5.10. NULIDADES

A nulidade é arguida ou decretada quando há uma inobservância de requisito legal ou uma falha jurídica que invalida ou pode invalidar o ato processual ou todo o processo. José Armando da Costa define a nulidade processual disciplinar como um vício de forma que provoca prejuízo, “em detrimento da verdade substancial dos fatos imputados ao servidor acusado, que contamina a validade do ato e do respectivo processo"262.

A Lei Federal n° 8.112/1990 trata da nulidade no art. 169, que dispõe que, "verificada a existência de vício insanável, a autoridade julgadora declarará a nulidade total ou parcial do processo e ordenará a constituição de outra comissão, para instauração de novo processo". No âmbito estadual, a Lei n° 869/1952 não faz qualquer menção à nulidade. A legislação de processo em geral (Lei Estadual n° 14.184/2002) menciona a anulação e a convalidação de atos viciados263, mas não os conceitua e nem discrimina os seus efeitos.

Nesse contexto, para compreender adequadamente as nulidades no Processo Administrativo Disciplinar, recorre-se à teoria das nulidades do ato administrativo em geral, ao Direito Processual Civil e ao Direito Processual Penal. Quanto às nulidades processuais, pode-se classificá-las em atos inexistentes, nulos e anuláveis264. Para fins práticos, no âmbito do direito disciplinar, entende-se que o ato inexistente se equivale ao ato nulo, uma vez que os seus efeitos serão os mesmos do ato nulo: torna o ato sem efeito desde a sua edição e não pode produzir qualquer efeito jurídico. Esses atos apresentam vícios essenciais que abrangem a sua competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Cita-se, como exemplo, a instauração ou a punição aplicada por autoridade incompetente.

O ato anulável, diferente do nulo, apresenta algum vício que aceita convalidação, ou seja, envolve um vício sanável. Assim, sua anulação enseja a perda de apenas alguns dos seus efeitos face à declaração do vício existente, não retroagindo à data de sua edição. Esses vícios de anulabilidade exigem que os prejuízos sejam arguidos e demonstrados.

As nulidades relativas ocorrem quando a comissão deixa de praticar algum ato processual como, por exemplo, deixar de expedir a intimação para as partes ou testemunhas. Caso elas compareçam, a falta de intimação é considerada suprida, sendo a nulidade sanada. A audiência, assim, não terá qualquer vício. Caso elas não compareçam, o ato deverá ser repetido, mas não ocasionará nulidade do processo.

Se a comissão não realizar nova audiência, os atos produzidos sem a presença das partes, que não foram devidamente intimadas, não poderão ser utilizados como provas para fundamentar uma eventual decisão da comissão, sob pena de nulidade do processo. Em outras palavras, os vícios de nulidade são aqueles que causam prejuízos notórios ao servidor acusado, sendo desnecessária sua avaliação ou demonstração pela parte prejudicada.

As nulidades absolutas podem macular toda a instrução processual, viciando todo o processo. São atos essenciais, que afetam o objeto do processo como um todo, desrespeitando princípios da administração pública ou processuais. Cita-se, como exemplo: deixar de dar acesso aos autos do processo aos acusados, para que apresentem defesa, e ausência de defesa apta no processo. Falhas como estas podem determinar a nulidade da penalidade aplicada e, por conseguinte, a reabertura do processo. Nessa hipótese, caso tenha transcorrido o prazo de prescrição, isso impossibilitará a aplicação da pena.

Em outras palavras, as nulidades absolutas são aquelas que causam patente prejuízo ao acusado, podendo ser declaradas de ofício, em qualquer tempo e fase do processo, independentemente de provocação das partes. Por agredirem frontalmente a veracidade dos fatos ou afrontarem o direito de defesa do acusado e atos estruturais, as nulidades absolutas contaminam o processo de invalidade irrecuperável, devendo esse ser refeito desde o começo (ab initio).

Segundo Sebastião José Lessa, os atos processuais podem ser essenciais/estruturais (imprescindíveis) e acidentais (prescindíveis)265: denúncia (estrutural); despacho de recebimento da denúncia (estrutural); citação (estrutural); interrogatório (acidental); defesa prévia (acidental); diligências das partes (acidental); audiência das testemunhas de acusação (acidental); audiência das testemunhas de defesa (acidental); diligências da causa (acidental); alegações finais (estrutural); saneamento do processo (no caso de vício insanável, estrutural); e sentença (estrutural).

