6.1. ASPECTOS GERAIS DA LEI N° 12.846, DE 2013
A Lei Anticorrupção Empresarial dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Sua promulgação representa um marco normativo de combate à corrupção e de proteção à moralidade administrativa, apresentando um novo paradigma nas relações entre setores público e privado.
A promulgação da Lei é decorrente de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro no contexto global de combate à corrupção. Dentre esses compromissos, destacam-se:
• Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da Organização das Nações Unidas (ONU, 2003), aprovada na cidade de Mérida, no México, ratificada pelo Decreto n° 5.687, de 2006.
No âmbito nacional, a publicação da Lei n° 12.846, de 2013, supriu uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de subvenção de ato irregular, ajuste (conluio) e outros atos fraudulentos contra a Administração Pública. Esses atos, antes do advento da Lei, eram imputados precipuamente às pessoas físicas, na esfera judicial, civil e penal270.
Na esfera administrativa, as sanções aplicáveis na Legislação de Licitações e Contratos não atingiam, de modo eficaz, o patrimônio das empresas, tendo em vista que as penas previstas eram de restrição do direito de licitar e contratar com a Administração Pública. Ainda que existisse obrigação de ressarcimento de eventual dano ao erário, o ilícito e a obtenção de vantagem indevida decorrentes de atos fraudulentos geralmente compensavam, o que estimulava sua reiteração. Ademais, nenhum dos instrumentos normativos alcançava as condutas praticadas contra a Administração Pública estrangeira.
Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro não dispunha de um mecanismo eficaz de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção e de fraude contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. Como ressalta Rafael Carvalho Rezende de Oliveira, “a novidade é a estipulação de sanções mais severas, com destaque para a possibilidade de dissolução compulsória da pessoa jurídica”271.
Nesse contexto, a Lei n° 12.846, de 2013, prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas:
Art. 2° As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.
Isso quer dizer que, diferentemente da responsabilidade subjetiva, dispensa-se a comprovação do elemento subjetivo da conduta do agente, seja ela culposa (mediante imperícia, negligência ou imprudência), seja ela dolosa (intencional), para a caracterização do ilícito, bastando a existência do nexo de causalidade entre a conduta praticada por pessoa jurídica contra a Administração Pública e o resultado pretendido pelo agente para o enquadramento do ato lesivo descrito no rol do art. 5º da Lei n° 12.846, de 2013.
Sendo assim, a responsabilidade objetiva no contexto dos ilícitos fraudulentos previstos na LAC não significa a desconsideração completa e absoluta do elemento subjetivo da conduta (dolo ou culpa) na apuração dos fatos e aplicação de sanção, mas, sim, a dispensa de sua demonstração, bastando a caracterização da conduta comprovada do infrator como ato lesivo previsto no art. 5º, pois estas condutas fraudulentas já contêm em si o elemento subjetivo (intenção/dolo), como, por exemplo na conduta de suborno (inc. I).
Portanto, para fins de responsabilização, com base na Lei n° 12.846, de 2013, dispensa-se a comprovação da intenção dos seres humanos que atuaram em interesse da pessoa jurídica272. Por outro lado, a eventual responsabilização objetiva da pessoa jurídica por atos lesivos contra a Administração Pública não é automática, sendo necessária – e suficiente – a demonstração da conduta, que já contém em si o elemento subjetivo de seu representante.
Quanto à classificação dos atos lesivos previstos na referida Lei, são ilícitos de natureza formal, consumando-se mesmo que a finalidade ou objetivo específico ou benefício pretendido com sua execução não se concretizem.
Ainda sobre os aspectos gerais da responsabilidade prevista na Lei Anticorrupção, o legislador estabeleceu, no art. 4°, que “subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária”. Com essa regra, pretende-se evitar que pessoas jurídicas realizem alteração contratual ou sucessão empresarial como manobras societárias com o intuito de escaparem da punição.
A Lei instituiu também a responsabilidade solidária pela prática dos atos lesivos por grupos econômicos formados por sociedades controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas, limitada ao pagamento da multa e à reparação dos danos (art. 4°, § 2°), a fim de evitar a associação de empresas com o intuito de escaparem da punição.
272 GAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (coord.). Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014. p. 69-70.