2.6.1. ILÍCITOS PASSÍVEIS DE REPREENSÃO OU SUSPENSÃO

Trata-se de condutas que, por sua natureza, não justificam a expulsão do infrator da Administração Pública. O art. 245 da Lei nº 869/1952 assim dispõe:

Art. 245 - A pena de repreensão será aplicada por escrito em caso de desobediência ou falta de cumprimento de deveres.

Parágrafo único - Havendo dolo ou má-fé, a falta de cumprimento de deveres, será punida com a pena de suspensão.

A aplicação das penas de repreensão e suspensão vinculam-se aos deveres do servidor público, elencados no art. 216 do Estatuto:

Art. 216 - São deveres do funcionário:
I - assiduidade;
II - pontualidade;
III - discrição;
IV - urbanidade;
V - lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servir;
VI - observância das normas legais e regulamentares;
VII - obediência às ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais;
VIII - levar ao conhecimento da autoridade superior irregularidade de que tiver ciência em razão do cargo;
IX - zelar pela economia e conservação do material que lhe for confiado;
X - providenciar para que esteja sempre em ordem no assentamento individual a sua declaração de família;
XI - atender prontamente:
  a) às requisições para a defesa da Fazenda Pública;

  b) à expedição das certidões requeridas para a defesa de direito.

Os deveres são verdadeiras imposições, com força coercitiva e de observância obrigatória aos seus destinatários, razão pela qual o art. 245 impõe a penalidade de repreensão ou suspensão (esta quando houver dolo ou má-fé), para aquele que os descumprir. A fundamentação para o descumprimento de deveres como ilícito disciplinar é a imposição de um padrão de qualidade na prestação dos serviços públicos, o que evidencia a relação do regime disciplinar com os princípios da Administração Pública.

Nesse sentido, a inassiduidade e a impontualidade se relacionam com o princípio da continuidade do serviço público. A discrição se filia ao sigilo funcional, e a urbanidade, ao princípio da cortesia. A lealdade às instituições se integra à moralidade e boa-fé. A obediência à ordem hierárquica e o dever de noticiar a prática de irregularidades são decorrentes dos poderes hierárquico e disciplinar. O zelo pela economia do material que foi confiado ao servidor revela o princípio da eficiência.

Tais ilícitos possuem natureza subsidiária, figurando como “soldado de reserva” para os casos em que a conduta apresentada não se enquadra em outro ilícito disciplinar de maior gravidade. Assim, quando, por exemplo, um agente público pratica lesão aos cofres públicos (art. 250, inciso V), estará também descumprindo o dever de observância das normas legais e regulamentares (art. 216, inciso VI). No entanto, por existir norma mais específica sobre o fato (lesão aos cofres públicos), esta deverá ser aplicada ao caso pela autoridade julgadora. Aliás, qualquer irregularidade que justifique a apenação do agente público importa em descumprimento de norma, cuja observância é um dever.

Ressalta-se que, no juízo de admissibilidade, para fins de recomendação de instauração de PAD, deve-se enquadrar a conduta em tantos ilícitos quanto forem aplicáveis. Como se verá adiante, esse enquadramento múltiplo da infração disciplinar é plenamente compatível com a natureza do Direito Administrativo Sancionador. Isso permite que a comissão processante e a autoridade julgadora avaliem, depois de submeter os fatos ao contraditório e à ampla defesa, qual ilícito concretamente ocorreu, se este for o caso, definindo o enquadramento mais adequado à conduta praticada pelo servidor.

Ressalta-se que a penalidade de repreensão somente será aplicada nas hipóteses em que inexistir dolo, ou seja, em que a conduta seja culposa. O parágrafo único do artigo 245 da Lei nº 869/1952 estabelece que, caso se verifique dolo ou má-fé, a penalidade a ser aplicada será a de suspensão, caso a conduta não configure ilícito mais grave. Ademais, a verificação do elemento anímico (dolo ou culpa) é realizada de forma casuística, analisando-se cada caso concreto.

A má-fé, por seu turno, não é uma presunção automática, mas sim uma circunstância que deve ser rigorosamente comprovada. A simples alegação de má-fé não basta para que reste configurada; é necessário que sejam apresentadas provas concretas que demonstrem a intenção deliberada de agir de forma contrária ao dever de lealdade e honestidade. Nesse sentido, a ausência de elementos probatórios que evidenciem o dolo leva à presunção de que o ato foi praticado de boa-fé.

No contexto administrativo, o princípio da boa-fé é o que prevalece como regra geral. Parte-se do pressuposto de que os atos administrativos são realizados com retidão e com observância aos preceitos legais, salvo prova em contrário. Dessa forma, cabe ao órgão apurador reunir evidências suficientes para afastar essa presunção, demonstrando que o agente agiu com intenção desleal ou com a finalidade de obter vantagem indevida, caracterizando, assim, a má-fé.