4.1. PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS

São procedimentos utilizados pela Administração Pública para coletar elementos que indiquem o cometimento de infração disciplinar no serviço público, sua extensão e possível autoria, com o objetivo de apresentar à autoridade competente um juízo preliminar acerca da procedência ou não do fato noticiado.

São procedimentos investigativos utilizados no âmbito do Poder Executivo Estadual (sem a exclusão de outros porventura existentes nos normativos estaduais):

1) Investigação preliminar - IP;
2) Sindicância Administrativa Investigatória - SAI;
3) Sindicância Patrimonial - SAP;
4) Sindicância de avaria ou desaparecimento de bens - SAB ou SDB.

Constatadas a materialidade e a possível autoria, o procedimento investigativo dará ensejo à apuração de possível infração cometida por agente público, por meio de Processo Administrativo Disciplinar – PAD115. O PAD será tratado adiante, no tópico 4.

Se constatada a prática de ato lesivo à Administração Pública, por parte de pessoa jurídica, serão instaurados, conforme o caso, o processo administrativo de responsabilização - PAR - e o processo administrativo punitivo - PAP. Estes processos serão estudados no tópico 5.

Em regra, os procedimentos investigativos são adotados quando a notícia de irregularidade:

I. não traz elementos mínimos de convencimento acerca da ocorrência de fato irregular e possível autoria;
II. traz indícios suficientes de materialidade, mas não apresenta, de forma clara ou suficiente, a possível autoria;
III. traz elementos acerca da materialidade e possível autoria, mas não apresenta consistência ou suficiência para deflagrar, de imediato, um procedimento de caráter acusatório e punitivo;
IV. versa sobre suposto enriquecimento ilícito de agente púbico e traz algum elemento indicativo de irregularidade.

Podem ser objeto de investigação as notícias de irregularidades que chegam ao conhecimento da Administração por meio de denúncia identificada, denúncia anônima, representação funcional, relatório de auditoria, mídia eletrônica ou impressa, comunicação de outros órgãos ou poderes (Departamento de Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário, Conselho de Ética, Comissão de Ética), dentre outrasformas. O procedimento investigativo possui as seguintes características:

• preliminar: quando necessário, antecede o procedimento acusatório e punitivo (art. 220, § 1°, da Lei Estadual n° 869/1952);
• preparatório: objetiva a instauração de um processo principal (PAD ou PAR), quando for o caso116

• inquisitivo: não tem caráter litigioso117 ou acusatório, e a gestão das provas está, primordialmente, nas mãos de quem está conduzindo a investigação118 ;
• não acusatório: até a conclusão dos trabalhos de investigação, nenhuma pessoa (física ou jurídica) será formalmente acusada;
• não punitivo: tem caráter meramente investigativo, ou seja, não pode redundar em punição;
• sigiloso: apenas a pessoa física ou jurídica investigada tem acesso aos documentos autuados na investigação em andamento (o sigilo será tratado em tópico específico);
• sumário: é simplificado, não depende de formas rígidas e, em regra, tem um andamento mais célere do que o procedimento acusatório;
• abrangente: pode ser utilizado para apurar qualquer irregularidade no serviço público, independente desta ter sido praticada por servidor público efetivo, servidor ocupante de cargo exclusivamente comissionado, agente contratado, terceirizado, designado ou qualquer outro que exerça ou exercia, ainda que transitoriamente e sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, convênio, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública em órgão ou entidade da Administração Pública Direta ou Indireta do Poder Executivo Estadual, inclusive os integrantes da Alta Administração119.

A Corregedoria-Geral da União - CRG, unidade finalística da Controladoria-Geral da União - CGU, que tem como competência formular as normas voltadas à atividade disciplinar no âmbito do Poder Executivo Federal, dispõe, em síntese, que os procedimentos investigativos:

São procedimentos de cunho meramente investigativo, que não podem dar ensejo à aplicação de penalidades disciplinares e que são realizados apenas a título de convencimento primário da Administração acerca da ocorrência ou não de determinada irregularidade funcional e de sua autoria. É interessante relembrar que, nesse tipo de procedimento, não são aplicáveis os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, até mesmo porque não há nenhum servidor público sendo formalmente acusado de ter cometido irregularidade, mas se trata tão somente de um esforço por parte da Administração no intuito de coletar as informações gerais relacionadas à suposta irregularidade então noticiada.120

