a prática do ato final1 , nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações.

A regra do parágrafo único se destina a evitar a descoberta tardia de defeitos que possam macular o processo licitatório e, em consequência, a contratação. Nesse passo, a apreciação jurídica prévia é condição de validade do edital ou ajuste administrativo, que visa assegurar, ao máximo, a observância do princípio da legalidade. Sua ausência não é sanada pela apresentação de manifestação posterior, já que por não integrar o processo da licitação, não pode servir como fundamento de decidir do gestor público.

O Tribunal de Contas da União já decidiu no sentido de que a apresentação posterior do parecer jurídico não afasta a irregularidade, pois, se não constava anteriormente nos autos do processo licitatório, não poderia ter servido de base para a decisão do Gestor, não estando atendido o fim esperado pela Lei de Licitações2 .

Merece destaque o disposto no art. 17 da Resolução nº 26/2017 da AGE assim dispõe:

“Art.17 (...)

§1º- A rubrica em minutas de editais, contratos, convênios, parcerias ou congêneres é formalidade meramente indicativa das folhas efetivamente apreciadas, e não substitui a elaboração da manifestação consultiva destinada a seu exame e aprovação, não consistindo em aquiescência aos seus termos, devendo-se observar, para esse efeito, o teor da manifestação jurídica.

§2º- A aposição de rubrica ou outro meio de certificação quando da análise consultiva de minutas de edital, contrato, convênio ou congêneres não implica responsabilidade administrativa ou negocial do Procurador do Estado ou Advogado Autárquico pela contratação, mas mero indicativo de quais documentos foram objeto de análise jurídica.

§3º- A nota jurídica ou parecer jurídico deve se restringir à análise jurídica da questão submetida à consulta, sendo defeso ao Procurador adentrar na análise de aspectos técnicos, econômicos e financeiros, bem como nas questões adstritas ao exercício da competência e da discricionariedade administrativa, a cargo das autoridades competentes.

§4º- Ao órgão consultivo, que em caso concreto haja exteriorizado juízo conclusivo de aprovação de minuta de edital ou contrato e tenha sugerido as alterações necessárias, não incumbe pronunciamento subseqüente de verificação do cumprimento das recomendações e ressalvas consignadas.

A manifestação prévia da Procuradoria Jurídica é medida que se impõe nos termos da legislação afeta, sendo sua ausência causa de nulidade do procedimento e consequentemente, do ato jurídico dele oriundo.

Ainda no tocante a responsabilização das assessoras jurídicas (...), cumpre destacar que a Constituição Federal em seu art. 133 prevê a garantia da inviolabilidade do advogado pelos seus atos e manifestações no exercício de suas funções. In verbis:

“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Ainda segundo o art. 32, caput, da Lei n° 8.906/94, “o advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa”.

Todavia, segundo ensinamento de Emerson Garcia e Rogerio Pacheco Alves, in verbis:

“Tratando-se de advogado que mantenha vínculo com a administração, ostentando a condição de agente público, também ele estará sujeito às regras e aos princípios de regência da atividade estatal. À luz dessa constatação, não haverá que se falar em inviolabilidade se o parecer, por sua absoluta e indefectível precariedade, erigir-se como prova insofismável do dolo ou da culpa do agente no exercício de suas funções, terminando por concorrer para a prática de um ato ímprobo por parte do administrador. A inviolabilidade é uma garantia necessária ao legítimo exercício da função, não sendo um fim em si mesma. Identificado o dolo ou a culpa – esta nas hipóteses do art. 10 da Lei n. 8.429/1992 – rompido estará o elo que dever existir entre o exercício funcional e a consecução do interesse público, o que afasta a incidência da referida garantia”. (grifado)

No mesmo sentido e o entendimento de Marcal Justen Filho, senão vejamos:

“A responsabilidade do emitente do parecer – tenha ou não dito parecer cunho vinculante, seja ou não obrigatório – depende do conteúdo e das circunstâncias.

Em todos os casos, não se admite que o parecer teria cunho meramente 'opinativo', tal como se o emitente de um parecer fosse um inimputável, não subordinado ao dever de formular a melhor e mais adequada manifestação possível. O que se deve ressaltar é que o emitente de um parecer não pode ser punido nem responsabilizado por adotar uma dentre diversas interpretações ou soluções possíveis e teoricamente equivalentes. Cabe ao autor de um parecer examinar com cautela todas as circunstâncias do caso concreto, apontando as possíveis divergências e revelando conhecimento técnico e jurídico sobre os fatos, a ciência e a lei. A opção por uma dentre diversas alternativas dotadas de idêntico respaldo não comporta responsabilização, mesmo que o parecer seja obrigatório e de cunho vinculante. Mas a escolha por uma solução desarrazoada, tecnicamente indefensável, incompatível com os fatos concretos, não respaldada pela doutrina e pela jurisprudência acarreta a responsabilização de seu autor ainda que o parecer seja facultativo e não vinculante.

Enfim, a natureza obrigatória ou vinculante do parecer pode agravar a responsabilização do emissor de um parecer mal elaborado e defeituoso, mas não significa a punibilidade para um parecer bem fundamentado, ainda que tenha manifestado entendimento que não venha a ser reputado como o mais adequado e correto”. (grifado)

10. DEFESA: IMPOSSIBILIDADE DE COMPARECIMENTO - ATESTADO MÉDICO

AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.071.302 - GO (2017/0060450-6) RELATOR: MINISTRO MOURA RIBEIRO AGRAVANTE: VILMAR JOSÉ SAID ADVOGADO: GERSON ALCÂNTARA DE MELO E OUTRO(S) - GO019288 AGRAVADO : CAMPONESA PRODUTOS AGROPECUARIOS LTDA - ME ADVOGADO : ALINE MAYANE DE CARVALHO SOUZA E OUTRO(S) - GO026420 EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. RECURSO ESPECIAL INTEMPESTIVO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/73. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO POR DOCUMENTO IDÔNEO. NÃO OCORRÊNCIA. ATESTADO MÉDICO DO ADVOGADO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. (...) 2. O STJ firmou entendimento de que somente fica configurada a força maior quando demonstrada a absoluta impossibilidade de o patrono da parte exercer a profissão ou substabelecer o mandato, hipótese inocorrente. 3. Agravo interno não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Documento: 81081837 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 08/03/2018 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 27 de fevereiro de 2018(Data do Julgamento) MINISTRO MOURA RIBEIRO Relator.

AgInt no AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 907.557 - MG (2016/0099560-6) RELATOR: MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES AGRAVANTE: AGENOR RIBEIRO SOARES FILHO ADVOGADO: ANTÔNIO CARLOS DE MELO - MG137124 AGRAVADO: ESTADO DE MINAS GERAIS PROCURADOR: JERUSA DRUMMOND BRANDÃO E OUTRO(S) - MG078201 EMENTA PROCESSUAL CIVIL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. MOTIVO DE FORÇA MAIOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que somente se configura força maior quando demonstrada a absoluta impossibilidade de o patrono da parte exercer a profissão ou substabelecer o mandato, hipótese inocorrente. 2. "O fato de o advogado da parte se encontrar de atestado médico não constitui, por si só, hipótese de justa causa. Ademais, não ficou comprovado que seu problema de saúde o impediu de praticar o ato ou de constituir mandatário para tanto". Precedentes. 3. Agravo interno não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." A Sra. Ministra Assusete Magalhães (Presidente), os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 15 de dezembro de 2016. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES, Relator.

O atestado médico entregue no serviço de protocolo integrado no mesmo dia da audiência não induz sua apresentação a tempo, nem é prova absoluta de que o réu não possa comparecer. O réu, embora citado e intimado, não compareceu à audiência de instrução e julgamento, tendo protocolizado petição em Posto de Apoio Judiciário, na qual apresentou atestado médico e procuração. Diante da decretação da revelia pelo Juiz a quo, inconformado, recorreu alegando que a apresentação do atestado médico após a ocorrência da audiência designada não caracteriza preclusão e revelia, pois devem ser consideradas as circunstâncias de cada caso. A Turma, por maioria, entendeu que o atestado médico recomendando o afastamento do trabalho não é prova absoluta de que o réu não possa comparecer à audiência, pois não se pode inferir, da sua leitura, se o réu estava efetivamente impossibilitado de se locomover até o local da audiência. Os prolatores do voto majoritário explicaram que as petições consideradas urgentes devem ser protocolizadas diretamente na secretaria da vara onde tramita o processo, de forma a oportunizar o seu eventual adiamento, salvo casos excepcionais, cuja impossibilidade de apresentação deve ser comprovada, evitando-se, assim, os efeitos da revelia. Por sua vez, no voto minoritário, o Magistrado deu provimento ao recurso, porque o atestado médico tinha validade de três dias e foi protocolado no terceiro dia, quando o réu ainda estava dispensado.

Acórdão n. 879197, 20140111278116ACJ, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 19/05/2015, Publicado no DJE: 01/09/2015. Pág.: 512

11. DEFESA: CERCEAMENTO PELA NÃO REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA

TJ-MT - Apelação APL 00027222020088110042 130358/2014 (TJ-MT)
Data de publicação: 08/10/2015
Ementa: RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL – RÉ CONDENADA PELO CRIME CAPITULADO NO ART. 184 , § 2º , DO CP – DEFESA E MINISTÉRIO PÚBLICO ASSEREM A NULIDADE DA SENTENÇA – SUPOSTO CERCEAMENTO DE DEFESA DERIVADO DO JULGAMENTO SEM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO – PROCEDÊNCIA – MANIFESTA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO – VULNERAÇÃO AO ARTIGO 564 , III , E, DO CPP – ANULAÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA – RECURSOS PROVIDOS Resta caracterizada a nulidade absoluta da sentença, por perspícua violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, quando exarada sem a realização de audiência de instrução e sem a intimação da ré para exercer o seu direito de autodefesa. (Ap 130358/2014, DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 30/09/2015, Publicado no DJE 08/10/2015).


EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO - DOSIMETRIA - DECOTE DA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DOS MOTIVOS - NECESSIDADE - COMPENSAÇÃO INTEGRAL DA AGRAVANTE DA REINCIÊNCIA COM A ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA - POSSIBILIDADE. Considerando que os motivos determinantes à prática do delito não fogem aos comuns à espécie, impõe-se a redução da pena-base e a reestruturação da pena. Não sendo o acusado multirreincidente, é de rigor a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea.

V.v.p.: EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO - PRELIMINARES DE NULIDADE - REJEIÇÃO - PRELIMINAR MINISTERIAL DE PRESCRIÇÃO RETROATIVA EM FACE DE UM DOS SENTENCIADOS - ACOLHIMENTO - MÉRITO - CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA - JUÍZO DA EXECUÇÃO - CORREÇÃO DE ERRO NA DOSIMETRIA DAS PENAS DE UM DOS RECORRENTES - NECESSIDADE - EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA PARA UM DOS APELANTES - DESCABIMENTO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Das preliminares defensivas:
- Prefacialmente, não há falar em nulidade na restituição da res furtiva às vítimas, ao argumento de inexistência de provas acerca da propriedade dos bens arrecadados. Ora, conforme se depreende do feito, os recorrentes foram presos em flagrante delito, momentos após terem saído de um dos estabelecimentos comerciais, tendo sido os produtos furtados reconhecidos pelas vítimas, de modo categórico, como sendo de propriedade de suas lojas.
- Outrossim, descabida se mostra a asserção defensiva, intentando o reconhecimento de nulidade do feito, ante a ausência de intimação de um dos sentenciados para a audiência de instrução e julgamento, já que no ato processual praticado o seu defensor se fez presente. Na oportunidade, ele afirmou que o recorrente havia sido internado em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos em outra Comarca, requerendo, assim, a expedição de carta precatória para a sua oitiva, o que restou devidamente atendido e cumprido, send o interrogado perante a autoridade judiciária e na presença de sua defesa técnica.
- Preliminares rejeitadas.

Da preliminar ministerial:
- Considerando-se a pena estabelecida e consumada a prescrição, deve ser acolhida a preliminar ministerial, visando à declaração da extinção da punibilidade de um dos apelantes.
- Preliminar acolhida.

Do Mérito:
- Quanto à tese trazida no bojo da irresignação defensiva, de se consignar que a concessão dos beneplácitos da Justiça gratuita deve ser relegada ao Juízo da Execução, competente para aferir as circunstâncias pertinentes ao fato criminoso, dentre os quais se inclui o exame concreto da situação socioeconômica dos agentes. Isso porque, conquanto seja possível se beneficiar da assistência judiciária, nos termos do art. 804, do Código de Processo Penal, a condenação ao pagamento das custas é um dos efeitos da condenação e o exame de tais condições deve, repisa-se, ser remetido ao Juízo da Execução.
- Todavia, considerando-se a ampla devolutividade da Apelação Criminal intentada pela defesa, deve-se reconhecer a existência de erro material no cálculo das penas aplicadas em face de um dos recorrentes, promovendo-se, nesta oportunidade, o seu saneamento.
- Destarte, improcedente se mostra o pleito de expedição do competente alvará de soltura em favor de um dos apelantes, já que ele, conquanto tenha sido favorecido com o direito de apelar em liberdade nestes autos, encontra-se preso em virtude de mandado de prisão expedido em outro feito.
- Recurso parcialmente provido. (TJMG - Apelação Criminal 1.0707.15.011497- 3/001, Relator(a): Des.(a) Corrêa Camargo , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 02/02/2022, publicação da súmula em 09/02/2022)

 

12. DEFENSOR DATIVO DEVE SER INTIMADO PESSOALMENTE DE ATO PROCESSUAL

O defensor dativo deve ser intimado pessoalmente dos atos processuais. Com base nesse entendimento, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou acórdão da Décima Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo (HC 29.818).

A obrigatoriedade de intimação do defensor dativo está expressa no parágrafo 5º do artigo 5º da Lei nº 1.060/50:

"Nos Estados onde a Assistência Judiciária seja organizada e por eles mantida, o Defensor Público, ou quem exerça cargo equivalente, será intimado pessoalmente de todos os atos do processo, em ambas as Instâncias, contandose-lhes em dobro todos os prazos".

O advogado ou defensor dativo é aquele nomeado pelo juiz para exercer a defesa do réu que não tem condições de contratar um advogado. A Constituição Federal de 1988 consagrou o dever do estado de prestar assistência judiciária aos necessitados. Os dativos geralmente exercem a defesa das pessoas reconhecidamente pobres nos locais onde não está instalada a Defensoria Pública, segundo o STJ.

Para o relator do caso julgado, ministro Paulo Gallotti, presidente da Sexta Turma, as informações constantes no processo demonstram que não houve, por parte do Tribunal de onde se originou o acórdão, a observância do disposto na Lei nº 1.060/50. Houve apenas a publicação da pauta de julgamento sem qualquer menção ao fato de ter sido feita a intimação pessoal do defensor dativo. A não comunicação é entendida como cerceamento de defesa. A decisão da Sexta Turma foi unânime.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2004-set-27/defensor_dativo_intimado_pessoalmente_decide_stj 

Observação: Vide Súmula Vinculante 5 e Súmula 523 do STF.

 
13. INTIMAÇÃO DE SERVIDOR EM PERIODO DE FÉRIAS

De acordo com o art. 155 da Lei Estadual n. 869/52, “é facultado ao funcionário gozar férias onde lhe convier, cumprindo-lhe, entretanto, antes do seu início, comunicar o seu endereço eventual ao chefe da repartição ou serviço a que estiver subordinado”.

Da melhor exegese do referido dispositivo, tem-se que a medida se faz necessária em face da possibilidade de convocar servidor, mesmo no gozo de férias regulamentares, de modo a atender à conveniência da Administração, especialmente à luz do princípio da supremacia do interesse público.

A jurisprudência é consistente no sentido de que tais convocações são legais, vejamos:

- RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PUBLICOS ESTADUAIS. FERIAS-PREMIO. GOZO. SUSPENSÃO. NECESSIDADE DO SERVIÇO. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. AUSENCIA DE DIREITO LIQUIDO E CERTO.

- OS DIREITOS DOS SERVIDORES, RELATIVAMENTE A PERIODOS DE FERIAS, LICENÇAS, ETC, PODEM SER DETERMINADOS, SEU GOZO E USO, A CRITERIO DA ADMINISTRAÇÃO, CONFORME SUA CONVENIENCIA E INTERESSE.

- DESSA FORMA, O ATO ATACADO, QUE SUSPENDEU A CONCESSÃO DO GOZO DE FERIAS-PREMIO POR NECESSIDADE DO SERVIÇO E RACIONALIZAÇÃO DE CUSTEIO, NÃO FERE DIREITO, MUITO MENOS LIQUIDO E CERTO DOS SERVIDORES QUE JA POSSUEM O TEMPO DE SERVIÇO NECESSARIO PARA USUFRUIR DE TAL BENEFICIO.

- RECURSO DESPROVIDO.

(RMS 8613/MG, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA - STJ, julgado em 09.12.1997, DJ 25.02.1998 p. 94)

Adicionalmente, trazemos a seguinte orientação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios:

14- É possível intimar servidores, em gozo de férias, para prestar depoimento perante a Comissão?

Sim. Inexiste previsão legal que retire a obrigação do servidor de prestar depoimento em Comissão de Sindicância durante o gozo de férias.

