3. Indício de Prova e Prova Indireta por Indício

Tendo-se apresentado a diferenciação apenas conceitual entre prova direta e prova indireta, cabe aprofundar uma questão relevante acerca desta segunda espécie, em razão da frequente confusão com a ideia empírica de indício. Neste sentido, é absolutamente indispensável evidenciar a imensa diferença entre as expressões “indício de prova” e “prova por indicio”, para as quais, não raro, se vê o termo “indício” sendo empregado, de forma pouco técnica e cuidadosa, como sinônimo indistintamente de ambas, o que gera incompreensões.

O indício de prova, também chamado historicamente de prova semiplena, pode ser considerado como um início, começo, princípio, indicativo ou sinal de prova ainda não fortemente robusta, que acarreta no julgador um patamar de convicção inferior à certeza e hábil apenas para, em regra, sustentar decisões interlocutórias, não exaurientes, que se satisfazem tão somente com o que se entende compreendido na tradicional expressão de fumaça de bom direito (fumus bonis juris). A expressão “indício de prova” indica muito mais um determinado grau de qualidade (incipiente) de um elemento de prova do que uma prova em si.

O indício de prova é, portanto, um patamar probatório suficiente apenas para formar um juízo de probabilidade inicial do fato (e não um juízo de certeza) capaz de amparar pronunciamentos da autoridade judicial ou da autoridade administrativa menos gravosos que a condenação. De forma prática, harmoniza-se com este conceito a existência de justa causa para a decisão de instaurar procedimento correcional investigativo ou para provocar o afastamento de algum sigilo encartado na proteção constitucional à intimidade ou para instaurar processo disciplinar, que são patamares de convencimento (ou de suficiência explanatória) inferiores ao necessário para a decisão de mérito condenatória ao fim do rito contraditório.

Em contraponto, há a prova por indício, para a qual já se empregou antes, no confronto com a prova direta, a expressão “prova indireta” e que também comporta a denominação “prova circunstancial” e, de forma mais técnica e completa, “prova indireta por indício”, para se referir a todo encadeamento probatório indireto. Seja prova por indício, seja prova indireta por indício, estas expressões indicam o encadeamento de forma bem mais precisa e indubitável que o termo “indício”.

Como se vê, enquanto o indício de prova refere-se a um patamar apenas inicial de prova, a prova indireta por indício é um tipo de prova, mais especificamente, de prova indireta, que, como já afirmado anteriormente, contrapõe-se à prova direta na classificação doutrinária em função do objeto, podendo figurar, inclusive, como peça hábil para amparar a condenação. Neste sentido, a seguinte manifestação jurisprudencial:

STF, Habeas Corpus nº 83.542/PE, 1ª Turma, Ministro Relator Sepúlveda Pertence, 09/03/04: “Ementa: 1. Conforme a jurisprudência do STF ‘ofende a garantia constitucional do contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em testemunhos prestados no inquérito policial, sob o pretexto de não se haver provado, em juízo, que tivessem sido obtidos mediante coação’ (RE 287658, 1ª T, 16.9.03, Pertence, DJ 10.3.03). 2. O caso, porém, é de pronúncia, para a qual contenta-se o art. 408 C. Pr. Penal com a existência do crime ‘e de indícios de que o réu seja o seu autor’. 3. Aí - segundo o entendimento sedimentado - indícios de autoria não têm o sentido de prova indiciária - que pode bastar à condenação - mas, sim, de elementos bastantes a fundar suspeita contra o denunciado.

A diferenciação entre indício de prova e prova indireta por indício antecipa a ideia de standard de prova. O standard de prova é o nível de prova que necessariamente deve conter um procedimento ou um processo, a fim de conceder à autoridade um patamar desejado de segurança para emanar alguma decisão cabível em sua competência na respectiva instância jurídica, ou seja, para firmar sua convicção com uma esperada probabilidade de certeza.

Além da diferenciação contida na noção de que indício de prova é um patamar ainda inicial de prova (ou seja, a rigor ainda não é uma prova propriamente dita em termos de robustez) e de que prova indireta por indício é sim uma espécie de prova (ou seja, já é uma prova propriamente dita), estas expressões também comportam uma diferenciação do estágio de prova disponível, o que, indiretamente, leva-se a estender que se associam aos standards probatórios que lhes são inerentes.

O indício de prova está em um patamar de qualidade e de força probantes mais baixo que a prova indireta por indício, aceitando-se que o primeiro seja considerado suficiente para um grau de decisão de menor repercussão, a exemplo de medidas cautelares exigidoras de cognição sumária para decisão de juízo perfunctório e provisório, e que a segunda seja exigida para decisão de maior impacto sobre o círculo de direito das partes (sobretudo da parte condenada), como reflexo do menor e do maior grau de probabilidade de segurança jurídica exigido para se decidir em cada um destes estágios.

Mas deve ficar claro que a modelação aqui proposta pode representar uma simplificação da realidade, uma vez que, nos casos concretos, é possível haver diversos indícios operando simultaneamente. Doutrinariamente pode-se estabelecer um gradiente de definições que indica um crescente grau de força destes argumentos indiciários.

Primeiramente, mencione-se o concurso de indícios como o conceito que se satisfaz com a mera existência de pluralidade de indícios, independentemente das conclusões a que levam, que podem, inclusive, ser antagônicas. Intermediariamente, define-se a concordância de indícios quando os indícios em concurso conduzem a conclusões que são ao menos compatíveis, não se repelindo e não necessariamente se reforçando mutuamente. Por fim, na condição almejada, tem-se o conceito de indícios convergentes quando os indícios em concurso, para além de serem convergentes, estabelecem argumentos que apresentam uma única conclusão ou ao menos apresentam conclusões que se reforçam mutuamente. Na desejada convergência, os diferentes argumentos indiciários possíveis podem conduzir a uma mesma conclusão ou também a conclusão de cada argumento reforça as conclusões dos demais, reciprocamente.

Não obstante, não é a quantidade somada de indícios que consagra a força probatória do conjunto, mas sim a sua qualidade de serem convergentes, mediante a análise ponderada do grau de probabilidade das conclusões que deles se extraem. Havendo pluralidade de indícios, como costuma mesmo ser o caso mais comum, para valerem como prova indireta, estes devem ser interrelacionados com estreita ligação, por meio de enlaces coesos, lógicos e racionais, e não devem apresentar ambiguidades (ou seja, não devem ser conflitantes ou divergentes a ponto de suscitarem dúvida razoável). Ou seja, o encadeamento de prova indireta capaz de sustentar uma decisão do julgador, inclusive condenatória, compreende indícios fortemente relacionados, coerentes e harmônicos entre si, que levam, quando analisados em conjunto, à conclusão inevitável de que o fato que se quer provar ocorreu.