Isso é relevante diante da distinção entre a inexistência material do ato e a mera deficiência e seus efeitos em atos acidentais e estruturais. Assim, a inexistência material da defesa, por exemplo, acarreta nulidade absoluta (insanável), enquanto a deficiência da peça defensória acarreta nulidade relativa (sanável).

Disso depreende-se que a inexistência material de ato estrutural acarreta nulidade absoluta, independentemente de demonstração de prejuízo. Por outro lado, a deficiência desse mesmo ato poderá ou não acarretar a nulidade, dependendo da demonstração concreta do prejuízo causado. No que tange aos atos acidentais, independentemente da inexistência ou da mera deficiência, a decretação da nulidade dependerá sempre da prova do efetivo prejuízo suportado pelo interessado.

Disso depreende-se que a inexistência material de ato estrutural acarreta nulidade absoluta, independentemente de demonstração de prejuízo. Por outro lado, a deficiência desse mesmo ato poderá ou não acarretar a nulidade, dependendo da demonstração concreta do prejuízo causado. No que tange aos atos acidentais, independentemente da inexistência ou da mera deficiência, a decretação da nulidade dependerá sempre da prova do efetivo prejuízo suportado pelo interessado.


262 COSTA, José Armando da. Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar. 5. edição. Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 432.
263 Art. 64 – A Administração deve anular seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Art. 65 – O dever da administração de anular ato de que decorram efeitos favoráveis para o destinatário decai em cinco anos contados da data em que foi praticado, salvo comprovada má-fé.
§ 1° – Considera-se exercido o dever de anular ato sempre que a Administração adotar medida que importe discordância dele.
§ 2° – No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência será contado da percepção do primeiro pagamento.
Art. 66 – Na hipótese de a decisão não acarretar lesão do interesse público nem prejuízo para terceiros, os atos que apresentarem defeito sanável serão convalidados pela Administração.
264 Segundo José Armando da Costa, existem três intepretações possíveis para os atos: a) Interpretação negativa: nega qualquer importância prática, dentro do Direito Administrativo, em se distinguir o ato inexistente, do ato nulo e do ato anulável. Fundamentam o seu ponto de vista na ideia de que, prevalecendo em favor do ato administrativo a presunção de veracidade e legalidade, qualquer uma dessas nulidades necessita do pronunciamento da Administração ou do Judiciário para que o ato acometido de tais vícios deixe de produzir os seus efeitos. b) Interpretação da duplicidade de efeitos: nega a importância prática de se distinguir entre o ato inexistente e ato nulo, uma vez que ambos acarretam os mesmos efeitos e as mesmas consequências. Ambos necessitam de um ato que o declare nulo, sendo idênticas as suas decorrências, isto é, retroage para apagar os seus efeitos desde o seu nascedouro. Ademais, os defensores desse entendimento ressaltam as características comum de que são atos insanáveis. Não obstante, distinguem os atos inexistentes e nulo do ato anulável. Este, além de comportar convalidação, tem eficácia constitutiva. Embora retroajam os seus efeitos ao momento da edição do ato reconhecido como inválido, ocorreu no Direito Privado. Os que defendem, portanto, essa linha reconhecem haver relevância jurídica em se estabelecer a distinção legal e doutrinária entre ato administrativo nulo, que engloba o inexistente, e o ato administrativo anulável. c) Interpretação da tríplice distinção: afirma ser de vital importância para o Direito Administrativo a precisa distinção entre ato inexistente, ato nulo e ato anulável. Essa concepção é defendida pelos tratadistas franceses. Porém, na França, a discriminação adquire realmente relevância jurídica, pois lá a inexistência do ato administrativo pode ser declarada pela justiça ordinária, enquanto que a nulidade é de declaração exclusiva dos tribunais administrativos. (COSTA, José Armando da, Direito Administrativo Disciplinar- 2.ed – São Paulo: Editora Método, 2009 – pag. 153 a 154).
265 LESSA, Sebastião José. Do Processo Administrativo Disciplinar e da Sindicância. 3° edição revista e ampliada. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, pág. 134.