(Fonte: http://www.tjdft.jus.br/cidadaos/ementario-disciplinar/perguntas-frequentes)

14. IMPEDIMENTO DE SERVIDOR

O novo CPC (art. 15, Lei 13.105/2015) aplica-se ao processo administrativo, em âmbito geral. Dessa forma, no caso de impedimento, aplica-se subsidiariamente o disposto no art. 144, in verbis:

Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

(...)

Art. 144. Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

(...)

IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

(...)

Art. 146. No prazo de 15 (quinze) dias, a contar do conhecimento do fato, a parte alegará o impedimento ou a suspeição, em petição específica dirigida ao juiz do processo, na qual indicará o fundamento da recusa, podendo instruí-la com documentos em que se fundar a alegação e com rol de testemunhas.

No mesmo sentido, a Lei 14.184/2002 que trata do processo administrativo no Estado de Minas Gerais estabelece:

Art. 61 É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou a autoridade que:

I tenha interesse direto ou indireto na matéria;
II tenha participado ou venha a participar no procedimento como perito, testemunha ou representante, ou cujo cônjuge, companheiro, parente ou afim até o terceiro grau esteja em uma dessas situações;
III esteja em litígio judicial ou administrativo com o interessado, seu cônjuge ou companheiro;
IV esteja proibido por lei de fazê-lo.

Art. 62 A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento comunicará o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.

Parágrafo único A falta de comunicação do impedimento constitui falta grave para efeitos disciplinares.

Nesse caso o impedimento deve ser declarado formal e obrigatoriamente, ainda que em sede de análise preliminar cujo objetivo é subsidiar a decisão da autoridade competente (julgadora) quanto a instauração ou não do respectivo procedimento administrativo.

Logo, passível de responsabilização, em âmbito administrativo, no mínimo, por descumprimento de dever e falta grave:

Lei n° 869/1952:

Art. 216 São deveres do funcionário:
(...)
V - lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servir;
VI - observância das normas legais e regulamentares;
(...)
VIII - levar ao conhecimento da autoridade superior irregularidade de que tiver ciência em razão do cargo;
(...)
Art. 246 A pena de suspensão será aplicada em casos de:
I - Falta grave;

(...)

Aém de outros aspectos legais a serem observados quanto a eventual prática de crime contra a Administração, neste caso passível de responsabilidade civil e penal.

15. INDICIAMENTO

Primeiramente, devemos ter em mente que os requisitos necessários à instauração de processo administrativo disciplinar, de indiciamento e de sugestão de aplicação de penalidade são diferentes. Deste modo, fica claro que o indiciamento, via de regra, não pode ser feito mediante a simples reprodução dos fatos indicados na Portaria Inaugural. Conforme se caminha na instrução processual, a cognição em relação aos fatos é ampliada. Desta forma, é imprescindível que, no indiciamento, seja feita uma descrição pormenorizada acerca da eventual ilicitude praticada pelo servidor processado. A não observância deste fato pode acarretar, em alguns casos, a nulidade do processo.

Se temos a nosso favor ampla jurisprudência do STJ no sentido de que se pode fazer uma descrição sucinta e ampla dos fatos na portaria inaugural, essa mesma jurisprudência exige de nós a indicação pormenorizada dos fatos quando de eventual indiciamento. NÃO SE ESQUEÇAM DISSO.

A figura abaixo representa o grau de incerteza em relação aos fatos apurados. Verifica-se, nitidamente, que, entre a instauração do processo e o indiciamento, grande parte da dúvida em relação aos fatos apurados já deve ter sido dirimida e tal questão deve, NECESSARIAMENTE, ser refletida na descrição dos fatos no despacho de indiciamento, quando comparada à descrição dos fatos na Portaria Inaugural.

Por fim, vejamos como o Manual de PAD da CGU, versão Janeiro de 2017, trata do assunto:

“Justamente por ser o momento em que a comissão irá expor os motivos pelos quais se convenceu do cometimento da(s) irregularidade(s), o termo de indiciação, além de qualificar o indiciado com todos os seus dados, deve descrever suficientemente os fatos ocorridos e, de forma individualizada, a conduta por ele praticada, apontando nos autos as provas correspondentes. Não são admitidas indiciações genéricas dos envolvidos nos fatos, isto é, sem que seja apontada a conduta praticada por cada um dos indiciados.

Formulação-Dasp nº 261. Responsabilidade administrativa.

A responsabilidade administrativa deve ser individualizada no respectivo processo, vedada, na impossibilidade de indicação do culpado, a sua diluição por todos os funcionários que lidaram com os valores extraviados.

É importante que sejam narrados claramente todos os fatos provados na fase de instrução, haja vista que, após a defesa escrita, não se poderá fazer qualquer acréscimo factual relacionado à conduta do indiciado. Ademais, o julgamento deverá ser baseado naquilo que tiver sido mencionado no termo de indiciação, sob pena de nulidade. Não é necessário, entretanto, a transcrição do inteiro teor das provas produzidas (por exemplo, a reprodução de todos os depoimentos colhidos), sendo suficiente a indicação daqueles trechos significativos para a convicção formada na indiciação.

[...] 2. O delineamento fático das irregularidades na indiciação em processo administrativo disciplinar, fase em que há a especificação das provas, deve ser pormenorizado e extremamente claro, de modo a permitir que o servidor acusado se defenda adequadamente. Apresenta-se inaceitável a defesa a partir de uma conjunção de fatos extraídos dos autos.
[...]

4. Assim, há flagrante cerceamento de defesa e, portanto, violação ao devido processo legal e aos princípios da ampla defesa e do contraditório, em razão da circunstância de que a iminente pena de demissão pode vir a ser aplicada ao impetrante pela suposta prática de acusações em relação as quais não lhe foi dada oportunidade de se defender. [...]

(STJ. MS 13110 / DF. Mandado de Segurança 2007/0226688-6. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. Data do Julgamento: 14/05/2008. Data de Publicação: 17/06/2008.)” (BRASIL, 2017, pp. 187-188)

(BRASIL, Manual de Processo Administrativo Disciplinar/CGU, Janeiro de 2017, disponível em:  http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplar/arquivos/manual-pad-versao-janeiro-2017.pdf/@@download/file/Manual%20PAD%20-%00Vers%C3%A3o%20Janeiro%202017.pdf, acessado em 26/03/2018)

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA INDIVIDUAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ANALISTA AMBIENTAL DO IBAMA. PENA DE DEMISSÃO. OPERAÇÃO EUTERPE. ART. 117, IX E XII, 132, IV E XIII, DA LEI 8.112/1990. TERMO DE INDICIAMENTO. DESCRIÇÃO PRECISA E CLARA DAS IRREGULARIDADES APURADAS. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 161 DA LEI 8.112/1990. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PREJUÍZO AO DIREITO DE DEFESA. NECESSIDADE. PRINCÍPIO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA, DO DIREITO DE PETIÇÃO E DO JUIZ NATURAL. SEGURANÇA DENEGADA.

1. Pretende o impetrante, ex-Analista Ambiental do IBAMA, a concessão da segurança para anular a portaria demissória, diante da inexistência de imparcialidade da comissão processante do PAD e de a violação dos princípios do juízo natural, do contraditório, da ampla defesa e do direito de petição.

2. É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que o termo de indiciamento deve conter a descrição pormenorizada dos fatos, de forma a possibilitar o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Inteligência do art. 161 da Lei 8.112/1990.

3. Da leitura atenta do Termo de Indiciamento, observa-se que houve a descrição precisa e clara das irregularidades imputadas, no sentido de que, em conjunto com outros servidores, usou do cargo para impor exigência financeiras a terceiros, transformando as atribuições de seu cargo em instrumento de coação, restando, portanto, evidenciada a observância ao disposto no art. 161 da Lei 8.112/1990, principalmente quando a descrição detalhada das condutas imputadas ao impetrante não obstaculizou o pleno exercício do direito de defesa pelo impetrante.

4. O reconhecimento de eventual nulidade no processo administrativo exige a comprovação do prejuízo ao direito da defesa, por força do princípio pas de nullité sans grief, o que não evidenciada na espécie, porquanto as alegações no sentido de que o termo de indiciamento, ao descrever de forma pormenorizada dos fatos, teria ensejado uma condenação antecipada, e de falta de imparcialidade da comissão processante do PAD, são destituídas de elementos de prova, demonstrando apenas a discordância do impetrante com a sua indiciação e condenação.

5. Acompanhado de procurador constituído, o impetrante teve acesso aos autos do Processo Administrativo Disciplinar, amplo conhecimento dos fatos investigados, produziu as provas e contraprovas pertinentes, bem como, oportunamente, ofereceu defesa escrita, o que afasta qualquer alegação relativa à ofensa ao contraditório e à ampla defesa e ao direito de petição.

6. Não há que se falar em violação do princípio do juiz natural, posto que a Comissão Processante do PAD, ao elaborar o relatório final do PAD, não tem o condão de julgar as questões suscitadas pelos acusados, mas tão somente realizar um resumo das peças principais e mencionar as provas em que se baseou para formar a sua convicção, concluindo pela inocência ou responsabilidade do servidor (art. 165, caput e §§ 1° e 2°, da Lei 8.112/1990), tudo a fim de subsidiar a decisão da autoridade julgadora competente.

7. Segurança denegada.

(MS n. 15.484/DF, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 25/3/2015, DJe de 31/3/2015.)

 
16. NÃO INTIMAÇÃO PARA VISTAS AO RELATÓRIO FINAL

De acordo com os Tribunais de sobreposição, inexiste mácula ao contraditório quando da não intimação para vistas ao Relatório Final. Nesse sentido: STF - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 30502 EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE APLICOU PENA DE DEMISSÃO AO RECORRENTE. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO APÓS A APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL PELA COMISSÃO PROCESSANTE. LEI N. 8.112/1990. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PEDIDO EXTEMPORÂNEO DE PRODUÇÃO DE NOVA PERÍCIA. CARÁTER PROVISÓRIO E PRECÁRIO DA MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA. 1. A Lei n. 8.112/1990 não exige nova intimação após a apresentação do relatório final pela Comissão Processante. O Supremo Tribunal Federal assentou que a ausência dessa intimação não caracteriza afronta ao contraditório e à ampla defesa quando o servidor defendeu-se ao longo de todo o processo administrativo. 2. Tendo o Recorrente se esquivado do exame de sanidade mental ao longo de todo o processo disciplinar, não se justifica seja aceito pedido extemporâneo de produção de nova perícia. 3. O deferimento da medida liminar decorre de um exame precário e provisório e, por isso mesmo, não implica em concessão da segurança. 4. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança não provido. STJ – MANDADO DE SEGURANÇA Nº 21.898 - DF (2015/0159913-6) RELATORA: MINISTRA REGINA HELENA COSTA IMPETRANTE: ARNALDO PIKELHAIZEN ADVOGADO: IVANA MARA ALBINO OLIVEIRA - MG047836 IMPETRADO: MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA INTERES: UNIÃO EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AGENTE DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. DEMISSÃO. VÍCIOS. PORTARIA INAUGURAL. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DAS IRREGULARIDADES INVESTIGADAS. DESNECESSIDADE. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. SUBSTITUIÇÃO DE MEMBROS DA COMISSÃO PROCESSANTE. POSSIBILIDADE. EXAME DA INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS APURADAS. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. FALTA DE INTIMAÇÃO DO ACUSADO APÓS APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ERROS QUANTO À MATRÍCULA FUNCIONAL E AO NOME DO ACUSADO. MEROS EQUÍVOCOS MATERIAIS. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. SEGURANÇA DENEGADA. I - É desnecessária a descrição pormenorizada das irregularidades investigadas, na portaria de instauração de processo administrativo disciplinar. Precedentes. II - Extrai-se dos autos que a primeira substituição de membros da comissão processante se deu em razão de impedimento declarado pelo servidor Idelfonso Ventura Filho, enquanto a segunda alteração ocorreu após suspeição suscitada pelo ora Impetrante, relativamente ao servidor Mário Caldas Martins, sobrevindo, ainda, outra modificação na composição do colegiado disciplinar, por força da posse do servidor Lúcio Alves Ângelo Júnior, em cargo público inacumulável. Nesse contexto, hígido o processo administrativo COGE - JURISPRUDENCIA COLECIONADA 30 disciplinar em análise, porquanto é possível a substituição de membros da comissão processante, desde que respeitados, quanto aos membros designados, os requisitos insculpidos no art. 149 da Lei n. 8.112/90, o que se verifica in casu. Precedentes. III - Na via estreita do mandado de segurança, na qual se exige prova documental pré-constituída do direito líquido e certo, é incabível o exame da suficiência das provas apuradas em processo administrativo disciplinar, ante a necessidade de dilação probatória. Precedentes. IV - Ante a ausência de previsão legal, a falta de intimação do servidor público, após a apresentação do relatório final pela comissão processante, em processo administrativo disciplinar, não configura ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa. Precedentes. V - Os erros quanto à matrícula funcional indicada no relatório emitido pela Corregedoria Geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, e ao nome do Acusado, no parecer emitido pela Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, caracterizam meros equívocos materiais, inaptos a ensejar nulidade processual, que, em processo administrativo disciplinar, somente é declarada face à efetiva demonstração de prejuízo, sendo aplicável o princípio do pas de nullité sans grief. Precedentes. VI - A impetração de mandado de segurança pressupõe a existência de direito líquido e certo, comprovado mediante prova pré-constituída, o que não ocorreu no presente caso. VII – Segurança denegada. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. SUPOSTA NEGATIVA DE ACESSO AO PAD. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS. NULIDADES. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. FALTA DE PREVISÃO LEGAL PARA INTIMAÇÕES APÓS O RELATÓRIO FINAL. OBSERVÂNCIA. SEGURANÇA DENEGADA I. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra suposto ato ilegal atribuído ao Ministro de Estado da Justiça, consubstanciado na imposição de pena de demissão a bem do serviço público, com fundamento no art. 117, IX e 132, IV, da Lei n. 8.112/1990. II. Não há falar em nulidade do Processo Administrativo Disciplinar - PAD por cerceamento de defesa, uma vez que foram observadas as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. III. Na via estreita do mandado de segurança, na qual se exige prova documental pré-constituída do direito líquido e certo, é incabível o exame da alegada obstrução do acesso aos autos do processo administrativo disciplinar ou do incidente de sanidade mental, ante a necessidade de dilação probatória. IV. A falta de intimação do servidor público, após a apresentação do relatório final pela comissão processante, em processo administrativo disciplinar, não configura ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa, ante a ausência de previsão legal. Precedentes do STF e do STJ. V. Em processo administrativo disciplinar, apenas se declara a nulidade de um ato processual quando houver efetiva demonstração de prejuízo à defesa, por força da aplicação do princípio pas de nullité sans grief, não havendo efetiva comprovação, pelo Impetrante, de prejuízos por ele suportados, e, concluir em sentido diverso, demandaria dilação probatória, o que não é possível em sede de mandado de segurança, no qual se exige prova documental pré-constituída. VI. Segurança denegada. (MS n. 22.750/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de 15/8/2023.)

17. DEGRAVAÇÃO DE OITIVAS AUDIOVISUAIS - DESNECESSIDADE

De acordo com os Tribunais de sobreposição, inexiste mácula ao contraditório quando da não intimação para vistas ao Relatório Final. Nesse sentido:

STF - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA N° 30502

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA QUE APLICOU PENA DE DEMISSÃO AO RECORRENTE. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO APÓS A APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL PELA COMISSÃO PROCESSANTE. LEI N. 8.112/1990. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PEDIDO EXTEMPORÂNEO DE PRODUÇÃO DE NOVA PERÍCIA. CARÁTER PROVISÓRIO E PRECÁRIO DA MEDIDA LIMINAR DEFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA.
1. A Lei n. 8.112/1990 não exige nova intimação após a apresentação do relatório final pela Comissão Processante. O Supremo Tribunal Federal assentou que a ausência dessa intimação não caracteriza afronta ao contraditório e à ampla defesa quando o servidor defendeu-se ao longo de todo o processo administrativo.
2. Tendo o Recorrente se esquivado do exame de sanidade mental ao longo de todo o processo disciplinar, não se justifica seja aceito pedido extemporâneo de produção de nova perícia.
3. O deferimento da medida liminar decorre de um exame precário e provisório e, por isso mesmo, não implica em concessão da segurança.

4. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança não provido.

