6.4. ATOS LESIVOS
No Direito Administrativo Sancionador, as condutas estabelecidas como infrações são, como explica Márcio Ribeiro, hipóteses “concebidas propositadamente em termos amplos, por meio de conceitos jurídicos indeterminados, para abranger um maior número de situações decorrentes da complexa e multifacetária realidade da atividade administrativa281. Nisso reside uma diferença fundamental entre o Direito Administrativo Sancionador e o Direito Penal, pois este pressupõe uma tipificação da conduta que possibilite uma correspondência exata entre o fato e a descrição legal, com pouca ou nenhuma margem interpretativa.
Por outro lado, essa característica impõe ao aplicador da norma uma análise minuciosa do “caso concreto, em todas suas particularidades e condicionantes relevantes”, para enquadrá-lo, com fundamento nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, em uma das hipóteses da Lei282. Outra decorrência dessa peculiaridade do Direito Administrativo Sancionador é a possibilidade de enquadramento múltiplo. Como as hipóteses descritas na Lei Anticorrupção são genéricas, uma mesma conduta pode se enquadrar em mais de um ato lesivo. Nestes casos,entretanto, não significa que haverá aplicação de uma mesma penalidade repetidas vezes para cada enquadramento decorrente da mesma conduta, mas apenas possível caracterização destas circunstâncias como agravantes, conforme previsão legal.
Nesse contexto, a Lei n° 12.846, de 2013, descreve as condutas que se enquadram como atos contra a Administração Pública em seu art. 5°. Dos onze atos lesivos estabelecidos na Lei, sete dizem respeito a licitações e contratos. As demais condutas possuem um campo de aplicação mais abrangente, podendo ocorrer tanto em contratações públicas, como em outras áreas, a exemplo de concessão de licenças, fiscalização da atividade privada por órgãos públicos (ambientais, autoridades sanitárias, tributárias, inspeções técnicas e vistorias pelo Corpo de Bombeiros etc.), celebração e execução de convênios.
Interessante notar que a conduta de pessoa jurídica que configura ato lesivo pode ocorrer no âmbito de licitações e contratos (inciso IV do art. 5°), ou, por exemplo, em procedimentos para obtenção de autorizações, licenças, permissões ou certidões, não caracterizando ato lesivo nos termos da Lei Anticorrupção, devendo, portanto, ser punida pela autoridade competente mediante o processo adequado, exceto se a conduta puder ser enquadrada nos demais incisos do art. 5°.
Assim, os ilícitos praticados por pessoas jurídicas nos procedimentos ou situações que não envolvem licitações e contratos podem se enquadrar nos demais atos lesivos previstos nos incisos I, II, III e V, a exemplo de pagamento de vantagem indevida a agente público, utilização de interposta pessoa para fins ilegais ou obstrução da fiscalização ou investigação do Poder Público.
Portanto, a ocorrência de resultado finalístico da conduta ou dano ao erário não são exigidos na Lei como elementos indispensáveis à caracterização dos tipos previstos em seu art. 5º.
282 RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização Administrativa de Pessoas Jurídicas à Luz da Lei Anticorrupção Empresarial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017. p. 158.