1. A CORREIÇÃO ADMINISTRATIVA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 

No contexto do paradigma democrático de Estado, diversas formas de controle de sua atuação e de seus servidores foram desenvolvidas. A separação de Poderes como baluarte da limitação do poder estatal desembocou no sistema de freios e contrapesos (checks and balances), em que as funções de Estado fiscalizam umas às outras.

De efeito, tem-se o controle realizado pelo Poder Judiciário (ações – incluindo a ação civil pública de improbidade administrativa - e remédios constitucionais), Poder Legislativo (sustação dos atos normativos que exorbitem o poder regulamentar, com fundamento no art. 49, inciso V, da Constituição Federal) e pelo próprio Poder Executivo. Ao lado desses, há também o controle popular, que se manifesta no direito de petição, na denúncia, na ação popular, nos remédios constitucionais, etc.

Além disso, atentando-nos ao Poder Executivo, o controle pode ser externo (operado pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas) ou interno (realizado pelos órgãos integrantes de tal sistema). Essa é a inteligência do art. 70 da Constituição Federal:

Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.

No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei Estadual n° 24.313, de 28 de abril de 2023, estabelece os órgãos de Controle Interno do ente mineiro, figurando a Controladoria-Geral do Estado como órgão central, tendo como competência, na dicção do art. 46 do mesmo diploma legal:

A CGE, órgão permanente diretamente subordinado ao Governador do Estado, tem por finalidade o exercício das funções de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nos termos da Constituição do Estado, e das atividades atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, ao incremento da transparência e do acesso à informação e ao fortalecimento da integridade, do controle social e da democracia participativa.

A Corregedoria-Geral, a Auditoria-Geral, a Subcontroladoria de Transparência, Integridade e Controle Social, bem como o Gabinete, o Núcleo de Combate à Corrupção, as Assessorias, a Superintendência de Planejamento, Gestão e Finanças, e a Unidade Setorial de Controle Interno, compõem a estrutura orgânica da Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais1. A Corregedoria-Geral (COGE) tem como competência “coordenar e aplicar o regime disciplinar aos agentes públicos e coordenar as ações de responsabilização de pessoas jurídicas prevista na Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, no âmbito do Poder Executivo2.” Revela-se, pois, o órgão correcional central do executivo mineiro. 

A todos deverão ser assegurados a prestação de serviços públicos de qualidade, o bom atendimento nos ambientes que funcionam os órgãos e entidades públicas, bem como a resolução completa e eficiente de suas demandas administrativas. Ademais – e, principalmente– todos têm o direito de uma Administração hígida, proba e perseguidora dos interesses públicos consignados no Texto Maior.

O século em curso intensificou sobremaneira os estudos acerca da corrupção, principalmente em razão dos diversos escândalos que são transmitidos frequentemente nos noticiários nacionais. É certo que a globalização, com o acesso mais disseminado à internet (tida, em alguns países como a Finlândia, como direito fundamental, e merecedora de um projeto de Emenda Constitucional para incluí-la no rol de direitos sociais de nossa ordem jurídica), em muito contribuiu para a informação e a participação da sociedade na árdua atuação de combate à corrupção.

Por óbvio, tal fenômeno não é exclusividade brasileira, envolvendo tais atos, não raras vezes, mais de um Estado-nação. Prova da preocupação mundial com o assunto foi a promulgação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, realizada na cidade de Mérida (Espanha), em 2003, ingressando na ordem jurídica pátria em 2006, por meio do Decreto n° 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

A Convenção de Mérida, além de trazer aspectos importantes na prevenção e no combate à corrupção, traça a necessária cooperação internacional para reduzir este mal que definha a economia do país e os direitos mais básicos de seus cidadãos. Em âmbito regional, tem-se ainda a Convenção Interamericana contra a Corrupção de 1996, ratificada pelo Brasil em 2002, por meio do Decreto n° 4.410, de 7 de outubro de 2002. Destarte, a participação popular não desvela mero direito formal consubstanciado na Constituição, mas sim verdadeiro instrumento de combate à corrupção e demais irregularidades prejudiciais ao serviço e ao interesse público. Afinal, é impossível que o controle interno esteja presente em todos os lugares e momentos em que há o cometimento de ilícitos administrativos.