STJ – MANDADO DE SEGURANÇA Nº 21.898 - DF (2015/0159913-6) RELATORA: MINISTRA REGINA HELENA COSTA IMPETRANTE: ARNALDO PIKELHAIZEN ADVOGADO: IVANA MARA ALBINO OLIVEIRA - MG047836 IMPETRADO: MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA INTERES: UNIÃO EMENTA DIREITO ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AGENTE DE POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. DEMISSÃO. VÍCIOS. PORTARIA INAUGURAL. DESCRIÇÃO PORMENORIZADA DAS IRREGULARIDADES INVESTIGADAS. DESNECESSIDADE. IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. SUBSTITUIÇÃO DE MEMBROS DA COMISSÃO PROCESSANTE. POSSIBILIDADE. EXAME DA INSUFICIÊNCIA DAS PROVAS APURADAS. DESCABIMENTO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. FALTA DE INTIMAÇÃO DO ACUSADO APÓS APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. OFENSA AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. NÃO CONFIGURAÇÃO. ERROS QUANTO À MATRÍCULA FUNCIONAL E AO NOME DO ACUSADO. MEROS EQUÍVOCOS MATERIAIS. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. SEGURANÇA DENEGADA.
I - É desnecessária a descrição pormenorizada das irregularidades investigadas, na portaria de instauração de processo administrativo disciplinar. Precedentes.
II - Extrai-se dos autos que a primeira substituição de membros da comissão processante se deu em razão de impedimento declarado pelo servidor Idelfonso Ventura Filho, enquanto a segunda alteração ocorreu após suspeição suscitada pelo ora Impetrante, relativamente ao servidor Mário Caldas Martins, sobrevindo, ainda, outra modificação na composição do colegiado disciplinar, por força da posse do servidor Lúcio Alves Ângelo Júnior, em cargo público inacumulável. Nesse contexto, hígido o processo administrativo disciplinar em análise, porquanto é possível a substituição de membros da comissão processante, desde que respeitados, quanto aos membros designados, os requisitos insculpidos no art. 149 da Lei n. 8.112/90, o que se verifica in casu. Precedentes.
III - Na via estreita do mandado de segurança, na qual se exige prova documental pré-constituída do direito líquido e certo, é incabível o exame da suficiência das provas apuradas em processo administrativo disciplinar, ante a necessidade de dilação probatória. Precedentes.
IV - Ante a ausência de previsão legal, a falta de intimação do servidor público, após a apresentação do relatório final pela comissão processante, em processo administrativo disciplinar, não configura ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa. Precedentes.
V - Os erros quanto à matrícula funcional indicada no relatório emitido pela Corregedoria Geral do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, e ao nome do Acusado, no parecer emitido pela Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, caracterizam meros equívocos materiais, inaptos a ensejar nulidade processual, que, em processo administrativo disciplinar, somente é declarada face à efetiva demonstração de prejuízo, sendo aplicável o princípio do pas de nullité sans grief. Precedentes.
VI - A impetração de mandado de segurança pressupõe a existência de direito líquido e certo, comprovado mediante prova pré-constituída, o que não ocorreu no presente caso.

VII – Segurança denegada.

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. INCIDENTE DE SANIDADE MENTAL. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. SUPOSTA NEGATIVA DE ACESSO AO PAD. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. INDEFERIMENTO DE PROVAS. NULIDADES. NÃO CONFIGURAÇÃO. PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. FALTA DE PREVISÃO LEGAL PARA INTIMAÇÕES APÓS O RELATÓRIO FINAL. OBSERVÂNCIA. SEGURANÇA DENEGADA
I. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra suposto ato ilegal atribuído ao Ministro de Estado da Justiça, consubstanciado na imposição de pena de demissão a bem do serviço público, com fundamento no art. 117, IX e 132, IV, da Lei n. 8.112/1990.
II. Não há falar em nulidade do Processo Administrativo Disciplinar - PAD por cerceamento de defesa, uma vez que foram observadas as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
III. Na via estreita do mandado de segurança, na qual se exige prova documental pré-constituída do direito líquido e certo, é incabível o exame da alegada obstrução do acesso aos autos do processo administrativo disciplinar ou do incidente de sanidade mental, ante a necessidade de dilação probatória.
IV. A falta de intimação do servidor público, após a apresentação do relatório final pela comissão processante, em processo administrativo disciplinar, não configura ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa, ante a ausência de previsão legal. Precedentes do STF e do STJ.
V. Em processo administrativo disciplinar, apenas se declara a nulidade de um ato processual quando houver efetiva demonstração de prejuízo à defesa, por força da aplicação do princípio pas de nullité sans grief, não havendo efetiva comprovação, pelo Impetrante, de prejuízos por ele suportados, e, concluir em sentido diverso, demandaria dilação probatória, o que não é possível em sede de mandado de segurança, no qual se exige prova documental pré-constituída.
VI. Segurança denegada. (MS n. 22.750/DF, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Seção, julgado em 9/8/2023, DJe de 15/8/2023.)

18. GRAVAÇÃO CLANDESTINA – PROVA LÍCITA

Segundo item 10.3.22.1.4 - Princípios constitucionais e provas ilícitas - do Manual da CGU:

À Administração Pública atribui-se a observância aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, consagrados no art. 37 da CF, cabendo ao agente público atuar em conformidade com eles. Daí se conclui que, em face da diferença de valores a ser analisada no caso concreto, ponderando-se os princípios constitucionais, o interesse público sobressairá ao privado; não pode, então, o agente público, no exercício de sua função, alegar inviolabilidade da vida pessoal em detrimento da coisa pública. Dessa forma, fala-se em relativização dos direitos e das garantias individuais e coletivas diante da probidade administrativa.

Vejamos o comentário de Alexandre de Moraes, sobre um voto do Ministro Sepúlveda Pertence: Como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, analisando hipótese de gravação clandestina de conversa de servidor público com particular, “não é o simples fato de a conversa se passar entre duas pessoas que dá, ao diálogo, a nota de intimidade, a confiabilidade na discrição do interlocutor, a favor da qual, aí sim, caberia invocar o princípio constitucional da inviolabilidade do círculo de intimidade, assim como da vida privada”. Portanto, as condutas dos agentes públicos devem pautar-se pela transparência e publicidade, não podendo a invocação de inviolabilidades constitucionais constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas, que permitam a utilização de seus cargos, funções e empregos públicos como verdadeira cláusula de irresponsabilidade por seus atos ilícitos, pois, conclui o Ministro Sepúlveda Pertence, inexiste proteção à intimidade na hipótese de “uma corrupção passiva praticada em administração pública”. (g.n.)

Fonte: https://www.cgu.gov.br/Publicacoes/atividade-disciplinar/arquivos/manualpad_130513.pdf

Corroboram os seguintes julgados do STF:

“Ação penal. Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro”. (RE 583.937-QO-RG, Rel. Min. Cezar Peluso, com repercussão geral)

“EMENTA: PROVA. Criminal. Conversa telefônica. Gravação clandestina, feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro. (...) Fonte lícita de prova. Inexistência de interceptação, objeto de vedação constitucional. Ausência de causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. (...) Inexistência de ofensa ao art. 5º, XXIILVICF (RE 402.717/PR, Rel. Ministro Cezar Peluso).

 

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL POR OMISSÃO. NULIDADE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO INEXISTÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. FATO NOVO. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO.

1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que é válida a prova obtida quando a gravação ambiental é realizada por um dos interlocutores, dispensada a exigência de autorização judicial prévia.

2. No caso, a prova produzida pela avó (genitora da madrasta) da vítima de crime sexual praticado pelo próprio pai - consistente em gravação audiovisual ambiental -, é lícita, pois visou amparar os elementos indiciários de prova dos estupros, em tese, consumados contra a menor.

3. Os prazos processuais previstos na legislação pátria devem ser computados de maneira global e o reconhecimento do excesso deve-se pautar sempre pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, LXXVIII, da CF), considerando cada caso e suas particularidades.

4. O processo vem recebendo impulso regular na origem e, de acordo com as informações prestadas, "[e]m 27 de novembro transato, foi realizado o ato solene designado, oportunidade em que foi marcada nova audiência para oitiva de uma testemunha e para a realização dos interrogatórios dos acusados".

5. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).

6. Na hipótese, as instâncias ordinárias fundamentaram a periculosidade da agente na convivência com a vítima e pelo fato de haver sido omissa quanto aos crimes de estupro perpetrados em detrimento da dignidade sexual da menor, filha do agressor, companheiro da acusada. Essas circunstâncias legitimaram, inicialmente, a adequação e a necessidade do acautelamento da ordem pública, mormente porque, em decorrência dos abusos suportados, a ofendida engravidou e a paternidade da criança foi comprovada mediante laudo técnico.

7. Por ocasião da sustentação oral realizada na sessão de julgamento do dia 5/12/2023, foi noticiado pela defesa que a ofendida está sob a guarda de familiares maternos, em outro estado da federação (Rondônia) - ao passo que a acusada está custodiada em Santa Catarina, situação confirmada pelas novas informações prestadas pelo juízo de origem. Diante do fato novo revelado, desnecessária é a imposição da medida extrema, pois, com a mudança da vítima, outras alternativas menos gravosas são suficientes para acautelar o risco do cometimento de novas infrações penais contrárias à ofendida.

8. À luz do princípio da proporcionalidade e das alternativas fornecidas pela Lei n. 12.403/2011, afigura-se suficiente e adequado, para atender às exigências cautelares do art. 282 do CPP, impor à ré - sem prejuízo de mais acurada avaliação do Juízo monocrático - providências elencadas no art. 319 do CPP.

9. Agravo regimental parcialmente provido, tão somente para substituir a prisão preventiva da acusada por medidas cautelares diversas.

(AgRg no HC n. 849.543/SC, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 15/12/2023.)

 

HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. CAPTAÇÃO AMBIENTAL. REALIZAÇÃO POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM CONHECIMENTO DO OUTRO. PACOTE ANTICRIME. REGULAMENTAÇÃO. PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. DISPENSA. RESTRIÇÃO A DIREITO FUNDAMENTAL DO ACUSADO. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE. NECESSIDADE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL PARA PROVA DA CONDUTA CRIMINOSA. ADEQUAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MEIO MENOS GRAVOSO. PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO. COLISÃO DE INTERESSES. BENS JURÍDICOS DE MAIOR RELEVÂNCIA. LEGÍTIMA DEFESA PROBATÓRIA. LICITUDE DA PROVA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. A inserção do art. 8º-A à Lei n. 9.296/1996 pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) se deu com o fim de regulamentar a "captação de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos", para fins de investigação ou instrução criminal. Para tanto, geralmente, exige-se prévia autorização judicial e outros requisitos na concretização da proporcionalidade em suas três dimensões:

idoneidade para produzir prova da prática do crime (adequação), inexistência de outro meio menos gravoso de obtenção da prova (necessidade) com pena superior a 4 anos (proporcionalidade em sentido estrito).

2. O art. 8-A, da Lei n. 9.296/1996 garante, em seu § 4º, a utilização, em matéria de defesa, da prova obtida por meio da captação ambiental realizada por um dos interlocutores, quando demonstrada a integridade da gravação. O art. 10-A, da Lei n. 9.296/1996, por sua vez, também incluído pela Lei n. 13.964/2019, previu a figura típica da captação ambiental sem autorização judicial, mas ressalvou, em seu § 1º, os casos em que esta é realizada por um dos interlocutores, situação que pode ser equiparada à atuação de terceiro quando o agente reduzir totalmente a possibilidade de agir da vítima.

3. Os precedentes mais recentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal têm validado o uso das gravações clandestinas como meio de prova, excluindo da incidência típica as captações feitas por um dos interlocutores. A questão não é nova, uma vez que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 583.937, em 19 de novembro de 2009, em rito de repercussão geral, já havia decidido pela validade probatória da gravação de áudio ou vídeo realizada de forma oculta, por particular, sem conhecimento do outro interlocutor.

4. Não obstante alguns posicionamentos contrários à utilização da gravação clandestina produzida pelas vítimas de crime como meio de prova, há situações em que é forçoso se concluir pela sua licitude, considerando justamente a necessidade de defesa dos direitos fundamentais da vítima.

5. Especificamente com relação à sua utilização como forma de proteção aos direitos fundamentais da vítima de ações criminosas, a proporcionalidade em sentido estrito se aplica como verdadeira causa excludente de ilicitude da prova toda vez que o direito à integridade e à dignidade da vítima prevalece sobre o direito de imagem e privacidade do ofensor. Em outras palavras, é imprescindível que os bens jurídicos em confronto sejam sopesados, dandose preferência àqueles de maior relevância. 

7. Na colisão de interesses, o uso de captações clandestinas se justifica sempre que o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à imagem do autor de crime, utilizando-se da legítima defesa probatória, a fim de se garantir a licitude da prova. É exatamente nesse contexto que se insere a conduta daquele que realiza uma gravação ambiental clandestina, inicialmente praticando a conduta típica descrita no art. 10-A da Lei n. 9.296/1996, amparado, no entanto, pela excludente de antijuridicidade, pois sua conduta, embora cause lesão a um bem jurídico protegido, no caso a privacidade ou a intimidade da pessoa alvo da gravação, é utilizada para a defesa de direito próprio ou de terceiro contra agressão injusta, atual e iminente.

8. No presente caso, os funcionários da equipe de enfermagem de um hospital suspeitaram do comportamento incomum apresentado pelo denunciado no centro cirúrgico e registraram em vídeo a ação criminosa, considerando a vulnerabilidade da vítima que estava sedada sem qualquer possibilidade de reação ou mesmo de prestar depoimento sobre os fatos.

9. Ao sopesar os interesses das partes envolvidas na captação ambiental, obviamente que os direitos fundamentais da parturiente se sobrepõem às eventuais garantias fundamentais do ofensor que agora tenta delas se valer para buscar impedir a utilização do único meio de prova possível para a elucidação do crime por ele perpetrado, praticado às escondidas em ambiente hospitalar e em proveito à situação de extrema vulnerabilidade que ele mesmo impôs à parturiente com a utilização excessiva de sedação e de anestésicos, impedindo qualquer tipo de reação.

10. Não há ilicitude a ser reconhecida, devendo a ação penal ter o seu normal prosseguimento, a fim de elucidar os fatos adequadamente narrados pela acusação.

11. Habeas corpus não conhecido.

(HC n. 812.310/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 28/11/2023.)

19. DENÚNCIA ANÔNIMA

Súmula 611 STJ - Desde que devidamente motivada e com amparo em investigação ou sindicância, é permitida a instauração de processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, em face do poder-dever de autotutela imposto à Administração. (Súmula 611, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/05/2018, DJe 14/05/2018)

Precedentes Originários:

[...] O acórdão ora recorrido se mostra em sintonia com a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ilegalidade na instauração de processo administrativo com fundamento em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à Administração e, por via de consequência, ao administrador público. [...] (AgRg no REsp 1307503 RR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/08/2013, DJe 13/08/2013)

[...] A investigação preliminar para averiguar a materialidade dos fatos e sua veracidade, desde que não exponha a imagem do denunciado e não sirva de motivo para perseguições, deve ser feita e é inerente ao poder-dever de autotutela da Administração Pública, admitindo-se o anonimato do denunciante com certa cautela e razoabilidade, pois a sua vedação, de forma absoluta, serviria de escudo para condutas deletérias contra o erário. [...] (MS 15517 DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 18/02/2011)

[...] Não há falar em nulidade se o processo administrativo disciplinar é instaurado somente após a realização de investigação preliminar para averiguar o conteúdo da denúncia anônima. [...] (MS 18664 DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 30/04/2014)

Da mesma forma não prospera a alegação de nulidade do processo administrativo disciplinar em razão de ter sido iniciado por força de denúncia anônima, tendo em vista que esta é admitida em nosso ordenamento jurídico, ainda que com reservas, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. [...] (MS 19833 DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 21/05/2014)

[...] Não há falar em processo administrativo instaurado com base em denúncia anônima, in casu. Em verdade, diante do recebimento de tal denúncia, determinou o juiz Corregedor ao Oficial de Justiça diligência com a finalidade de apurar os fatos e, somente após a constatação, in loco, de que suposta irregularidade estaria ocorrendo, aí sim, houve a abertura de processo, instaurado por meio de Portaria. [...] (RMS 21268 PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2007, DJe 28/04/2008)

[...] É firme o entendimento no âmbito do STJ no sentido de que inexiste ilegalidade na instauração de sindicância investigativa e processo administrativo disciplinar com base em denúncia anônima, por conta do poder-dever de autotutela imposto à Administração (art.143 da Lei 8.112/1990), ainda mais quando a denúncia decorre de Ofício do próprio Diretor do Foro e é acompanhada de outros elementos de prova que denotariam a conduta irregular praticada pelo investigado, como no presente casu. Precedentes. [...] (RMS 44298 PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 24/11/2014)

20. A APLICAÇÃO DA PENALIDADE DE DEMISSÃO PREVISTA NO INCISO II, DO ARTIGO 250, DA LEI 869/52 DEPENDE DE CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO?

O entendimento até então adotado por esta Controladoria-Geral é no sentido da adoção da interpretação conforme a Constituição, conforme doravante se discorre:

Como se vê, o Estatuto do Funcionalismo mineiro data de 1952, utilizando-se, ainda, termos já obsoletos, como a própria dicção do mencionado artigo 250, inciso II, que traz “praticar crime contra a boa ordem e administração pública”. Em análise histórica, percebe-se que os “crimes contra a boa ordem e administração pública” compunha o Título V do Código Penal do Império, de 1830, que trazia[1]:

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm


Hoje, como sabido, não mais persiste tal nomenclatura, limitando-se o atual Código Penal a trazer, em seu título XI, os “Crimes contra a Administração Pública”.

Por essa razão, é perceptível que a Lei Estadual nº 869/52 se orienta em uma ordem jurídica e constitucional já ultrapassada, trazendo artigos que ora não foram recepcionados (como o artigo 213, que prevê a prisão administrativa), ora dependem de interpretação compatível com a Constituição, em que se insere o artigo 250, inciso II (crimes contra a Administração Pública como ilícito disciplinar).