No contexto apresentado, a Lei nº 13.869/2019121 define como crime de abuso de autoridade o ato de instaurar procedimento investigativo sem qualquer indício da prática de crime ou infração administrativa, excetuando a sindicância ou a investigação preliminar, devidamente justificada:

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

O abuso de autoridade restará configurado se houver comprovação da vontade deliberada do agente público de prejudicar alguém ou de beneficiar a si próprio ou a terceiro, ou, ainda, de agir por mero capricho ou satisfação pessoal. Ressalta-se que a simples divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade (art. 1º, §§ 1º e 2º, Lei nº 13.869/2019). Em outras palavras, a conduta do agente público deve ser intencional, não havendo a previsão de se punir a negligência, a imprudência ou a imperícia.

São competentes para determinar a abertura de Investigação Preliminar e a instauração de Sindicância Administrativa Investigatória, Sindicância Patrimonial e Sindicância de Avaria ou Desaparecimento de Bens os Secretários de Estado e Diretores de Departamento diretamente subordinados ao Governador do Estado (art. 219 da Lei Estadual n° 869/1952), bem como os agentes públicos que fazem uso dessa competência por delegação das autoridades mencionadas122.

São aplicáveis aos procedimentos investigativos os seguintes princípios norteadores da atividade pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, finalidade, formalismo moderado e supremacia do interesse público. Aplica-se, ainda, o princípio da publicidade nos atos de instauração e de julgamento dos procedimentos investigativos – com exceção da investigação preliminar, a qual poderá ser iniciada com Ordem de Serviço e concluída com despacho da Autoridade Competente, sem necessidade de publicação no Diário do Executivo.

Em tais procedimentos, de viés meramente investigativo, não se aplicam o contraditório e a ampla defesa, como adiante será visto. Vale lembrar que esses princípios, assim como o devido processo legal, a presunção da inocência e a verdade real, são de observância obrigatória nos procedimentos de caráter acusatório e punitivo123, sob pena de o procedimento ser declarado nulo pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.

Os procedimentos disciplinares investigativos, quando necessários para o esclarecimento dos fatos, serão peças informativas prévias e irão integrar o futuro processo administrativo disciplinar, devendo seus principais atos, quando necessário, ser refeitos a posteriori sob o manto do contraditório e da ampla defesa.

Os procedimentos investigativos mencionados neste tópico não possuem a capacidade de interromper o transcurso do prazo legalmente concedido ao Estado para aplicação de penalidades administrativas (prazo prescricional - tratado no item 2.8). Adiante serão apresentados os conceitos e as principais características dos procedimentos investigativos mencionados.


115 A Lei nº 23.750, de 23 de dezembro de 2020, que estabelece normas para contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, prevê, no art. 14, que “As infrações disciplinares atribuídas ao contratado temporário serão apuradas mediante processo administrativo a ser concluído no prazo de trinta dias, assegurada a ampla defesa, nos termos do inciso LV do art. 5º da Constituição da República”. Trata-se de um processo administrativo simplificado (chamado, por vezes, de PAS), específico para contratados. Substancialmente, o procedimento se equipara a um PAD, porém obedece a um rito mais simplificado devido à natureza do vínculo entre o agente público e a Administração Pública. O regime disciplinar dos contratados por tempo deteminados, bem como dos designados para o exercício de função pública, encontra-se regulamentado no Decreto nº 47.788, de 13 de dezembro de 2019.
116 CARVALHO FILHO, 2005, p. 791.
117 CARVALHO FILHO, 2005, p. 791.
118 COUTINHO, 2003, p. 25.
119 Integram a Alta Administração as autoridades relacionadas no art. 26 do Decreto Estadual n° 46.644/2014.
120 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: CGU, 2022, p. 45
121 Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019: Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
122 Lei n° 14.184/2002.
Art. 41 – A competência é irrenunciável, é exercida pela autoridade a que foi atribuída e pode ser delegada.
Art. 42 – O ato de delegação a que se refere o art. 41 e sua revogação serão divulgados por meio de publicação oficial.
§1° – O ato de delegação indicará prazo para seu exercício, mas pode ser revogado a qualquer tempo pela autoridade delegante.
§2° – O ato de delegação especificará as matérias e poderes transferidos e poderá conter ressalva quanto ao exercício da atribuição delegada.

123 Procedimentos de caráter acusatório e punitivo: processo administrativo disciplinar, processo administrativo de responsabilização de pessoa jurídica, processo administrativo punitivo.