A Constituição, portanto, prevê no art. 5°, inciso XXXIV, o direito fundamental de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Pedro Lenza, citando José Afonso da Silva, ensina que direito de petição é definido como:

o direito que pertence a uma pessoa de invocar a atenção dos poderes públicos sobre uma questão ou situação, seja para denunciar uma lesão concreta, e pedir a reorientação da situação, seja para solicitar uma modificação do direito em vigor no sentido mais favorável à liberdade... Há, nele, uma dimensão coletiva consistente na busca ou defesa de direitos ou interesses gerais da coletividade3.

Assim, a participação popular pode se dar por meio do Canal de Denúncias da Ouvidoria-Geral do Estado, órgão competente pelo recebimento, análise, encaminhamento e acompanhamento das manifestações, sugestões, denúncias, reclamações, críticas, elogios, solicitações e demais pronunciamentos de usuários, nos termos do artigo 51 da Lei nº 24.313/2023.

Tais instrumentos permitem a participação cidadã na conservação do patrimônio e na busca dos interesses coletivos. Além disso, o cidadão também pode se cientificar do desfecho de eventual processo administrativo, obtendo cópias (quando concluídos e não sigilosos) e acompanhando o Cadastro dos Servidores Expulsos do Estado de Minas Gerais (CEAPE), disponível no sítio eletrônico da Controladoria-Geral do Estado.

Não obstante, por ser a gestora do interesse público, a Administração pode – e deve – apurar, de ofício, transgressões disciplinares de que tenha ciência, buscando, assim, estancar o ilícito e restabelecer a lisura no ambiente funcional. Isso porque a Administração Pública não necessita ser provocada (como o Judiciário), devendo atuar positivamente para satisfazer o interesse da coletividade, no qual se inclui, decerto, a atuação correcional.

Ademais, a Correição Administrativa no Estado Democrático de Direito também se volve ao processado, sujeito de direitos e presumidamente inocente, até decisão definitiva da autoridade, de acordo com a ordem vigente. Assim, os princípios constitucionais e processuais devem ser atendidos, com a observância ao contraditório substancial e à ampla defesa, visando a construção dialética da síntese do caso concreto.

Vale ressaltar que o principal diploma disciplinar mineiro é a Lei Estadual n° 869/1952, que, obviamente, deve ser lida à luz da Constituição. A longevidade do referido diploma e a superveniência de nova ordem constitucional revelam-se desafios aos profissionais de correição, não só em razão de suas deficiências democráticas (como, por exemplo, a previsão de prisão administrativa – arts. 213 e seguintes), mas também pela sua nítida desatualização, uma vez que não acompanhou os avanços normativos acerca da matéria.

Dessa forma, o desafio nesse novo cenário de controle interno não é só viabilizar a participação da população, mas também conferir maior amplitude ao controle, a capacitação constante de seus profissionais e a atualização normativa e hermenêutica dos diplomas que o regem. Tais medidas buscam o interesse público, e, sobretudo, se revelam expressão do Estado Democrático de Direito.

Esse, pois, é o intento da Corregedoria-Geral. Buscar o combate preventivo e repressivo à corrupção e demais transgressões disciplinares, aprimorar o controle interno com a qualificação de seus profissionais e otimização da atividade disciplinar, e, sobretudo, em conjunto com a sociedade e servidores espraiados nos mais diversos órgãos e entidades do Estado, aprimorando a excelência, o serviço e a gestão pública em Minas Gerais.


1 Art. 47 da Lei Estadual nº 24.313/2023.
2 Art. 35 do Decreto Estadual nº 48.687/2023.

3 LENZA, Pedro Direito constitucional esquematizado.16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. Página 1000