É cediço que o artigo trouxe mais do que queria – e podia – trazer, uma vez que, como visto, o Judiciário é a função estatal competente a dizer se determinado fato é, ou não, crime, não podendo tal juízo ser feito pelo executivo em razão de diversos dispositivos espraiados pelo corpo constitucional que garante tal função aos órgãos do judiciário pátrio, e, sobretudo, ao princípio da separação de poderes, que, inclusive, constitui o chamado núcleo duro da Constituição, por consistir em cláusula pétrea.

No entanto, existe interpretação viável que, preservando o dispositivo, o adequa à ordem jurídico-constitucional vigente, mantendo como ilícito disciplinar condutas tão perniciosas que, por sua censurabilidade, também são consideradas como crimes.

A interpretação, conquanto sútil, é de extrema importância para garantir a independência das instâncias penal e administrativa, não dependendo do julgamento da primeira para se proferi-lo na segunda.

Isso porque, em verdade, o artigo 250, inciso II, utiliza o preceito primário do Código Penal (descrição fática da conduta), como extensão lógica de seu próprio texto, em uma espécie de norma em branco, que depende do complemento trazido em outro documento normativo. Desta forma, à guisa de exemplo, deve ser lido o artigo:

Art. 250 - Será aplicada a pena de demissão a bem do serviço ao funcionário que:

II - praticar conduta passível de capitulação como crime contra a boa ordem e administração pública e a Fazenda Estadual, notadamente:

a. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida;

b. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:

c. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental.

(...)

Nesta toada, enquanto o direito penal pune o crime de peculato, os Órgãos de Controle Interno punem o ilícito disciplinar de apropriação de bens públicos ou particulares, pelo servidor público que possui sua posse em razão do cargo. Aliás, sendo o direito penal a derradeira trincheira (ou a ultima ratio), torna-se conclusivo que quando a conduta de um servidor, no exercício de suas funções, determina ou sugere sua incidência, antes, certamente, já o fez com o direito administrativo sancionador.

Em síntese, a Administração Pública não pune a prática de crime (até mesmo por uma vedação constitucional), mas pune a prática da conduta descrita como crime, por ofender sobremaneira os interesses do poder executivo estadual e a higidez funcional buscada pela a Administração.

E, decerto, tal entendimento é absolutamente constitucional e viável, até mesmo em razão de diversos ilícitos disciplinares que se constituem em crime, como o abandono de cargo do artigo 249, inciso II, da Lei Estadual nº 869/52 (que, no direito penal, é previsto no artigo 323 do Código Penal) e o recebimento ou solicitação de propinas do artigo 250, inciso VI, da Lei Estadual nº 869/52 (que se compatibilizaria com a corrupção passiva, do artigo 317 do Código Penal).

Desta forma, atualiza e constitucionaliza o artigo 250, inciso II, que ao invés de punir o crime, pune a conduta, que é o que configura o ilícito disciplinar.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, julgando a Apelação Cível 1.0395.08.019283-8/001, julgado em 11 de fevereiro de 2014, bem decidiu que “a Administração Pública não está condicionada à prévia condenação penal do servidor para aplicar a pena de demissão em razão da prática de crime, estando pacificado, na doutrina e jurisprudência, o entendimento de que as esferas civil, administrativa e criminal são independentes”. Vejamos:

TJ-MG - Apelação Cível : AC 10395080192838001 MG

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - ATO ADMINSTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - DEMISSÃO A BEM DO SERVIÇO - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - REGULARIDADE - ESFERA ADMINISTRATIVA E CRIMINAL - INDEPENDÊNCIA - CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - COMPROVAÇÃO - ART. 250, II, DA LEI ESTADUAL Nº 869/52 - RAZOABILIDADE - SENTENÇA MANTIDA.

- Cabe ao Poder Judiciário analisar se o ato foi realizado sob o amparo dos princípios da legalidade, da razoabilidade, da impessoalidade, da proporcionalidade e da isonomia.

- A Administração Pública não está condicionada à prévia condenação penal do servidor para aplicar a pena de demissão em razão da prática de crime, estando pacificado, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que as esferas civil, administrativa e criminal são independentes.

- Comprovando-se, em Processo Administrativo Disciplinar, instaurado com observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, a prática de crime contra a Administração Pública, não há que se questionar a razoabilidade do ato que determinou a demissão do servidor a bem do serviço público, nos termos do art. 250, II, da Lei nº 869/52.

Ao final, muito interessante o excerto:

“Ocorre que, no caso destes autos, apesar de ter ocorrido a remessa de cópia do procedimento administrativo ao Ministério Público (fls. 316-317 dos autos conexos), sequer há notícia acerca da instauração da ação penal, devendo assim prevalecer a conclusão administrativa.” Dessa forma, restando comprovada nos autos a prática de crime contra a Administração Pública, não há que se questionar a razoabilidade do ato que determinou a demissão da recorrente a bem do serviço público, nos termos do art. 250, II, da Lei nº 869/52.

O Superior Tribunal de Justiça, apreciando a matéria, posicionou-se no mesmo sentido:

STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA: RMS 30590 RS 2009/0190372-2 – DJE: 7/5/2010.

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL CIVIL. PAD. DEMISSÃO. LEI Nº 7.366/80 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, ART. 81, INCISOS XXXVIII E XL. PECULATO. ABSOLVIÇÃO PENAL. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INCOMUNICABILIDADE ENTRE INSTÂNCIAS. AUTORIDADE PROCESSANTE. ACERVO FÁTICO. VALORAÇÃO. ESFERA ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO. POSSIBILIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA. PENALIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APLICAÇÃO. VALIDADE.
I - A doutrina e jurisprudência pátrias são unânimes em reconhecer o princípio da incomunicabilidade entre as instâncias administrativa e penal, ressalvadas as hipóteses em que, nessa última, reste caracterizada a inexistência do fato ou a negativa de autoria - situação, porém, não vislumbrada na espécie.
II - In casu, a aplicação da penalidade de demissão do recorrente teve por base a valoração das provas produzidas no âmbito do processo administrativo disciplinar, que, observando os princípios da ampla defesa e do contraditório, não apresenta mácula capaz de levá-lo à nulidade.

III - Hipótese em que a cominação da pena pautou-se em critérios de razoabilidade e proporcionalidade, lastreados na gravidade dos atos praticados pelo recorrente, devidamente contemplados na motivação exarada pela autoridade administrativa. Recurso ordinário desprovido.

Por fim, em recente julgado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ratificou seu entendimento, conforme decisão publicada em 10 de fevereiro de 2017:

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRELIMINARES: CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA - NECESSIDADE DE INSTAURAR INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL E SUSPENDER O PAD ATÉ JULGAMENTO DEFINITIVO DE PROCESSO PENAL - REJEIÇÃO. ESCRIVÃ DE SECRETARIA DE JUÍZO - INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS - ADEQUAÇÃO À LEI FEDERAL Nº 9.296/96 - PERÍCIA NOS ARQUIVOS DE ÁUDIOS - DESNECESSIDADE - INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS CONFIGURADAS - NATUREZA GRAVÍSSIMA - PENALIDADE - DEMISSÃO - RECURSO ADMINISTRATIVO NÃO PROVIDO.
Não se anula processo administrativo disciplinar quando garantido ao servidor o devido processo legal, sem provas de qualquer prejuízo à ampla defesa e ao contraditório. Não havendo dúvidas de que o servidor estivesse acometido de algum tipo de distúrbio mental que pudesse interferir em seu desempenho funcional, alterando de forma patológica sua capacidade de discernimento, à época dos fatos apurados, desnecessária a instauração de incidente de sanidade mental.
A apuração de ilícito administrativo que também constitui ilícito penal, em processo administrativo disciplinar, prescinde de prévia condenação definitiva em processo criminal, tendo em vista a autonomia das instâncias. A Lei nº 9.296/96, que trata das interceptações telefônicas, não condiciona sua validade à perícia, quando colhidas licitamente, os áudios são disponibilizados aos interessados, possibilitando-lhes o exercício da ampla defesa e do contraditório, e, principalmente, quando reconhecida a sua autenticidade pela própria parte, sendo cabível a sua utilização de forma legítima, como prova emprestada. Restando comprovadas diversas irregularidades praticadas pela servidora, no exercício do cargo de Escrivã, como a prática dos crimes de corrupção passiva e peculato, além de manter contatos próximos com agiotas, detentos, ex-condenados e pessoas ligadas a eles; com a realização contumaz de favores a estas pessoas, fornecendolhes informações privilegiadas, inclusive, sigilosas, sobre processos que tramitavam na Vara na qual era titular em troca de vantagem pessoal - dinheiro, ainda que na forma de empréstimos -, mostra-se proporcional e adequada a pena de demissão.

TJ-MG - Recurso Administrativo: 10000150729283001 MG – DJE: 10/2/2017

Autor: Fábio Gabrich, Coordenador do Núcleo de Apoio Técnico – NAT/COGE



 
 








 
21. APLICAÇÃO DO AJUSTAMENTO DISCIPLINAR AOS TITULARES DAS ENTIDADES

A vedação de celebração de Termo de Ajustamento Disciplinar à titulares de entidades violaria o princípio da isonomia, uma vez que ratificaria, de forma infundada e desarrazoada, tratamento distintos a situações similares.

Nesta toada, a falta de disposição normativa especifica reclama integração, com o uso do instrumento da analogia, cuja permissibilidade encontra-se na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 4°) e nos diplomas processuais vigentes no Brasil.

Quanto a sua aplicação aos ramos jurídicos de espeque sancionador, a analogia é utilizada desde que não haja silêncio eloquente e seja favorável ao imputado, sendo assim cognominado de analogia "in bonam partem".

No caso em tela, não parece estarmos diante de um silêncio eloquente, uma vez que não houve uma omissão intencional do chefe do executivo para excluir os titulares de entidades do TAD, COGE - JURISPRUDENCIA COLECIONADA 42 mas, verdadeiramente, uma omissão acidental acerca do tratamento que a eles será dado. Desta forma, creio que a solução de integração é endógena, extraída do próprio Decreto. Isso porque, em que pese o TAD ser proposto pela chefia imediata do servidor (art. 8°), seus efeitos só serão produzidos após a homologação da autoridade competente à instauração do processo administrativo disciplinar, sendo admitida a delegação para o responsável pela unidade de auditoria setorial e seccional ou ao Corregedor-Geral (art. 9°).

Neste cenário, tendo em vista as idiossincrasias do caso, caberia à mesma autoridade competente a homologar o TAD, propô-lo e acompanha-lo. Assim, por uma proximidade física e por presentar a Controladoria nas entidades, seria certamente viável que a proposta, homologação e controle sejam feitas pela unidade seccional, que terão os meios de avaliação e de imprimir efetividade ao instrumento despenalizador.

22. EMBRIAGUEZ HABITUAL X EMBRIAGUEZ PATOLÓGICA

Permissa venia, me manifesto contra à proposição legislativa de ser revogar o art. 250, inciso II, in fine, seja por uma perspectiva pragmática, seja por uma perspectiva técnica.

A principiar pelo viés prático, o princípio da continuidade das leis, insculpido no artigo 2°, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro -LINDB[1], a vigência da Lei se perpetua até que outra, que lhe superveniente, a modifique ou revogue. No entanto, reducionista a visão que limita a revogação à expressa, sendo que esta, além de total (ab-rogação) e parcial (derrogação), também pode ser tácita, conforme previsto no art. 2°, §1°, da LINDB. Nesse sentido é o escólio de César Fiuza[2]:

Será, entretanto, tácita quando a lei nova nada disser a respeito de que disposições legais estejam sendo por ela revogadas. Neste caso, a Lei de Introdução resolve o caso dizendo que a lei posterior revoga a anterior, quando seja com ela incompatível, ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

Neste diapasão, a partir do momento em que a Organização Mundial da Saúde entendeu o alcoolismo como doença mental, elasteceu-se o conceito de inimputável, previsto no artigo 26 do Código Penal como causa de exclusão da culpabilidade[3], com contornos indubitáveis no processo administrativo disciplinar.

Nesse sentido, no aspecto prático, o alcoolismo patológico, decerto, não mais está abrangido no artigo 250, inciso II, in fine, da Lei Estadual n° 869/52, pois revogado tacitamente pela extensão no conceito de doença mental para fins de inimputabilidade.

Passando, contudo, ao viés técnico, se desvela como equivocada a tenção de revogação do excerto tipológico em estudo. Isso porque não se confundem embriaguez patológica com embriaguez habitual. Nesse sentindo leciona FRANÇA (2013)[4]:

EMBRIAGUEZ HABITUAL: Há indivíduos que vivem sob a dependência do álcool. Assumem um estado de “normalidade” sob o efeito da bebida, equilibrando suas reações e escondendo suas inibições em condições de frequente embriaguez. 

EMBRIAGUEZ PATOLÓGICA: Resulta da ingestão de pequenas doses, com manifestações intempestivas. Surpreendem pela desproporção entre a quantidade ingerida e a intensidade dos efeitos (...). Ressaltase, a propósito, que todas as formas de embriaguez patológica são objeto de grande interesse médico-legal. Quando bem caracterizada pode chegar a inimputabilidade.

Nota-se, pois, que a embriaguez habitual não pressupõe a inimputabilidade. Isso porque o sistema penal brasileiro adotou para tal dirimente, a teoria biopsicológica, em que não basta a existência da doença mental para configurar a inimputabilidade, mas também a inteira incapacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se conforme esse entendimento, requisito não preenchido pelo ébrio habitual.

Autor: Fábio Gabrich, Coordenador do Nucleo de Apoio Técnico – NAT/COGE

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2449696 - RO (2023/0312996-9)

DECISÃO

Trata-se de agravo em recurso especial interposto por CLAUDIONOR SIMOES DOS SANTOS contra decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA que inadmitiu o recurso especial, com fundamento na Súmula 7/STJ.

Consta dos autos que CLAUDIONOR SIMOES DOS SANTOS foi condenado à pena de 3 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 60 dias-multa, pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 (por seis vezes), na forma do artigo 71 do Código Penal, o que foi mantido pelo Tribunal de origem.

Inconformado, foi interposto recurso especial, com fulcro no inciso III do art. 105 da Constituição Federal, o qual não foi admitido na origem.

Nas razões do especial, aponta o recorrente violação do art. 26 e/ou parágrafo único, do CP, sustentando que a análise da questão recursal não demandaria o reexame das provas, mas apenas a revaloração destas. Afirma que, "quanto interrogado acerca dos fatos em juízo o recorrente de forma clara, direta e objetiva respondeu que quando estava a frente dos negócios, sempre esteve alcoolizado, fora de si não sabia, não tinha qualquer tipo de noção do que estava fazendo, ou seja, era e é um doente" (fl. 459).

Requer o provimento do agravo para que seja admitido o recurso especial para, ao final, ver aplicada a regra do art. 26 do CP.

Apresentada a contraminuta, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso.

O recurso é tempestivo e ataca os fundamentos da decisão agravada.

Passo, portanto, à análise do mérito.

Ao julgar a apelação, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RONDÔNIA entendeu estarem presentes elementos suficientes a sustentar uma condenação por infração ao art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/90, I, c/c, o art. 12, inciso I, ambos da Lei n. 8.137/90, tendo acórdão restado assim fundamentado (fls. 425/426):

Desnecessária a análise sobre a materialidade e autoria delitivas, porquanto a insurgência recursal se limita ao reconhecimento da inimputabilidade do Apelante, a fim de isentá-lo ou diminuir-lhe a pena imposta, alegando que era alcoólatra e, por isso, incapaz de compreender a natureza ilícita dos fatos ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. Com efeito, a embriaguez que exclui a responsabilidade penal do agente é aquela completa e proveniente do caso fortuito ou de força maior (acidental), em que o agente é inteiramente incapaz de compreender a natureza ilícita do fato, ou de determinar-se de acordo com tal entendimento. Por outro lado, a embriaguez voluntária (não acidental) não exclui a imputabilidade penal, conforme a teoria da actio libera in causa (artigo 28, § 1º, do Código Penal). Além disso, a alegada embriaguez patológica que teria prejudicado o entendimento do Apelante não foi provada nos autos, com o devido exame técnico pericial em sede de incidente de insanidade mental, conforme determina o teor do artigo 149 do CPP. É sabido que a alegação de insanidade mental deve ser comprovada em incidente próprio, a fim de atestar a redução da capacidade do entendimento sobre o caráter ilícito da conduta, especialmente porque a embriaguez voluntária não exclui o caráter ilícito do delito.

(...)

Frise-se, ademais, que a defesa juntou documentos datados de2019 e 2022, nos quais constam declarações de que o réu vinha necessitando de tratamento para alcoolismo há muitos anos. Contudo, como já dito, não foi produzida prova técnica para atestar que o acusado era portador desta anomalia psíquica e que, em virtude da alegada doença, tinha o discernimento ausente ou reduzido, especialmente durante o período dos fatos imputados na denúncia (2012).

