2. Conceitos de Provas Direta e Indireta e Ausência de Diferenciação Valorativa Cabe aqui aprofundar a discussão acerca da classificação da prova quanto a seu objeto, ou seja, entre prova direta e prova indireta, partindo da noção tradicional acerca da primeira para, ao fim, defender, em visão atualizada, a inexistência de diferença de valor apriorística entre ambas. A prova direta é aquela que conduz diretamente ao fato que se quer provar, enquanto a prova indireta é aquela que, partindo de um fato intermediário, chega-se, por inferência racional, ao fato que se quer provar. A expressão sintética e historicamente consagrada “prova indireta” se contrapõe à expressão “prova direta” em razão de todo o encadeamento probatório que leva ao fato que se quer provar, indo, portanto, além do fato intermediário já demonstrado. Adiante, quando se introduzir a denominação de “indício” para o fato intermediário, passará a se adotar a expressão tecnicamente correta de “prova indireta por indício” ou “prova por indício”. E frise-se que esta classificação independe de a prova: ter forma documental, testemunhal ou material; ter fonte pessoal ou real; ser elemento informativo ou prova em sentido estrito; e ter como meio de prova documento, oitiva de testemunha ou declarante, acareação, interrogatório, diligência, perícia, dentre outros. O tradicional entendimento de que a prova indireta possui valor probante inferior ao da prova direta se encontra superado. Há similaridades entre a conclusão direta do cometimento da infração e o encadeamento probatório que infere o mesmo cometimento. Os dois ou mais passos necessários no emprego da prova indireta são similares ao passo único necessário no emprego da prova direta, não se sustentando justificativa plausível para defender o entendimento tradicionalista de que aquela primeira prova seria mais fraca que a segunda. Embora as relações probatórias sejam distintas e as quantidades de passos no encadeamento também difiram, ambas construções podem chegar com mesma qualidade ao objeto de prova acerca do fato infracional (ou parte dele). O art. 239 do Código de Processo Penal (CPP) consagra o emprego do “indício”, aqui como sinônimo da “prova indireta”, como prova válida no Título das provas admitidas no cauteloso e conservador rito processual penal. Se é assim, com mais certeza se afirma a validade da prova indireta na processualística disciplinar, conforme já se manifestaram a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), em seu Parecer PGFN/CJU/CED nº 978/2009, a jurisprudência e a doutrina. CPP - Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias. Parecer PGFN/CJU/CED nº 978/2009: “30. Provas indiretas, como é cediço, são aquelas em que a representação do fato a provar é obtida através de construção lógica: a análise mental parte de um fato conhecido e provado que indica a existência de outro, desconhecido e que se pretende provar; processada logicamente essa informação pode-se chegar, com a certeza necessária ao deslinde da questão, à conclusão da ocorrência ou não do fato probando. (...) 32. Alerte-se, ademais, que não há qualquer hierarquia entre as provas denominadas diretas e os meios indiretos de produção probatória, circunstância consectária do princípio da verdade material, que pressupõe, para a sua inteira realização, a livre investigação e valoração da prova. STJ, Habeas Corpus nº 15.736: “Ementa: 2. Vigora no processo penal brasileiro o princípio do livre convencimento, segundo o qual o magistrado, desde que, fundamentadamente, pode decidir pela condenação, ainda que calcada em indícios veementes de prática delituosa”. STF, Habeas Corpus nº 70.344: “Ementa: Os indícios, dado ao livre convencimento do Juiz, são equivalentes a qualquer outro meio de prova, pois a certeza pode provir deles. Entretanto, seu uso requer cautela e exige que o nexo com o fato a ser provado seja lógico e próximo”. STF, Habeas Corpus nº 111.666: “Ementa: (...) 