6.1. ASPECTOS GERAIS DA LEI N° 12.846, DE 2013

A Lei Anticorrupção Empresarial dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Sua promulgação representa um marco normativo de combate à corrupção e de proteção à moralidade administrativa, apresentando um novo paradigma nas relações entre setores público e privado.

A promulgação da Lei é decorrente de compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro no contexto global de combate à corrupção. Dentre esses compromissos, destacam-se:

Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 1997), incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto Federal n° 3.678, de 2000;
Convenção Interamericana contra a Corrupção, da Organização dos Estados Americanos (OEA, 1996), assinada na cidade de Caracas, e ratificada pelo Decreto n° 4.410, de 2002;

Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, da Organização das Nações Unidas (ONU, 2003), aprovada na cidade de Mérida, no México, ratificada pelo Decreto n° 5.687, de 2006.

No âmbito nacional, a publicação da Lei n° 12.846, de 2013, supriu uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro quanto à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de subvenção de ato irregular, ajuste (conluio) e outros atos fraudulentos contra a Administração Pública. Esses atos, antes do advento da Lei, eram imputados precipuamente às pessoas físicas, na esfera judicial, civil e penal270.

Na esfera administrativa, as sanções aplicáveis na Legislação de Licitações e Contratos não atingiam, de modo eficaz, o patrimônio das empresas, tendo em vista que as penas previstas eram de restrição do direito de licitar e contratar com a Administração Pública. Ainda que existisse obrigação de ressarcimento de eventual dano ao erário, o ilícito e a obtenção de vantagem indevida decorrentes de atos fraudulentos geralmente compensavam, o que estimulava sua reiteração. Ademais, nenhum dos instrumentos normativos alcançava as condutas praticadas contra a Administração Pública estrangeira.

Portanto, o ordenamento jurídico brasileiro não dispunha de um mecanismo eficaz de responsabilização de pessoas jurídicas por atos de corrupção e de fraude contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. Como ressalta Rafael Carvalho Rezende de Oliveira, “a novidade é a estipulação de sanções mais severas, com destaque para a possibilidade de dissolução compulsória da pessoa jurídica”271.

Nesse contexto, a Lei n° 12.846, de 2013, prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas:

Art. 2° As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Isso quer dizer que, diferentemente da responsabilidade subjetiva, dispensa-se a comprovação do elemento subjetivo da conduta do agente, seja ela culposa (mediante imperícia, negligência ou imprudência), seja ela dolosa (intencional), para a caracterização do ilícito, bastando a existência do nexo de causalidade entre a conduta praticada por pessoa jurídica contra a Administração Pública e o resultado pretendido pelo agente para o enquadramento do ato lesivo descrito no rol do art. 5º da Lei n° 12.846, de 2013.

Sendo assim, a responsabilidade objetiva no contexto dos ilícitos fraudulentos previstos na LAC não significa a desconsideração completa e absoluta do elemento subjetivo da conduta (dolo ou culpa) na apuração dos fatos e aplicação de sanção, mas, sim, a dispensa de sua demonstração, bastando a caracterização da conduta comprovada do infrator como ato lesivo previsto no art. 5º, pois estas condutas fraudulentas já contêm em si o elemento subjetivo (intenção/dolo), como, por exemplo na conduta de suborno (inc. I).

Portanto, para fins de responsabilização, com base na Lei n° 12.846, de 2013, dispensa-se a comprovação da intenção dos seres humanos que atuaram em interesse da pessoa jurídica272. Por outro lado, a eventual responsabilização objetiva da pessoa jurídica por atos lesivos contra a Administração Pública não é automática, sendo necessária – e suficiente – a demonstração da conduta, que já contém em si o elemento subjetivo de seu representante.

Quanto à classificação dos atos lesivos previstos na referida Lei, são ilícitos de natureza formal, consumando-se mesmo que a finalidade ou objetivo específico ou benefício pretendido com sua execução não se concretizem.

Ainda sobre os aspectos gerais da responsabilidade prevista na Lei Anticorrupção, o legislador estabeleceu, no art. 4°, que “subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária”. Com essa regra, pretende-se evitar que pessoas jurídicas realizem alteração contratual ou sucessão empresarial como manobras societárias com o intuito de escaparem da punição.

A Lei instituiu também a responsabilidade solidária pela prática dos atos lesivos por grupos econômicos formados por sociedades controladoras, controladas, coligadas ou consorciadas, limitada ao pagamento da multa e à reparação dos danos (art. 4°, § 2°), a fim de evitar a associação de empresas com o intuito de escaparem da punição.


270 Na esfera civil, as pessoas jurídicas podem sofrer sanções por atos caracterizados como improbidade administrativa, nos termos do art. 2º, parágrafo único, da Lei Federal n° 8.429, de 1992. No entanto, essa responsabilização é subjetiva, dependente da comprovação do dolo da conduta ilícita do agente. Além disso, conforme o § 2º do art. 3º, as sanções desta Lei não se aplicarão à pessoa jurídica, caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à Administração Pública de que trata a Lei nº 12.846, de 2013.
271 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 5. ed. São Paulo: Método, 2017. p. 990.

272 GAMBI, Eduardo; GUARAGNI, Fábio André (coord.). Lei anticorrupção: comentários à Lei 12.846/2013. São Paulo: Almedina, 2014. p. 69-70.