Outra suposta prova apontada pela defesa é o depoimento do informante EMANUEL E. CARVALHO, contudo, este narrou ter sido criado com o apelante desde os 7 anos de idade, de modo que possui relação de amizade com o Apelante, devendo seu depoimento ser tido com ressalvas. Ademais, as declarações de que o Apelante sempre teve problemas com álcool são insuficientes para precisar se e quando esse hábito se tornou incontrolável a ponto de comprometer as faculdades mentais do Apelante. Assim, a mera alegação do réu de dependência alcoólica, à margem de quaisquer elementos que coloquem em dúvida a sua capacidade de discernimento no momento da ação, não tem o condão de afastar a sua plena ou parcial imputabilidade penal, de modo que não há falar-se em isenção ou diminuição da pena.

Com efeito, da leitura do excerto acima transcrito, verifica-se que o Tribunal de origem, soberano na reanálise dos fatos e das provas, concluiu pela existência, nos autos, de elementos concludentes para fundamentar o decreto condenatório.

Nesse aspecto, considerou que "a alegada embriaguez patológica que teria prejudicado o entendimento do Apelante não foi provada nos autos, com o devido exame técnico pericial em sede de incidente de insanidade mental, conforme determina o teor do artigo 149 do CPP".

Acrescentou-se, ainda, que "a defesa juntou documentos datados de 2019 e 2022, nos quais constam declarações de que o réu vinha necessitando de tratamento para alcoolismo há muitos anos. Contudo, como já dito, não foi produzida prova técnica para atestar que o acusado era portador desta anomalia psíquica e que, em virtude da alegada doença, tinha o discernimento ausente ou reduzido, especialmente durante o período dos fatos imputados na denúncia (2012)".

Nesse contexto, desconstituir o julgado, busca ndo uma isenção ou redução da pena aplicada em relação à conduta criminosa analisada na origem, não encontra amparo na via eleita, dada a necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, procedimento de análise exclusivo das instâncias ordinárias e vedado a este Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso especial, ante o óbice Sumular n. 7/STJ.

Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. INGRESSO NA RESIDÊNCIA DE UM DOS ACUSADOS.

FUNDADAS RAZÕES. POSSIBILIDADE. ARGUIÇÃO DE NULIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ADEMAIS, CONDENAÇÃO AMPARADA EM OUTRAS PROVAS. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO OU DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PARA USO DE DROGAS. REEXAME DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. EXACERBAÇÃO DA PENA-BASE. QUANTIDADE DOS ENTORPECENTES. AUMENTO PROPORCIONAL.

PLEITO DE RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. REVOLVIMENTO FÁTICOPROBATÓRIO. SÚMULA 7 DO STJ. REGIME FECHADO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

[...]

6. No que tange ao pleito de absolvição ou desclassificação da conduta para o delito do art. 28 da Lei n. 11.343/2006, o acórdão combatido, ao manter a condenação pelo tráfico de drogas, consignou que o conjunto probatório aponta para a prática do crime, não somente em razão das substâncias apreendidas (uma porção de maconha e mais uma barra da mesma substância, pesando mais de 2 kg, além de pontos de LSD), mas também diante da prova testemunhal e circunstâncias da apreensão.

7. Assim, para desconstituir o entendimento firmado pelo Tribunal de origem e concluir pela absolvição ou desclassificação do crime de tráfico de drogas para o do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.

[...]

17. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp n. 1.917.106/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 17/3/2023.)

Ante o exposto, nego provimento ao agravo em recurso especial.

Publique-se.

Intimem-se.

Brasília, 07 de março de 2024.

Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT)

Relator

(AREsp n. 2.449.696, Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), DJe de 11/03/2024.

23. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA

Entendimentos do Superior Tribunal de Justiça - STJ:

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS CAPAZES DE MACULAR A LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. SEGURANÇA DENEGADA. (...) 9. A despeito das teses que se tem levantado acerca da inconstitucionalidade da aplicação de pena de cassação de aposentadoria de servidor público em processo administrativo disciplinar, seja em razão do caráter contributivo dos benefícios previdenciários, seja à luz dos princípios do direito adquirido e ato a jurídico perfeito, prevalece nesta Corte e no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que é possível a aplicação da referida pena, desde que haja expressa previsão legal e que o ilícito administrativo tenha sido cometido pelo servidor ainda na atividade” (STJ-MS Nº 13.074-DF, rel. Min. Rogerio Shieti Cruz, 3ª Seção do STJ, DJe de 02.06.2015)

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PENA DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS CAPAZES DE MACULAR A LEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR. (...) 6. Cometido o ilícito administrativo enquanto o servidor ainda estava na atividade, é plenamente aplicável a pena de cassação de aposentadoria.” (STJ-MS nº 10.289-DF, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 3ª Seção do STJ, DJe de 02.02.2015)

“EMENTA: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. OFENSA A DIREITO ADQUIRIDO.  NÃO OCORRÊNCIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS FORMAIS. DESPROPORCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DA CONDUTA COMPROVADAS. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Desde que o ilícito administrativo tenha sido cometido pelo servidor ainda na atividade, é plenamente aplicável a pena de cassação de aposentadoria, não se podendo falar em ato jurídico perfeito, tampouco em ofensa a direito adquirido. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal (...).” (STJ - MS 19572 DF 2012/0269268-3, rel. Min. Eliana Calmon, DJe 17.12.2013)

Entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. FALTA DISCIPLINAR. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do STF é firma quanto a possibilidade de cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão, inobstante o caráter contributivo de que se reveste o benefício previdenciário. 2. Tendo o acórdão a quo dissentido da jurisprudência da Corte, o provimento do recurso extraordinário e o consequente restabelecimento dos efeitos da sentença proferida em primeira instância é medida que se impõe. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ- ARE 1092355AgR/SP, rel. Min. Edson Fachin, DJe 24.05.19).

24. ACÚMULO DE CARGOS DE PROFISSIONAIS DE SAÚDE

O STJ consolidou entendimento no sentido de que o profissional, para fins de acúmulo de cargo, não se sujeita ao limite de 60 (sessenta) horas semanais. Segue ementa do julgado:

25. PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NA LEI PENAL

O STJ superou o entendimento em que era necessária a deflagração de apuração criminal para a utilização da prescrição penal em PAD. O entendimento está insculpido no Informativo de Jurisprudências n° 651, publicado em 2 de agosto de 2019. Tal entendimento converge ao que foi esposado pelo recente parecer da AGE.

26. PAR – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

O conceito de "solidariedade" é extraído do Código de Civil (Lei n° 10.406/2002), notadamente em seu artigo 264, e, quando passiva, no artigo 275. Vejamos:

Art. 264. Há solidariedade, quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda.

Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.

Minudenciado o conceito legal, Cézar Fiuza (2015)[1] leciona que para se falar em solidariedade, “há vários devedores, respondendo cada um deles individualmente por toda a dívida. ” Ou seja, “o credor pode exigir de apenas um, de alguns, ou de todos que paguem toda a dívida”.

Impende também consignar que a solidariedade não se presume, resultando da Lei ou da vontade das partes, na exata cognição do artigo 265 do referido códex[2].

Nesse sentido, satisfazendo a premissa insculpida no conceito do instituto, o artigo 4°, §2°, da Lei n° 12.846/2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências, prevê categoricamente a solidariedade das pessoas jurídicas que, juntas, praticam os atos que ela visa combater:

Art. 4° § 2º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

No caso em tela, como corolário do que foi esposado na Nota Jurídica NAJ/123/18, de lavra da Advocacia-Geral do Estado, consolidou-se o entendimento de que a Lei n° 12.846/2013 não alcança empresário individual, o que culminou na exclusão da responsabilidade do empresário individual (...), por ilegitimidade passiva.

Em açodada conclusão, poder-se-ia imaginar que o pagamento da multa recairia, em sua integralidade, aos dois apenados sobressalentes, haja vista tratar-se, in casu, de responsabilidade solidária. No entanto, não se pode olvidar que as eventuais repercussões (positivas ou negativas) do empresário individual excluído pode ter influído na dosimetria da pena, o que, decerto, não constituirá a responsabilidade solidária dos demais apenados.

Por isso, (..) que os autos volvem à Superintendência competente para análise do impacto do empresário excluído no quantum debeatur, promovendo, se for o caso, nova dosimetria da penalidade de multa.

Afinal, se a dosimetria da pena considerou a parte excluída para a quantificação da multa, seu respectivo quinhão deverá ser abatido da dívida, haja vista que a causa fundante que o justificou se esvaiu, tornando ilegítima e abusiva sua consideração para punir os demais.

27. EFEITO SUSPENSIVO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO

Ab initio, impende salientar que a competência para manifestar e eventualmente deferir o efeito suspensivo é do Exmo. Controlador-Geral, haja vista ser ele a autoridade ad quem do recurso, competente, pois, por definir seus efeitos.

Salienta-se que a eficiência na comunicação e cumprimento da penalidade, data maxima venia, não é, em visão apriorística, motivo bastante à justificar o pleito. Ademais, para além de tratar de um caso isolado, a suspensão da pena expulsiva no âmago do Processo Administrativo Disciplinar n° 80/2016 se deu em 14 de maio de 2019, por decisão do Exmo. Governador do Estado, e não por esta Pasta, conforme se verifica de excerto do Diário Oficial, doravante reproduzido:

A própria Lei Estadual n° 14.184/2002, que dispõe sobre a regra geral do Processo Administrativo em Minas Gerais, é categórica ao expor a excepcionalidade do efeito suspensivo, elencando como hipóteses de sua concessão o justo receio de prejuízo, ou prejuízo de difícil ou incerta reparação, que deve ser demonstrada, decerto, pela defesa, o que, in casu, não ocorreu:

Art. 57 – Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

Parágrafo único – Havendo justo receio de prejuízo ou de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido do interessado, em decisão fundamentada, atribuir efeito suspensivo ao recurso.

Por fim, sugiro o encaminhamento da peça ao titular desta Pasta para manifestação da concessão, ou não, do pleito da defesa.

28. PERDA DO CARDO PÚBLICO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO

Considerando decisão penal transitada em julgado com decretação de perda do cargo público, questionada acerca do procedimento a ser realizado na esfera administrativa para cumprimento da decisão judicial, a Assessoria Jurídica da CGE se manifestou nos termos a seguir.

De acordo com a Constituição Federal, artigo 41, incisos I e II, pode acarretar a perda do cargo do servidor público a sentença judicial transitada em julgado e o processo administrativo em que seja garantida ampla defesa do servidor processado em sede de estágio provatório por desempenho insatisfatório. Senão veja-se:

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

Sendo assim, diante da comunicação expedida pelo juízo federal, necessário e obrigatório que a Administração Pública dê cumprimento imediato à ordem. Nesse caso, deve-se considerar que a vacância se dará a partir da data do trânsito em julgado da decisão.

Quanto à competência para dar cumprimento à determinação judicial, o artigo 66, inciso XI, da Constituição mineira estabelece a competência do Governador para prover os cargos públicos estaduais. O parágrafo único, por sua vez, autoriza a delegação dessa competência aos Secretários de Estado. Portanto, sugerimos que seja remetido o processo ao órgão de origem do agente público, a fim de verificar qual autoridade o nomeou e se há a delegação específica para esta situação, de forma a se garantir a simetria das formas. Em não havendo delegação, o que repisa-se, deve ser a regra, a decisão judicial deve ser encaminhada à Secretaria-Geral para cumprimento da ordem pelo exmo governador.

De todo modo, importante notar que a competência para dar seguimento à vacância do cargo por cumprimento de ordem judicial não se confunde com a delegação ao Controlador-Geral do Estado para os atos de demissão, prevista pelo Decreto estadual nº 47.588/2018.

Neste ponto, destacamos que ainda que ensejem consequências similares, as penas judiciais e administrativas possuem natureza e fundamentos distintos, vez que a perda do cargo determinada pela Justiça Federal decorre de efeito extrapenal da sanção judicial de natureza penal, nos termos do artigo 92, inciso I, do Código penal, enquanto a demissão decorre da prática de ilícito administrativo, in casu, em sede de processo disciplinar no qual o servidor poderia ser indiciado e punido pelo disposto no artigo 250, inciso II, da Lei nº 869/52 (prática de crime contra a Administração). Com efeito, as duas situações não se confundem. Confirase:

Art. 92, CP. São também efeitos da condenação:

I – a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo:

a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública;

b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

As instâncias administrativa, civil e penal são independentes entre si, conforme prevê o art. 208 c/c 212, da Lei estadual nº 869/52. Nesta esteira, o cumprimento da sentença penal independe da instauração de processo administrativo disciplinar, ainda que a decisão decorrente deste procedimento disciplinar possa, em algumas situações, sofrer interferência da decisão judicial, mais especificamente em casos de absolvição por ausência de indícios de materialidade ou autoria.

Art. 208. Pelo irregular exercício de suas atribuições, o funcionário responde civil, penal e administrativamente.

Art. 212. As cominações civis, penais e disciplinares poderão cumular-se, sendo umas e outras independentes entre si, bem assim as instâncias civil, penal e administrativa.

Contudo, conforme já apontado, em razão da natureza distinta das sanções penais e administrativas, entendemos prudente a instauração de processo administrativo disciplinar, se ainda houver tempo hábil ao exercício do poder disciplinar. A uma porque no curso de eventual procedimento disciplinar é possível que a Administração visualize a ocorrência de outros ilícitos funcionais praticados pelo ex-agente público, os quais não foram objeto de investigação e condenação penal. Em segundo porque, ainda que já transitada a ação penal, existem instrumentos processuais aptos a desconstituir a decisão, a exemplo da revisão criminal, o que reforça a necessidade de se investigar e punir infrações constatadas em sede administrativa, de forma a viabilizar a manutenção do afastamento do servidor em caso da reversão da decisão judicial, especialmente se ulterior absolvição se embasar em questões probatórias.

Concluído o processo administrativo disciplinar em face de agentes já condenados judicialmente, após aplicada a pena administrativa por ato praticado enquanto o agente público estava em exercício, a mesma deve ser publicada, embora não terá repercussão prática, já que neste caso não mais existirá vínculo entre o agente público condenado e o estado.

Por fim, sobre a distinção das penalidades de perda de função e demissão, ressalta-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual só se aplicaria a perda da função por decisão judicial fundamentada no artigo 92, inciso I, do Código Penal caso o servidor não seja aposentado, o que não ocorre no âmbito disciplinar, que permite a conversão de eventual demissão aplicada na penalidade de cassação de aposentadoria, caso o processado se aposente no curso do processo. Vejamos a ementa de uma apelação cível na qual o Tribunal de Justiça mineiro trata do tema:

EMENTA: REMESSA NECESSÁRIA. EX OFFICIO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. SERVIDOR PÚBLICO EFETIVO. POLÍCIA CIVIL DE MINAS GERAIS. ATO ADMINISTRATIVO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. EFEITO EXTRAPENAL ESPECÍFICO. ARTIGO 92, I, DO CÓDIGO PENAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA. REVOGAÇÃO DO ATO. PRECEDENTES DO ÓRGÃO ESPECIAL. ARTIGO 927, V, DO CPC DE 2015. CORREÇÃO MONETÁRIA. ÍNDICES. RE Nº 870.947/SE. TRÂNSITO EM JULGADO. AUSÊNCIA. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

I. Segundo entendimento consolidado pelo colendo STJ, "consubstanciando a aposentadoria um ato jurídico perfeito, com preenchimento de requisitos legalmente exigidos, não se pode desconstituí-la como efeito extrapenal específico da sentença condenatória, mesmo que o fato apurado tenha sido cometido quando o funcionário ainda estava ativo. A cassação da aposentadoria tem previsão legal, mas no âmbito administrativo, não na esfera penal" (AgRg no REsp nº 1.447.549/GO - Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA).

II. É imprescindível a instauração de processo administrativo para cassação da aposentadoria, pois não se trata, in casu, de efeito automático da sentença penal condenatória, ante a ausência de previsão legal (Artigo 92, I, do CP). Precedentes do Órgão Especial.

III. Nos termos do artigo 927, V, do CPC de 2015, os Tribunais observarão a orientação dos Órgãos Especiais aos quais estiverem vinculados.

IV. O valor da condenação imposta à Fazenda Pública deve ser corrigido monetariamente conforme o disposto no artigo 1º-F, da Lei nº 9.494/97, em sua redação atual, dada pela Lei nº 11.960/09 - índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR) ou outro índice que venha a ser adotado, de forma definitiva e com o respectivo trânsito em julgado, em decisão do colendo STF no RE nº 870.947/SE, sob a sistemática da repercussão geral, caso o julgamento ocorra antes da data do pagamento -. Inaplicável, por ora, o IPCA-E.

Esse é o entendimento desta Assessoria sobre o caso apresentado, salvo melhor juízo.

