2.4.1. REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE
A definição do tipo de procedimento administrativo a ser instaurado pela autoridade depende da análise e da comprovação de diversos aspectos. A seguir, são relacionadas as condições indispensáveis para a instauração do processo administrativo disciplinar, mencionando-se também as hipóteses de arquivamento e de instauração de procedimentos investigativos.
a) Elementos suficientes de autoria e materialidade
A instauração do processo administrativo disciplinar deve se justificar por meio da demonstração da existência de elementos suficientes e consistentes de materialidade e autoria da suposta infração disciplinar. Na ausência desses elementos, se não for o caso de arquivamento, deve ser realizada uma apuração de caráter investigativo (investigação preliminar ou sindicância administrativa investigatória). Somente na inequívoca ausência de autoria e materialidade é que a autoridade pode (e deve) arquivar a denúncia/representação. Caso contrário, estará obrigada a instaurar o procedimento.
b) Enquadramento da suposta conduta (ação ou omissão) como infração disciplinar
A ação ou a omissão do agente público, objeto da denúncia, deve configurar infração disciplinar tipificada na Lei n° 869/1952, podendo se enquadrar também como ilícito penal ou ato de improbidade administrativa. Caso o ato denunciado não esteja previsto na lei como ilícito, a denúncia/representação deverá ser arquivada com a motivação de “falta de objeto”. A razão deste requisito se assenta no princípio da reserva legal, para o qual só são consideradas ilícitas as condutas que a lei assim define.
c) Relação do suposto ilícito com as atribuições funcionais do servidor
Exige-se que as infrações tenham alguma relação com o cargo do agente público ou com suas respectivas atribuições, ou que, de alguma maneira, afetem o órgão no qual o agente público esteja lotado. Logo, o regime disciplinar do funcionalismo estadual não se preocupa somente com os atos estritamente desempenhados no exercício funcional, mas também busca preservar a imagem, decoro e credibilidade do serviço público.
As questões da vida privada do agente público, em princípio, não são apuradas no âmbito da Lei n° 869/1952. A repercussão disciplinar é residual e excepcional, só possuindo reflexo quando o comportamento se relaciona com as atribuições do cargo ou a imagem do serviço público.
O fundamento legal para eventual repercussão disciplinar de atos da vida privada do servidor é extraído do art. 208 da Lei n° 869/52, que prevê a apuração de responsabilidade administrativa “pelo exercício irregular de suas atribuições”. A investigação de um fato da vida privada de um agente público tem certas exigências, sendo imprescindível que tal fato afete de modo significativo a vida pública, para, então, impulsionar a apuração no âmbito disciplinar. Citam-se, como exemplos:
• Considerações depreciativas à hierarquia governamental em suas redes sociais.
O Manual de Processo Administrativo da Controladoria-Geral da União ressalva:
A redação não deixa dúvida acerca da abrangência de condutas cometidas fora do estrito exercício das atribuições do cargo, ou seja, os reflexos de eventual desvio de conduta do servidor ultrapassam os limites do espaço físico da repartição e as horas que compõem sua jornada de trabalho. Incluem-se aí a situação de teletrabalho, os períodos de férias, licenças ou afastamentos autorizados. Exige-se, porém, que as irregularidades tenham alguma relação, no mínimo indireta, com o cargo do servidor ou com suas respectivas atribuições, ou que, de alguma maneira, afetem o órgão no qual o infrator está lotado. (...) Em sentido oposto, os atos cometidos pelo servidor que não tenham a mínima pertinência com o cargo não implicam repercussão disciplinar. Percebe-se que há outras sanções no meio social a que está sujeito o indivíduo e não se pode pretender recorrer ao direito disciplinar pelo simples fato do responsável pelo ato censurável se tratar de um servidor público. Em resumo, a repercussão disciplinar sobre atos de vida privada é residual e excepcional, amparada pela parte final do art. 148 da Lei nº 8.112/9010.
d) Conduta praticada por agente público
Somente os servidores públicos estaduais, inclusive detentores de emprego público, definidos pela Lei n° 24.313/2023, art. 46, § 1°, inciso V, podem responder na forma do regime disciplinar. A seguir, serão apresentados aspectos relacionados à abrangência subjetiva da Lei Estadual n° 869/1952.
30 Controladoria-Geral da União. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2022, p. 24.