3. O princípio processual penal do favor rei não ilide a possibilidade de utilização de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para decidir sobre a procedência do ius puniendi, máxime porque o Código de Processo Penal prevê expressamente a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como “a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Doutrina (Leone, Giovanni. Trattato di Diritto Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162). Precedente (HC 96062, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em /10/2009, DJe-213 Divulg 12-11-2009 Public 13-11-2009 Ement Vol-02382-02 PP-00336). 4. Deveras, o julgador pode, mediante um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, utilizando raciocínio engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal da conduta. 5. A criminalidade dedicada ao tráfico de drogas organiza-se em sistema altamente complexo, motivo pelo qual a exigência de prova direta da dedicação a esse tipo de atividade, além de violar o sistema do livre convencimento motivado previsto no art. 155 do CPP e no art. 93, IX, da Carta Magna, praticamente impossibilita a efetividade da repressão a essa espécie delitiva. 6. O juízo de origem procedeu a atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante”. “A prova indiciária é resultante do conjunto de condições, vestígios, indícios ou circunstâncias relacionadas com os fatos investigados. (...) Indícios, portanto, não são meras suspeitas, são circunstâncias cujo exame conjunto e sequencial permitem formar segura convicção, com base no nexo de causalidade.” Francisco Xavier da Silva Guimarães, Regime Disciplinar do Servidor Público Civil da União, pgs. 148 e 149, Editora Forense, 2ª edição, 2006. “O indício é um conceito largamente utilizado no Direito Processual Penal e, mais ainda, há de sê-lo no Direito Administrativo Sancionador. (...) O Direito Administrativo Sancionador é especialmente receptivo à prova indiciária enquanto meios probatórios, até porque essa modalidade de prova é fundamental no estabelecimento de pautas de ‘razoabilidade’ nos julgamentos. No fundo, a razoabilidade do decreto condenatório é muito mais importante do que a suposta ‘certeza’ subjetiva absoluta do julgador. No campo das responsabilidades sancionatórias, cabe aduzir que os indícios podem ser suficientes para uma condenação, especialmente no terreno do Direito Administrativo repressor(...)”. Fábio Medina Osório, Direito Administrativo Sancionador, pgs. 492 a 494, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 2005. A prova indireta assume especial relevância em casos de ilicitudes complexas, pois, em razão das elaboradas estratégias de ocultação empregadas pelos agentes, são praticamente impossíveis de serem comprovadas com provas diretas. Desta forma, questionar a validade da prova indireta em tais casos, contrapondo o princípio da presunção de inocência, significaria não só mitigar a força do princípio do convencimento motivado ou da persuasão racional, estabelecido no caput do art. 155 do CPP, como também inviabilizar a efetividade da ação estatal repressiva, em favor da impunidade. Na falta de prova direta de acusação, não existindo outra hipótese razoável que explique as evidências de maneira convincentemente diferente da hipótese da acusação, a prova indireta também pode sustentar uma condenação sem violação daquela garantia constitucional, desde que: os fatos indicadores estejam provados; os elementos constitutivos da infração sejam inferidos a partir daqueles fatos indicadores provados; se possa controlar a razoabilidade da inferência, mediante a exteriorização do raciocínio lógico entre os fatos indicadores e os fatos indicados e que este raciocínio esteja assentado nas regras de experiência de vida. Na mesma linha, se destaca a jurisprudência. STF, Ação Penal nº 470/MG, Plenário, Ministro Relator Joaquim Barbosa, DJe: 22/04/12, voto da Ministra Rosa Weber: “Em nada a admissão da prova indiciária implica menosprezo à garantia de inocência. (...) Não há justificativa de ordem lógica ou racional a amparar a pretensão de se impingir à prova indiciária a pecha de subprova ou prova menor. ‘A eficácia do indício’, ensina Luchinni, citado por Espíndola Filho, ‘não é menor do que a da prova direta, tal como não é inferior a certeza racional à histórica e física’. (...) Saliento, ainda, que a indispensabilidade da aplicação da prova indiciária ‘na apuração do dolo, da fraude, da simulação e, em geral, dos atos de má fé’ é confirmada cotidianamente pela prática judicial.” |