Fonte: Despacho nº 15/2020/CGE/ASJUR - Processo SEI nº 1480.01.0001737/2020-28

SÚMULA CGE/GAB Nº 06, DE 16/11/2020 (Publicada em 17/11/2020) Decretação da perda do cargo público em sentença judicial transita em julgado. Área de concentração: Correição (Publicado no Diário do Executivo de Minas Gerais de 17/11/2020, página 2) “A declaração da perda do cargo público, pela autoridade nomeante, em cumprimento de sentença judicial transitada em julgado, não impede a instauração do processo administrativo disciplinar para apuração de ilícitos administrativos”. Referências: Lei Federal nº 8.429/1992 (Improbidade Administrativa).Lei Federal nº 8.429/1992 (Improbidade Administrativa). Enunciado-CGU/CCC nº 2, de 04/05/2011. Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 142): Tese 10. Arts. 79, 208, 212 e 257 da Lei Estadual n° 869/1952 (Estatuto Servidores). Arts. 37, §4º, e 41 da Constituição da Republica de 1988. Arts. 92 e 330 do Decreto-Lei nº 2.848/1940 - Código Penal. Nota Jurídica AJ/CGE Nº 152/2020, de 13/11/2020. Parecer AGE/CJ nº 15.813, de 13/12/2016. Parecer/Núcleo Técnico COGE n° 103/2020.

29. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Em relação ao princípio da insignificância, Marcos Salles[1], assim leciona:

Trata-se de um princípio de instância material penal que reforça o conceito básico de que esta instância de Direito destina-se à proteção de bens jurídicos de maior valor para a sociedade e merecedores de forte tutela estatal, cuja lesão acarreta ao infrator a grave reprovação social, operada pela aplicação da pena. Neste rumo, o princípio informa que o Direito público punitivo somente deve se importar com condutas que, materialmente, exponham a perigo valores fundamentais da sociedade ou, em outras palavras, que contenham lesividade social. Outra forma de se compreender o princípio em tela é quando, diante de determinada conduta de baixo grau de lesividade, mesmo que o aplicador do Direito cogite da menor pena dentre aquelas legalmente previstas para a espécie, esta ainda se revele exagerada e desproporcional, podendo-se inferir, desta construção, que a tal conduta, ainda que, no plano abstrato, seja possuidora de tipicidade na lei penal, na prática concreta, não atingiu efetivamente os valores protegidos pelo Direito Penal. (...) De se destacar que o princípio da insignificância não comporta aplicação em abstrato, mas sim deve ter a sua amoldação verificada à luz das peculiaridades de cada caso em concreto. A exemplo do que se aduziu acima para o princípio da intervenção mínima, também é de se aceitar a adoção deste princípio de instância penal no Direito Administrativo Disciplinar, em que, se por um lado, se compreende a necessidade de o regime disciplinar diferenciar-se da lei penal para abarcar maior espectro de gravidades de infrações funcionais, conforme melhor se aduzirá em 4.6.1.1 e em 4.6.3, por outro lado, é de se ponderar que o caráter mais abrangente dos enquadramentos, em comparação com os tipos criminais, pode ensejar à persecução disciplinar por condutas de inexpressiva lesividade à Administração e ao interesse público.

Como aduz a doutrina de Marcos Salles, não há óbice ao reconhecimento na esfera disciplinar da aplicação do princípio da insignificância, uma vez que, enquanto princípio, trata-se de mandado de otimização que se espraia a todos os ramos do direito.

Nada obstante, seu reconhecimento e aplicação devem ser realizados com parcimônia sob risco de se tornarem inócuos procedimentos disciplinares. Ora, se uma determinada conduta é passível de ser disciplinarmente sancionada com penalidades que vão desde a repreensão até a demissão a bem do serviço público é pelo fato de caber à Comissão a sua apuração e à autoridade a dosimetria da sanção, considerado aspectos como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstancias e consequências do ilícito, devendo a pena aplicada ser necessária e suficiente para reprovar e prevenir o ilícito. Um procedimento administrativo que vencida sua análise preliminar, instaurado o PAD e reconhecida a irregularidade não merece a seu fim, diante da diminuta reprovabilidade da conduta, se reconhecer a aplicação do princípio da insignificância a fim de excluir a tipicidade material, por inexistir interesse da Administração em reconhecer a aplicação do referido princípio.

Caso o processo se encontre com maturidade suficiente para ser julgado com propriedade, deve autoridade dosar a eventual sanção a ser aplicada. Caso a autoridade entenda inexistir autoria ou materialidade, deve absolver o agente. De outra forma, a depender da conduta, deverá punir o agente com as sanções disciplinares constantes do art. 244, da Lei n° 869/1952. Sendo assim, em se verificando que há uma menor reprovabilidade da conduta, mas havendo um ilícito disciplinar, não pode a autoridade se escusar de aplicar a sanção sob o argumento de utilização do princípio da insignificância, mas aplica-la de forma mais branda, eventualmente propondo um TAD ou aplicando a repreensão. Agir em sentido contrário seria se omitir em seu mister.

Nesse sentido, o momento oportuno para conhecimento do princípio da insignificância seria na análise preliminar, antes da instauração do PAD, até mesmo da propositura de TAD, pois no caso, a conduta é de tamanha pequeneza que não subsiste interesse administrativo em sua apuração, bem como afasta-se a tipicidade da conduta praticada pelo agente.

Dessa forma, aquele responsável pela análise preliminar do PAD deverá se pautar pelos vetores delineados pelo STF no reconhecimento do princípio da insignificância, quais sejam:

→ Mínima ofensividade da conduta;

→ Ausência de periculosidade;

→ Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;

→ Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Verificados os vetores acima, deve ser afastada a tipicidade material, de modo que a conduta do agente, ainda que se enquadre formalmente em um tipo proibitivo constante do Estatuto dos servidores, sua penalização deve ser afastada.

Importante destacar que o TAD pode ser sido aplicado até a apresentação das alegações finais de defesa, nos termos do art. 6°, § 2°, do Decreto n° 46.906/2015.

Diante de todo o exposto, entende-se pela possibilidade de reconhecimento do princípio da insignificância em qualquer momento processual. Apesar disso, como exposto, suas consequências deverão ser diversas. Caso conhecido em momento preliminar, não deve ser instaurado o PAD. Caso conhecido posteriormente, deve ser transmudado, passado a se fazer presente como atenuante à sanção a ser aplicada, utilizando-se da razoabilidade e proporcionalidade, ou mesmo acarretando a absolvição do processado.

II

Quanto à aplicação da Súmula do STJ 599 (O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública), a presente análise, pondera, também, como regra, a sua aplicação, eis que a conduta passível de capitulação como crime contra a administração pública, prevista no art. 250, inciso II, da Lei Estadual nº 869/1952, toma emprestada descrição fática, tipificada do Código Penal, condutas tidas como atentatórias à Administração Pública, possuindo alto grau de reprovabilidade, justificando, em regra, a observância da Súmula STJ 599 e, por conseguinte, a aplicação da pena de demissão a bem do serviço público.

TODAVIA, repisa-se que a análise das circunstâncias do caso em concreto balizará a segura aplicação ou a excepcional mitigação, eis que, em que pese o STJ refutar a aplicação do princípio da insignificância a crimes cometidos contra a Administração Pública, o STF possui julgados em sentido contrário, entendendo por sua insólita aplicação.

De início, insta rememorar que o princípio da insignificância exclui a tipicidade material (relevância do dano causado à Administração). Nesse sentido, são esclarecedoras as lições da doutrina de Sandro Lúcio Dezan:

A conduta insignificante pode excluir a tipicidade disciplinar na medida em que por mais que haja um tipo legal descritor, não seja concretamente reprovável, ou seja, há a previsão típica legal do ilícito, há a subsunção do fato praticado à norma proibitiva, mas concretamente conduta representa algo sem significância para a ordem interna do serviço público.”

(...)

O resultado jurídico insignificante pode excluir a tipicidade disciplinar quando, por mais que haja um tipo proibitivo e a ação ou omissão seja relevante e se subsuma ao descrito na norma, o resultado não provoque maiores repercussões danosas ao serviço público e seus interesses.

Como exemplo de resultado jurídico irrelevante, citemos o servidor que retira da repartição alguns envelopes de carta, pertencentes ao serviço público para fins particulares a par da seara penal, perfaz o tipo disciplinar de: “valer-se do cargo para lograr proveito próprio em detrimento da função pública”. No entanto, apenas realiza a tipificação legal, mas não a material.”

(DEZAN, Sandro Lúcio. Direito administrativo disciplinar: princípios fundamentais. Curitiba: Juruá, 2013. p.282. v.1)

A CGU, de igual modo, já se manifestou pela possibilidade de aplicação do princípio, mas com cautelas, no âmbito da responsabilização de agentes públicos regido pela Lei 8.112/1990, e pela inaplicabilidade no âmbito da responsabilização de entes privados, dada a gravidade das condutas tipificadas na Lei nº 12.846/2013, e sua repercussão no âmbito da Administração Pública e da sociedade, conforme Nota Técnica nº 2648/2020/CGUNE/CRG[2].

Em cuidadosa leitura da referida Nota Técnica, a CGU tem tratado a incidência do princípio da insignificância na esfera disciplinar como medida de caráter excepcional realizada dentro de critérios de razoabilidade e equidade, bem como seguindo parâmetros da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e economicidade em relação ao custo processual (parágrafos 4.5; 4.9; 4.10). Ressalta, ainda, como requisitos para aplicação: mínima ofensividade da conduta; inexistência da periculosidade social da ação; reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada (parágrafo 4.31). Nessas linhas, extrai-se as seguintes considerações:

4.35. Nos casos de PAD, entende-se não haver necessidade de intervenção do Estado Administrador ao enfrentar condutas que ocasionem lesão jurídica de gravidade mínima, devendo, nestas situações, ser reconhecida a atipicidade material destas perturbações jurídicas de menor relevo, considerando-se, tanto o sentido econômico (patrimonial) - com a valoração da lesividade -, como o grau de afetação da ordem administrativa (moral), além dos potenciais custos apuratórios. Trata-se, pois, de uma incidência excepcional e restrita, à vista das circunstâncias e do contexto de ocorrência da infração funcional, cabendo demonstrar a inexpressividade do ato e de seus efeitos ante a finalidade da norma infringida, sem que, com isso, torne insuficiente a proteção do bem jurídico tutelado pela lei administrativa.

(Nota Técnica nº 2648/2020/CGUNE/CRG)

Nesse compasso, esta Corregedoria-Geral, também, não tem obstado a aplicação do Princípio da Insignificância, cujas orientações e ressalvas, encontram-se assentadas no Manual de Apurações de Ilícitos Disciplinares da CGE/MG[3], do qual se depreende semelhante orientação:

Portanto, a interpretação desse princípio se dá, essencialmente, em sua aplicação no caso concreto, cuja análise exige evidentemente bom senso e razoabilidade por parte do julgador. É preciso analisar, concretamente, se o reconhecimento do princípio da insignificância deve ser feito unicamente pelo nível da lesão sofrida, isto é, pelo seu resultado, ou se devem ser levadas em consideração outras circunstâncias como a culpabilidade do agente, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, o contexto dos fatos, as consequências, etc. (pág. 278)

Contudo, cabe atentar que as orientações do Manual da CGE/MG, assevera também, em face dos Princípios da Legalidade Administrativa e da Indisponibilidade do Interesse Público, uma NECESSÁRIA CAUTELA e LIMITAÇÕES quanto à aplicação do Princípio da Insignificância, consignando que administrador/julgador não poderá, por mera discricionariedade, dispor daquilo que a lei disciplina para valoração do caso concreto, afastando, por conseguinte, o dever de apurar e, sendo o caso, aplicar a penalidade.

Nessa esteira, vejamos que a título ilustrativo, o Manual consigna que a insignificância não se aplicaria aos casos em que o servidor obteve proveito econômico em razão do cargo, independentemente do valor (pág.278).

Forçoso registrar, a título de informação, que o STJ, em uma situação deveras excepcional, afastou a incidência da Súmula STJ 599, em vista das peculiaridades do caso (RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 85.272 - RS (2017/0131630-4), vejamos:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DANO QUALIFICADO. INUTILIZAÇÃO DE UM CONE. IDOSO COM 83 ANOS NA ÉPOCA DOS FATOS. PRIMÁRIO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. MITIGAÇÃO EXCEPCIONAL DA SÚMULA N. 599/STJ. JUSTIFICADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

1. A subsidiariedade do direito penal não permite tornar o processo criminal instrumento de repressão moral, de condutas típicas que não produzam efetivo dano. A falta de interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos da vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal.

2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

3. A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada.

3. Recurso em habeas corpus provido para determinar o trancamento da ação penal n. 2.14.0003057-8, em trâmite na 2ª Vara Criminal de Gravataí/RS.

Nesse passo, quanto à aplicação do princípio da insignificância aos crimes contra a administração pública, nos termos da Súmula STJ 599, cumpre seja observada como regra, admitindo-se, no entender desta análise, também sua mitigação como exceção, eis que demonstradas a irrelevância do resultado jurídico danoso, mínima ofensividade da conduta e reduzido grau de reprovabilidade, redundaria na atipicidade material.

Tecidas referidas considerações, prosseguindo para análise dos exemplos elencados (...), indicando-se possível dano ao erário, como a não devolução de uniformes no momento do desligamento de servidores, disparo acidental de arma de fogo, multa de trânsito não paga, muito respeitosamente, sugere-se, uma acurada análise e demonstração do dolo, assim como o efetivo dano, para fins de enquadramento no art. 250, inciso V, da Lei Estadual nº 869/1952 (lesão aos cofres públicos). 

Dos exemplos citados, cumpre ainda ser verificada se há circunstâncias, no caso em concreto, que pronuncie, outrossim, a reprovabilidade da conduta, assim como possíveis aspectos de desonestidade ou torpeza. Nesse sentido, oportuno destacar as lições de José Armando da Costa, citado na obra de CARVALHO:

José Armando da Costa anota que a lesão aos cofres públicos e a dilapidação do patrimônio nacional, como condutas bastantes para justificar a penalidade máxima de demissão, reclamam, além do efetivo dano ao erário, desonestidade, torpeza, e indignidade do servidor infrator e dolo ou pelo menos voluntariedade (conduta livremente adotada caráter contrário ao esperado pelas normas disciplinares, sem a presença de circunstâncias que pressionam a prática da transgressão funcional), não se aplicando nos casos de simples culpa.

(CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de processo administrativo e sindicância: à luz da jurisprudência dos Tribunais e da casuística da Administração Pública. 5 ed. Belo Horizonte, Fórum, 2016. p.1338.)

ASSIM SENDO, inferindo-se como conduta TÍPICA que configure infração de menor potencial ofensivo, sem repercussão de pena demissiva, pertinente avaliar possíveis medidas alternativas, como aplicação do Compromisso de Ajustamento Disciplinar, atualmente regulamentado pelo Decreto Estadual nº 48.418/2022[4].

CASO, em análise das circunstâncias fáticas, verificando-se que, a despeito do servidor ter cometido a conduta funcional irregular, mas não tenha ensejado repercussão danosa relevante à administração pública, pronunciando baixa reprovabilidade, cumpre verificar a aplicabilidade do princípio da insignificância, que EXCLUIRÁ A TIPICIDADE MATERIAL, possibilitando ponderar a viabilidade e adequação em adotar medidas diversas da persecução disciplinar, como somente uma eventual recomposição ao erário ou eventual processo ético.

[1] CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Penas máximas no processo administrativo disciplinar: uma visão neoconstitucionalista do poder vinculado da Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2017.326p;

[2] Disponível em: https://basedeconhecimento.cgu.gov.br/handle/1/9850

[3] CONTROLADORIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Manual De Apuração De Ilícitos Administrativos. 2ª edição. Dezembro, 2021. Disponível em < https://www.cge.mg.gov.br/publicacoes/guias-cartilhas-e-manuais>

[4] Dispõe sobre o Compromisso de Ajustamento Disciplinar no âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo.

Fonte: Parecer NAT 160/2022 (SEI 1520.01.0009795/2022-70).

30. AUSENCIA DE INTIMAÇÃO PARA CONHECIMENTO DA DECISÃO

A publicidade não é requisito de validade, ou elemento formador, mas de eficácia do ato administrativo sem o qual este não completa seu ciclo. Desse modo, valendo-se da "escada ponteana", o ato administrativo em relação ao qual não for dada a devida publicidade, caso tenha seguido de forma escorreita o procedimento a ele inerente será existente, válido, porém ineficaz ou, como preferem os administrativistas, o ato será perfeito, terá validade, porém será ineficaz.

Nessa toada, deve se verificar se a penalidade aplicada foi devidamente cumprida por meio da publicação no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais.

A despeito de se constatar a publicidade, a ausência de intimação, configura um vício no ato praticado, embora tal fato não maleficia a sanção aplicada, pois, como regra se tem o art. 57 da Lei nº 14.184/2002, segundo o qual:

Art. 57 – Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo.

Parágrafo único – Havendo justo receio de prejuízo ou de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido do interessado, em decisão fundamentada, atribuir efeito suspensivo ao recurso.

Nesse sentido, ainda que houvesse a intimação para a apresentação do recurso, por força da ausência de efeito suspensivo de eventual recurso ou pedido de reconsideração, a sanção seria executada incontinenti à publicação. Sendo assim, valendo-se da máxima constante do brocardo pas de nullité sans grief, a ausência de intimação macula o ato administrativo, contudo, por inexistir qualquer prejuízo à processada que de qualquer modo cumpriria a suspensão antes de findo o prazo de análise do recurso, nos termos do art. 56 da Lei nº 14.184/2002, não há se falar em nulidade do ato.

Por outro lado, a Administração, por força do princípio da autotutela não pode conviver com situações irregulares, tendo o dever de corrigi-las. Em razão disso, visando assegurar a ampla defesa e o contraditório ao processado, deve a Administração intimar o agente público, oferecendo novo prazo para apresentar o pedido de reconsideração ou recurso que julgar pertinente, o qual deverá ser analisado posteriormente.

Nos termos da Súmula Administrativa CGE nº 2:

O acesso aos autos de Sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares em curso fica limitado ao sindicado/processado, seus procuradores constituídos, órgãos públicos e terceiros interessados que demonstrem interesse próprio e legitimo.

O agente público, no caso, tem direito de acesso aos autos do processo por ter interesse legítimo enquanto processado.

Pelo fato de o processo ter sua instauração verificada no âmbito do órgão/entidade e devendo observância ao princípio do "duplo grau de jurisdição", deve a própria Controladoria Seccional/Seccional providenciar todo o trâmite de disponibilização dos autos à requerente.

Nos casos em que se verificar a aplicação de sanções no rol de competências do próprio órgão, em seu despacho deve ser expresso no sentido de intimar o processado a, nos termos do art. 55, da Lei nº 14.184/2002, interpor recurso, caso queira, no prazo de 10 (dez) dias a contar da publicação do despacho. 

Ainda que a apresentação da defesa seja intempestiva, pelo formalismo moderado e pela autotutela é de praxe sua análise.

Após a publicação, caso haja requerimento pela parte interessada, os autos do processo devem ser disponibilizados de forma integral para que seja possível a realização da defesa de forma ampla e efetiva, evitando alegações de cerceamento de defesa.

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PAD. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA PORTARIA DE DEMISSÃO. AMPLO ACESSO AOS AUTOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOS. OCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

1. Trata-se de mandado de segurança em que se pretende a anulação da pena de demissão de servidor público vinculado ao Ministério da Saúde do cargo de Auxiliar Operacional de Serviços Diversos por suposta acumulação ilegal com o cargo de Professor Nível I.

2. Segundo entendimento pacífico desta Corte, a acumulação ilegal de cargos públicos caracteriza uma situação de se protrai no tempo, sendo passível de ser investigada pela administração a qualquer tempo, nos termos do art. 133 da Lei 8.112/1990.

3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica quanto à desnecessidade de intimação pessoal do servidor representado por advogado quanto à penalidade aplicada, sendo suficiente a publicação no Diário Oficial.

4. No que diz respeito à acessibilidade do conteúdo do processo administrativo disciplinar (PAD), consoante as informações prestadas pela autoridade impetrada e os documentos juntados, foi garantido o amplo acesso aos autos, com deferimento de pedidos de dilação de prazo e de digitalização de documentos, pelo que não houve nenhum prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

5. Segundo entendimento jurisprudencial desta Corte, cargo técnico é aquele que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional, com habilitação específica de grau universitário ou profissionalizante de segundo grau.

6. No caso dos autos, o cargo ocupado pelo impetrante no Ministério da Saúde, Auxiliar Operacional de Serviços Diversos, não exige habilitação específica de grau universitário ou profissionalizante de segundo grau, sendo suficiente a comprovação de conclusão do ensino médio para o exercício das atribuições. Assim, em não havendo compatibilidade entre os cargos exercidos pelo impetrante, deve ser reconhecida a ilegalidade da acumulação pretendida.

7. Segurança denegada.

(MS n. 24.160/DF, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 28/2/2024, DJe de 4/3/2024.)


ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PAD. DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO APÓS RELATÓRIO FINAL DA COMISSÃO PROCESSANTE.  CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. BIS IN IDEM NÃO CONFIGURADO. LISURA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. LEGALIDADE DA PENA APLICADA. INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PORTARIA INAUGURAL. DESNECESSIDADE DE DE TALHAMENTO DOS FATOS IMPUTADOS. ORDEM DENEGADA.

1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por ex-servidor público contra ato do Ministro do Estado da Justiça consubstanciado na Portaria 838 de 3/10/2017, que lhe aplicou a pena de demissão do cargo de Policial Rodoviário Federal após processo administrativo disciplinar (PAD) em que se apurou a prática de infrações administrativas capituladas nos arts. 117, IX (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da função pública), e 132, IV e XI (improbidade administrativa e corrupção), da Lei 8.112/1990.

2. Esta Corte possui o entendimento de que a falta de intimação do servidor público, após a apresentação do relatório final pela comissão processante, em processo administrativo disciplinar, não configura ofensa às garantias do contraditório e da ampla defesa ante a ausência de previsão legal.

3. Não há nenhuma ilegalidade na aplicação da penalidade de demissão, em razão da incidência de vários dispositivos da Lei 8.112/1990. Ressalte-se que, no âmbito do procedimento administrativo disciplinar, o reconhecimento da ocorrência de bis in idem dá-se quando o servidor é punido duplamente pelo mesmo fato, segundo disposto na Súmula 19/STF, in verbis: "é inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira", o que não ocorreu no presente caso.

4. A comissão disciplinar, após exaustivo trabalho investigativo, concluiu que o impetrante havia incorrido nas condutas descritas nos arts. 117, IX (valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem em detrimento da dignidade da função pública), e 132, IV e XI (improbidade administrativa e corrupção), da Lei 8.112/1990. Não houve a comprovação de nenhuma nulidade no procedimento, e a pena de demissão foi aplicada considerando a gravidade dos fatos apurados.

5. Na linha de entendimento desta Corte, não há necessidade de descrição detalhada dos fatos imputados na portaria de instauração do PAD, mas apenas após o indiciamento do servidor.

6. Segurança denegada.

(MS n. 24.036/DF, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 28/2/2024, DJe de 5/3/2024.)

31. APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADE DE EX-SERVIDOR

O servidor público pode ser responsabilizado civil, penal e administrativamente pelo exercício irregular de suas atribuições, bastando para tanto que este tenha vínculo com a Administração Pública no momento do cometimento das irregularidades. O fato de ter sido exonerado não impede a Administração de prosseguir com as apurações e, se for o caso, aplicar a penalidade.

Esse é o entendimento do Enunciado CGU/CCC 2, de 04/05/2011, bem como do Superior Tribunal de Justiça - STJ.

Enunciado-CGU/CCC 2, de 04/05/2011: “Ex-servidor. Apuração. A aposentadoria, a demissão, a exoneração de cargo efetivo ou em comissão e a destituição do cargo em comissão não obstam a instauração de procedimento disciplinar visando à apuração de irregularidade verificada quando do exercício da função ou cargo público”. (Grifos nossos)

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO CONTRA SERVIDOR EXONERADO. POSSIBILIDADE. I - EXISTE INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO EM INSTAURAR PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA APLICAR NO SERVIDOR EXONERADO PENA DE DEMISSÃO, INCLUSIVE A BEM DO SERVIÇO PUBLICO, CASSANDO O SEU ATO DE EXONERAÇÃO, SE FICAR DEFINIDO QUE O PEDIDO DESTA VISAVA AFASTAR A APLICAÇÃO DA CITADA PENA. TAL PROVIDÊNCIA INSERE-SE NO LEGITIMO PODER DA ADMINISTRAÇÃO DE REVER OS SEUS PROPRIOS ATOS. II - RECURSO DESPROVIDO. (RMS 1.505/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/1993, DJ 13/09/1993, p. 18550). MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CARGO EM COMISSÃO. DESTITIUIÇÃO. AUTORIDADE IMPETRADA. COMPETÊNCIA. LEGALIDADE. DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIOS. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.

Assim, conclui-se pela viabilidade da instauração e prosseguimento das apurações.

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. INSTAURAÇÃO CONTRA EXSERVIDOR. POSSIBILIDADE. APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES PRATICADAS QUANDO DO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS. OBRIGATORIEDADE DA APURAÇÃO PELA AUTORIDADE PÚBLICA.

1. De acordo com o regramento legal, ao qual a Administração Pública está jungida em face da obediência ao Princípio da Legalidade, a responsabilidade civil-administrativa do servidor público federal, resultante de sua atuação no exercício do cargo, deve ser obrigatoriamente apurada pelo respectivo Ente Público, por meio da instauração de sindicância ou do processo administrativo disciplinar, nos termos do art. 143 da Lei n.º 8.112/90; sob pena de a autoridade competente incorrer no crime de condescendência criminosa, capitulado no art. 320 do Código Penal. Precedentes.

2. Na apuração da responsabilidade administrativa do servidor público, outros desdobramentos, diferentes da penalidade administrativa, podem advir, tais como: remessa do relatório ao Ministério Público para eventual propositura de ação penal, obrigatoriedade de a Advocacia-Geral da União de ingressar com ação de reparação de danos civis e registro nos assentamentos funcionais, para efeito de reincidência no caso de reingresso no serviço público.

3. O simples fato de o Indiciado em processo administrativo disciplinar não mais ostentar a condição de servidor público, por já ter sido anteriormente demitido, não implica o cessamento da apuração de irregularidades por ele praticadas quando do exercício de suas funções relativas ao cargo ocupado.

4. Segurança denegada.

(MS n. 13.916/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 8/2/2012, DJe de 23/2/2012.)

32. RESPONSABILIZAÇÃO DE AGENTES POLÍTICOS NO ÂMBITO DE EMPRESAS ESTATAIS

1. Preliminarmente, a Corregedoria-Geral (COGE) compõe a estrutura orgânica da Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais, sendo o órgão correcional central do executivo mineiro e tem como competência “coordenar e aplicar o regime disciplinar aos agentes públicos e coordenar as ações de responsabilização de pessoas jurídicas prevista na Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, no âmbito do poder Executivo ”.

2. O regime disciplinar é aplicado aos agentes públicos do Poder Executivo Estadual, incluindo as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, conforme art. 61, §5º, da Lei nº 23.304/2019 e art. 32, inciso II, do Decreto Estadual nº 47.774/2019, exceto aos Diretores Estatutários, conforme disposto no Parecer AGE n° 15.924/2018 (Doc. SEI 47371214).

3. Enfatiza-se, ainda, que a Corregedoria-Geral não alcança agentes políticos, entendidos como tal os secretários de estado e os chefes dos órgãos autônomos (CGE, AGE, PMMG, PCMG, CBMMG). Os agentes políticos respondem por crime de responsabilidade (Lei n° 1.079/1950) e improbidade administrativa (Lei n° 8.429/1992), além dos crimes contra a Administração Pública (Código Penal).

4. Sobre os agentes políticos[1], Edimur Ferreira de Faria explica que:

Em virtude de suas atribuições e de suas posições na pirâmide administrativa, estão fora da regência da lei estatutária. A eles aplicam-se normas próprias, emanadas diretamente da Constituição, na maioria dos casos, não estando sujeitos ao Estatuto dos Servidores Públicos. Essa categoria de agentes públicos não é destinatária dos direitos e deveres previstos nas normas estatutárias.

5. Importante mencionar que a Advocacia-Geral do Estado enfrentou a questão, através do Parecer AGE n° 15.924/2018 (Doc. SEI 47371214), cuja temática apresentamos abaixo:

6. O parecer jurídico da Advocacia-Geral do Estado é bem esclarecedor. Vejamos os seguintes fragmentos:

7. A Advocacia-Geral do Estado também ressaltou sobre a ausência de competência da Controladoria-Geral do Estado em matéria disciplinar envolvendo administradores de empresas estatais:

8. Feitas essas observações, s.m.j, tecemos nossas considerações sobre os indícios de envolvimento de agentes políticos no âmbito de empresas estatais para a padronização dos procedimentos no âmbito do Poder Executivo Estadual.

9. Por força do Parecer AGE n° 15.924/2018, a Corregedoria-Geral não possui competência de instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor de agentes políticos, a exemplo dos administradores de companhias estatais, bem como presidente, diretor-presidente, diretor-geral, que são escolhidos pelo controle político exercido pelo Poder Executivo por intermédio do Conselho de Administração ou da Assembleia-Geral de acionistas, exercendo, portanto, poder de gestão e representação da companhia estatal, sejam elas dependentes ou não de recursos públicos. Todavia, os referidos agentes não estão imunes ao controle interno das companhias, ações de regresso, ações de improbidade, ao controle do Ministério Público, do Tribunal de Contas, da CVM, etc.

10. Convém, também, trazer a lume, os ensinamentos do Manual de Direito Disciplinar de Estatais da Controladoria-Geral da União[2], que enfatiza, em resumo: a companhia estatal deverá avaliar a repercussão disciplinar entre cargos e empregos públicos em razão do vínculo funcional original do agente público. No caso dos ex-Diretores que tenham sido nomeados e possuírem vínculo laboral com a empresa, a jurisprudência atual se manifesta no sentido de que o “empregado eleito para ocupar cargo de diretor tem o respectivo contrato de trabalho suspenso, não se computando o tempo de serviço desse período, salvo se permanecer a subordinação jurídica inerente à relação de emprego” (Súmula nº 269 do Tribunal Superior do Trabalho). Portanto, vigora o entendimento de que a relação empregatícia originária permanecerá suspensa durante o período em que o empregado exercer a incumbência do cargo de diretor.

11. Dessa forma, o Manual de Direito Disciplinar de Estatais da Controladoria-Geral da União ressalta que: “restará garantida a preservação do vínculo entre empregado e empregador, a teor do que dispõe o art. 471 da CLT, o que acarreta a manutenção de alguns efeitos contratuais, tais como os deveres de lealdade, de sigilo, entre outros.”

12. Em outras palavras, o ex-Diretor, com vínculo empregatício, poderá responder a processo disciplinar, no âmbito da estatal, e, sendo o caso, a penalidade terá reflexo direto no seu emprego originário, face à submissão ao Estatuto Social da Empresa e outras normas internas regentes.

13. Caso o ex-Diretor não mantenha vínculo empregatício, por exemplo, for eleito para ocupar mandato por tempo determinado, a autoridade da companhia estatal que tiver conhecimento de indícios de improbidade administrativa, crime ou contravenção é obrigada a encaminhar o fato para conhecimento das instâncias competentes, independentemente de haver inquérito administrativo. Além da prática do ilícito disciplinar, caso haja indício de dano ao erário, a autoridade da companhia estatal deverá adotar os meios necessários para promover o ressarcimento aos cofres públicos, nos termos das normas aplicáveis à estatal.

14. A autoridade competente do órgão de controle ou da companhia estatal deve encaminhar o fato para conhecimento das instâncias competentes quando envolver improbidade administrativa, crime ou contravenção, tais como o Ministério Público, Polícia Federal ou Civil, nos termos dos artigos 232 e 233 da Lei Estadual nº 869/1952[3], bem como ao Tribunal de Contas, se necessário.

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA DE EMPREGADOS DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. DEVER DE MOTIVAÇÃO. 1. Recurso extraordinário em que se discute a necessidade de motivação da dispensa de empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista admitidos após aprovação em concurso público. 2. de economia mista admitidos após aprovação em concurso público. 2. No RE 589.998 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em No RE 589.998 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 20.03.2013), o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa prestadora de serviço público em regime de exclusividade, que desfruta de imunidade tributária recíproca e paga suas dívidas mediante precatório, deve motivar a demissão de seus empregados. 20.03.2013), o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa prestadora de serviço público em regime de exclusividade, que desfruta de imunidade tributária recíproca e paga suas dívidas mediante precatório, deve motivar a demissão de seus empregados. 3. 3. A mesma exigência deve recair sobre as demais empresas A mesma exigência deve recair sobre as demais empresas públicas e sociedades economia mista, que, independentemente da atividade que exerçam, também estão sujeitas ao art. 37, caput, da Constituição. Assim como ocorre na admissão, a dispensa de empregados públicos também deve observar o princípio da impessoalidade, motivo por que se exige a exposição de suas razões. públicas e sociedades economia mista, que, independentemente da atividade que exerçam, também estão sujeitas ao art. 37, caput, da Constituição. Assim como ocorre na admissão, a dispensa de empregados públicos também deve observar o princípio da impessoalidade, motivo por que se exige a exposição de suas razões. 4. 4. O ônus imposto às estatais tem contornos bastante O ônus imposto às estatais tem contornos bastante limitados. Não se exige que a razão apresentada se enquadre em alguma das hipóteses previstas na legislação trabalhista como justa causa para a dispensa de empregados. O que se demanda é apenas a indicação por escrito dos motivos da dispensa, sem prévio processo administrativo ou contraditório. limitados. Não se exige que a razão apresentada se enquadre em alguma das hipóteses previstas na legislação trabalhista como justa causa para a dispensa de empregados. O que se demanda é apenas a indicação por escrito dos motivos da dispensa, sem prévio processo administrativo ou contraditório. 5. 5. A mera exigência de motivação do ato de dispensa dos A mera exigência de motivação do ato de dispensa dos empregados de estatais não iguala o seu regime jurídico àquele incidente sobre os servidores públicos efetivos, que gozam da garantia de estabilidade. De modo que o direito que cabe aos empregados públicos dispensados sem justa causa de receber multa equivalente a 40% sobre o saldo de sua conta vinculada no FGTS não obsta o reconhecimento da necessidade de motivação da dispensa, de que não decorre situação de privilégio injustificado para eles. empregados de estatais não iguala o seu regime jurídico àquele incidente sobre os servidores públicos efetivos, que gozam da garantia de estabilidade. De modo que o direito que cabe aos empregados públicos dispensados sem justa causa de receber multa equivalente a 40% sobre o saldo de sua conta vinculada no FGTS não obsta o reconhecimento da necessidade de motivação da dispensa, de que não decorre situação de privilégio injustificado para eles. 6. 6. Modulação dos efeitos do presente acórdão, que terá eficácia somente a partir da publicação da ata de julgamento. 7. Modulação dos efeitos do presente acórdão, que terá eficácia somente a partir da publicação da ata de julgamento. 7. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com Recurso extraordinário a que se nega provimento, com fixação da seguinte tese: As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, fixação da seguinte tese: As empresas públicas e as sociedades de economia mista, sejam elas prestadoras de serviço público ou exploradoras de atividade econômica, ainda que em regime concorrencial, têm o dever jurídico de motivar, em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista. A em ato formal, a demissão de seus empregados concursados, não se exigindo processo administrativo. Tal motivação deve consistir em fundamento razoável, não se exigindo, porém, que se enquadre nas hipóteses de justa causa da legislação trabalhista.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 688.267 CEARÁ

Tema 1.022, STF

33. APLICAÇÃO DA SANÇÃO: ATO VINCULADO OU DISCRICIONÁRIO (SUMULA STJ 650)

A princípio, quando caracterizadas as hipóteses previstas nos artigos 249, 250 e 256, da Lei nº 869/1952, pressupõe-se previsão de ilícitos, cujas condutas foram consideradas, em tese, pelo legislador como de natureza gravíssima, de elevado potencial ofensivo e para os quais exigese a demonstração do dolo. A priori, identificadas referidas hipóteses, em regra, o ato de demissão ou demissão a bem do serviço público é vinculado, não dispondo, a autoridade, conforme doutrina majoritária, a discricionariedade de aplicar a pena menos gravosa. Assim sendo, é a diretriz da Súmula 650 do STJ:

“A autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caraterizadas as hipóteses previstas no art. 132 da Lei n. 8.112/1990”

Não obstante respeitável e reconhecida obra de Antônio Carlos Alencar Carvalho[1], cujo posicionamento é pela possibilidade de ponderação das penas máximas, verifica-se, de forma contrária, que o entendimento doutrinário majoritário e jurisprudencial é no sentido de não se admitir a atenuação da pena diante de infração disciplinar cominada com pena expulsiva.

Sobre a matéria, importa, também, mencionar que o Supremo Tribunal Federal tem decidido no sentido de que a aplicação da pena demissiva é ato vinculado da Administração Pública, manifestando o não cabimento do juízo de discricionaridade, sendo oportuno transcrever as seguintes considerações extraídas do Acórdão em sede de RMS 33989 AgR, julgado em 22/05/2020:

Por fim, no que concerne à alegação de contrariedade aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, basta observar que o artigo 132, IV, da Lei 8.112/1990, prevê a improbidade administrativa como fundamento legal para a aplicação da penalidade de demissão. Em verdade, uma vez configurada hipótese legal nesse sentido, a aplicação da pena de demissão é ato vinculado da Administração Pública, sendo descabido juízo de discricionariedade.

É certo, ainda, que os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não podem ser banalizados a ponto de acarretar o afastamento de regras legais expressas, mormente porque a Lei 8.112/1990 prevê a pena de demissão para as condutas praticadas pelo agravante.

Nessa linha, anote-se que o artigo 128 da Lei 8.112/1990, que permitiria a gradação das penalidades aplicadas – a partir da avaliação da natureza, da gravidade, dos danos advindos da infração cometida, das circunstâncias agravantes ou atenuantes e dos antecedentes funcionais –, só tem cabimento naquelas situações em que o legislador permitiu uma valoração discricionária da sanção a ser adotada.

In casu, entretanto, o reconhecimento da gravidade da infração já foi feito pelo legislador, o que obsta a redução da sanção, conforme elucida a jurisprudência desta Suprema Corte: RMS 27.934-AgR, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, DJe de 23/6/2015 e RMS 33.937, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 21/11/2016.

(RMS 33989 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 22/05/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-141DIVULG 05-06- 2020PUBLIC 08-06-2020)

Nessa senda é, ainda, o entendimento da Controladoria-Geral da União, conforme se infere do Manual de Processo Administrativo Disciplinar da CGU vigente, em que se posiciona pela aplicação da penalidade expulsiva quando o ilícito praticado assim estiver capitulado, ponderando que há divergências dentro do próprio STJ e sob o fundamento de que a Lei nº 8.112/1990 não dá espaço para que a autoridade julgadora utilize de dosimetria nos casos de penas capitais. Consigna, ainda, que a proporcionalidade pode ser vista quando se agrava a pena de advertência (art.129, da Lei 8112/1190), ou ainda, na dosimetria da penalidade de suspensão entre 1 e 90 dias (Manual de PAD. Corregedoria Geral da União. Atualizada até Janeiro de 2021.p.306).

ASSIM SENDO, no entender da presente análise, a Súmula 650 do STJ, deverá ser compreendida como regra no exercício do regime disciplinar do funcionalismo público estadual, compreendendo-se que a autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão, quando, com razoável segurança, estejam caraterizadas as hipóteses previstas nos artigos 256, 249 e 250 da Lei Estadual nº 869/1952.

RESSALVE-SE, contudo, quando excepcionalmente as circunstâncias do caso em concreto exigirem, sobremaneira, o direcionamento para um enquadramento típico menos gravoso, preponderando outros princípios como da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade e razoabilidade, para fins de individualização da pena e justeza da decisão.

Fonte: Parecer NAT 160/2022 (SEI 1520.01.0009795/2022-70)

34. EXERCÍCIO DE GERÊNCIA OU ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESA PRIVADA

Em linhas gerais, os agentes públicos do executivo estadual mineiro que estão ativos nos quadros do Estado não podem constituir MEI ou figurar como empresário individual, devido a sua condição de titular do empreendimento.

A Lei Estadual nº 869/1952 veda o exercício de gerência ou administração de empresa privada. Permite-se, entretanto, a participação do servidor público nestas sociedades, desde que na qualidade de acionista, quotista ou comanditário. Vejamos:

“Art. 217 – Ao servidor é proibido:

(...)

VI – participar da gerência ou administração de empresa comercial ou industrial, salvo os casos expressos em lei;”

VII – exercer comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como acionista, quotista ou comanditário;”

No entanto, deve-se distinguir o que caracteriza ato de gerência e administração, de modo a ensejar a incidência da proibição em tela.

Nessa perspectiva, devido à grande gama de atos que envolvem a administração e gerência de uma empresa, inviável seria enumerá-los de forma taxativa, não obstante, os mais comuns são todos aqueles compreendidos no objeto da sociedade e exigidos pela atividade normal de empresa, tais como: comprar mercadorias e matérias primas; vender produtos fabricados ou destinados à revenda; assinar abertura de livros contábeis; locar prédios para instalação do estabelecimento; ajustar contas; cobrar dívidas e dar quitação; contrair empréstimos e operações de crédito; subscrever contratos, notas promissórias, cheques e outras obrigações; contratar e demitir empregados; representar a sociedade em juízo, ativa ou passivamente, entre outros.

Todos os atos acima não podem ser praticados pelo servidor, porquanto são eles privativos do gerente da empresa.

Por sua vez, ao sócio quotista ou acionista, posição que o servidor público pode ocupar, restaram os atos de deliberação e fiscalização da empresa. Este sócio integra o “órgão de governo” da sociedade, que é a assembleia ou reunião de sócios, podendo fixar a orientação geral dos negócios, ditando a política a ser seguida e dando as diretrizes a serem obedecidas pela gerência.

Vale dizer, sócio quotista é aquele que não pratica nenhum ato de gestão; que não pode ser empregado na sociedade, nem procurador da mesma. Tem apenas dois poderes: de deliberar nas questões da sociedade e fiscalizar as suas atividades.

Em linhas gerais, a proibição disciplinar constante na Lei Estadual nº 869/1952, busca coibir o exercício da atividade empresarial pelo servidor que é realizado de forma efetiva e habitual e que, nessas condições, acarreta prejuízos ao exercício de sua função pública.

Nota Jurídica nº 97/2024 (Sei nº 1520.01.0003740/2024-07)

Por todo exposto, com base nas considerações aqui expendidas, observados os limites de atuação desta Assessoria Jurídica opina-se, s.mj., que a Corregedoria-Geral analise os casos concretos que lhe são submetidos, tendo como base as seguintes diretrizes:

• A prestação, por servidor público, de serviço intelectual de natureza científica, literária ou artística, na forma de pessoa jurídica unipessoal, não caracteriza, em regra, atividade comercial/empresarial, para fins dos incisos VI e VII, do art. 217, da lei nº 866/52, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa;

• O servidor público que participe de pessoa jurídica unipessoal, visando a prestação de serviço intelectual de forma pessoal, sem caráter empresarial, deve se atentar quanto ao cumprimento dos deveres funcionais relacionados à dedicação ao serviço, sem deixar que seus interesses privados venham prejudicar ou repercutir em suas atribuições públicas, incluindo a compatibilidade de jornada, assiduidade e pontualidade;

• O servidor público que, a despeito de exercer profissão intelectual, integrar sociedade empresarial, se submete, em tese, às proibições constantes nos incisos VI e VII, do art. 217, da lei nº 869/92.

35. DA ALEGAÇÃO DE NULIDADE POR EXCESSO DE PRAZO

O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais, estabelece prazos para a conclusão do processo. No entanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência entende que esses prazos possuem caráter ordinatório, ou seja, são indicativos para orientar a celeridade do procedimento, mas sua inobservância, por si só, não configura nulidade automática. 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já firmou entendimento de que o excesso de prazo só gera nulidade quando demonstrado o prejuízo concreto ao servidor acusado. A jurisprudência consolidou a ideia de que é necessário verificar se a demora processual afetou o direito de defesa ou provocou uma situação de indefinição jurídica que comprometesse a ampla defesa e o contraditório.

A análise da nulidade em razão do excesso de prazo deve ser feita sob a luz do princípio da instrumentalidade das formas, conforme previsto no art. 282, §1º, do Código de Processo Civil, que se aplica de forma subsidiária ao processo administrativo. Esse princípio determina que a declaração de nulidade só se justifica quando há prejuízo concreto à parte envolvida.

Assim, a defesa deverá demonstrar, além do simples transcurso do prazo legal, que tal demora ocasionou danos irreparáveis ou de difícil reparação, como o comprometimento da capacidade de produção de provas, o perecimento de documentos ou testemunhos, ou a criação de uma situação de insegurança jurídica que inviabilizou o exercício pleno da defesa. Sem a comprovação de tais prejuízos, a alegação de nulidade por excesso de prazo perde força.

A jurisprudência pátria tem se mostrado flexível na contagem dos prazos em processos administrativos disciplinares, reconhecendo que, em muitos casos, a complexidade dos fatos investigados, a multiplicidade de provas a serem colhidas e a própria necessidade de garantir o direito ao contraditório justificam a dilatação dos prazos originalmente previstos. O STJ, em diversas ocasiões, destacou que o prazo para a conclusão do PAD é diretivo, não tendo natureza peremptória.

Nesse sentido, a Súmula 592 do STJ estabelece que:

O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.

Isso significa que o simples transcurso de prazo não pode ser utilizado como fundamento para a nulidade do processo, especialmente se não houver indícios de que a defesa foi prejudicada ou que o processo se tornou arbitrário.

Ao analisar a alegação de nulidade por excesso de prazo, é imprescindível considerar o interesse público e a finalidade do processo disciplinar, que é a apuração de faltas graves cometidas por (ex)servidores públicos. A Administração tem o dever de conduzir o PAD de forma célere e eficiente, mas também precisa garantir que os fatos sejam devidamente apurados e que todos os elementos de prova sejam reunidos para uma decisão justa.

A demora, por vezes, pode ser justificada pela complexidade da investigação ou pela necessidade de garantir que todos os direitos das partes envolvidas sejam respeitados. Nesse contexto, o princípio da razoabilidade deve ser aplicado para evitar que o excesso de prazo seja utilizado como uma manobra meramente formalista para anular processos legítimos que ainda estão em andamento ou que já se encontram em fase avançada de apuração.

Embora a Lei nº 869/1952 preveja prazos para a conclusão do processo, a inobservância desses prazos, por si só, não implica na nulidade automática do procedimento. É indispensável demonstrar o prejuízo concreto ao direito de defesa do acusado, conforme o princípio da instrumentalidade das formas e o entendimento consolidado pela jurisprudência. Portanto, a nulidade só pode ser reconhecida quando o excesso de prazo comprometer efetivamente a regularidade do processo ou os direitos fundamentais do servidor, o que não se presume pela simples ultrapassagem do prazo legal.

 

36. LIMITES DE ATUAÇÃO DA DEFESA

No processo administrativo disciplinar (PAD), os servidores públicos têm garantidos os direitos à ampla defesa e ao contraditório, que permitem acompanhar os atos processuais, apresentar provas, contestar acusações e solicitar diligências necessárias para sua defesa. Esses direitos são protegidos pela Constituição Federal e por normas estaduais, como a Lei nº 869/1952.

Contudo, esses direitos devem ser exercidos dentro de limites legais. Para ilustrar, imagine um servidor que, ao invés de apresentar documentos diretamente relacionados ao caso em análise, entrega provas sem conexão com o objeto do PAD ou faz pedidos excessivos de diligências sem fundamento. Essa postura pode ser considerada um desvio dos direitos de defesa, pois cria obstáculos ao bom andamento do processo e compromete a eficiência administrativa.

Nesses casos, a comissão processante tem o poder de indeferir documentos ou solicitações que sejam:

  • Irrelevantes: não contribuem para esclarecer os fatos ou resolver as questões do PAD;
  • Impertinentes: não têm relação com o objeto do processo;
  • Protelatórios: visam apenas atrasar ou dificultar a conclusão do procedimento.

Além disso, o servidor deve agir com boa-fé, clareza e lealdade processual, conforme o artigo 9º da Lei Estadual nº 14.184/2002. Por exemplo, se um servidor compartilha documentos sigilosos do PAD com terceiros sem justificativa, ele pode ser responsabilizado por violação ao dever de discrição.

Por outro lado, a comissão não pode limitar arbitrariamente o direito de defesa do servidor, sob pena de invalidar o processo. Se o servidor, mesmo em causa própria, quiser apresentar provas ou argumentos até a fase final de alegações, ele tem esse direito, desde que respeite o objeto da apuração e a ordem processual.

Por fim, é fundamental compreender que o exercício da defesa, embora amplo, não é absoluto. Ele deve sempre respeitar os princípios que regem a Administração Pública, como legalidade, eficiência e moralidade. Caso o servidor ultrapasse esses limites, a comissão pode adotar medidas para garantir a regularidade do PAD, como alertá-lo formalmente, indeferir atos inadequados ou, em situações extremas, sugerir medidas cautelares, como a suspensão preventiva, desde que bem fundamentadas e proporcionais ao caso.

37. ACESSO AOS AUTOS POR DENUNCIANTE

O acesso a processos administrativos é regulado pela Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI) e pela Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), as quais asseguram o princípio da transparência, mas estabelecem limites necessários para proteger a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem dos envolvidos.

Nos termos do art. 31, da LAI, as informações pessoais somente podem ser acessadas por terceiros mediante consentimento ou comprovação de interesse público ou para a tutela de direitos. Adicionalmente, a LGPD reforça a necessidade de proteger dados pessoais, especialmente sensíveis, vedando seu compartilhamento sem amparo legal ou justificativa baseada no interesse legítimo do requerente.

A teor da Súmula Administrativa CGE/MG nº 02 estabelece que “O acesso aos autos de Sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares em curso fica limitado ao sindicado/processado, seus procuradores constituídos, órgãos públicos e terceiros interessados que demonstrem interesse próprio e legitimo”.

Doutrinariamente, entende-se que o denunciante, ao apresentar a notícia de irregularidade, cumpre um papel cívico de cooperação com a Administração Pública, sem, contudo, se tornar parte interessada no processo administrativo disciplinar subsequente. Isso ocorre porque o interesse do denunciante não se confunde com o interesse público que fundamenta a instauração e tramitação do PAD.

Nesse sentido, em relação aos processos em curso, o acesso é condicionado à comprovação de interesse direto, ou seja, aquele que se relacione à esfera jurídica do solicitante. O denunciante não possui, por si só, direitos que possam ser tutelados diretamente pelo resultado do PAD, não se configurando parte legítima para pleitear acesso integral aos autos.

No mesmo sentido, a jurisprudência administrativa e judicial é firme em reconhecer que o denunciante exerce papel auxiliar e não processual, o que não lhe confere o direito de acompanhar ou interferir no trâmite do PAD. Assim, o acesso aos autos não se justifica com base apenas na qualidade de denunciante.

Com a conclusão do PAD, sua publicidade é regida pelos princípios gerais de transparência, sendo que as decisões e atos administrativos devem ser de acesso público, resguardadas informações sigilosas ou protegidas pela LGPD. Nesse caso, dados pessoais de agentes públicos ou terceiros que não sejam imprescindíveis à compreensão do processo devem ser anonimizados ou restritos.