4.1.2. SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA INVESTIGATÓRIA
Também conhecida como sindicância preparatória ou inquérito administrativo (na forma da Lei n° 869/1952), é um procedimento sumário, inquisitorial e sigiloso, que visa apurar a existência de irregularidades no serviço público, sua extensão e quem supostamente as praticou, podendo resultar, conforme o caso, em:
• arquivamento;
• formalização de Compromisso de Ajustamento Disciplinar, na forma do Decreto n° 48.418, de 16 de maio de 2022;
• instauração de Processo Administrativo Disciplinar129.
A sindicância pode também ser definida como o expediente utilizado para esclarecer fatos irregulares e identificar o leque de autores. Nesse contexto, a sindicância deve ser instaurada em torno de fatos e, tanto quanto possível, a portaria não deve fazer referência a pessoas possivelmente envolvidas. Objetivamente, a sindicância deverá responder às sete questões do chamado “Heptâmetro de Quintiliano”: O quê? Quem? Quando? Por quê? Como? Onde? Com que auxílio?130
A sindicância, além de servir à eficiência administrativa, em face do nítido esclarecimento dos fatos e da coleta das peças e elementos informativos necessários para caracterizar a autoria e a materialidade das faltas disciplinares, concorre para a preservação da honra e da dignidade dos servidores públicos, pois evita a instauração precipitada de processo administrativo disciplinar, sem que se tenha instruído a acusação inicial com o pleno conhecimento dos fatos pertinentes às supostas transgressões apuradas131.
Nos termos da Lei n° 869/1952, a SAI (ou inquérito administrativo) é um procedimento que antecede o processo administrativo propriamente dito, podendo ser dispensada quando já houver elementos que indiquem materialidade e autoria.
Art. 220 - O processo administrativo constará de duas fases distintas:
a) inquérito administrativo;
b) processo administrativo propriamente dito.
§ 1° - Ficará dispensada a fase do inquérito administrativo quando forem evidentes as provas que demonstrem a responsabilidade do indiciado ou indiciados.
§ 2° - O inquérito administrativo se constituirá de averiguação sumária, sigilosa, de que se encarregarão funcionários designados pelas autoridades a que se refere o art. 219 e deverá ser iniciado e concluído no prazo improrrogável de 30 dias a partir da data de designação.
É de se observar, portanto, que a SAI deve ser instaurada quando houver dúvida sobre a ocorrência e extensão da irregularidade ou inexistir indício suficiente de autoria. O quadro a
seguir sintetiza as principais diferenças entre a Sindicância Administrativa Investigatória - SAI e o Processo Administrativo Disciplinar - PAD.
SAI | PAD | |
FINALIDADE | Verificar, de modo sumário, a possível ocorrência de irregularidade, sua extensão e os indícios de autoria | Apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de sua atribuição ou com ela relacionada |
NATUREZA | Procedimento investigativo de caráter sigiloso | Processo |
PRESSUPOSTO | Autoria e/ou materialidade indeterminadas | Autoria e materialidade determinadas |
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA | Não | Sim |
APLICAÇÃO DE PENALIDADES | Não | Sim |
PRAZO | 30 dias | 60 dias (prorrogável por mais 30) |
A portaria de instauração da Sindicância Administrativa Investigatória deve mencionar:
I. a identificação da Portaria coma sigla do órgão ou entidade, número e ano;
II. a base legal da atividade de investigação (art. 218 da Lei n° 869/1952);
III. a competência legal da autoridade instauradora(art. 219 da Lei n° 869/1952);
IV. o objeto da apuração, resumidamente;
V. o órgão ou entidade onde supostamente ocorreu a irregularidade;
VI. a composição da comissão sindicante e a indicação de quem será o presidente;
VII. o prazo de 30 dias para conclusão dostrabalhos;132
VIII. a possibilidade de a Comissão se reportar diretamente aos demais órgãos e entidades, emdiligências necessárias à instrução;
IX. local, data, assinatura e cargo da autoridade competente.
O extrato da portaria, que será publicado no Diário do Executivo, deve conter apenas os elementos indicados nos itens I, IV, V, VI e IX. Não é recomendável expor as iniciais do nome133, MASP ou matrícula do agente público investigado (se houver), considerando que não há, ainda, o pleno conhecimento sobre a suposta irregularidade. A comissão sindicante deve ser composta por, no mínimo, dois membros, os quais poderão ser servidores de cargos efetivos (estáveis ou não), servidores investidos em cargos comissionados, empregados contratados, designados ou terceirizados (art. 220, §2°).
Na Administração Direta, nas Autarquias e nas Fundações Públicas, é recomendável que a presidência da comissão recaia sobre servidor público (ocupante de cargo efetivo ou comissionado) que, em tese, tem melhor conhecimento sobre o regime disciplinar estatutário. O empregado contratado, designado ou terceirizado, por sua vez, tem vínculo celetista, e pode, mais facilmente, ser transferido ou dispensado no curso das apurações (caso em que deverá ser providenciada a sua substituição, por meio de Portaria).
A designação de servidor para integrar comissão sindicante constitui encargo de natureza obrigatória, cujos membros, uma vez designados, só poderão se eximir se tiverem interesse direto ou indireto na matéria (hipóteses de impedimento e suspeição, que serão tratadas adiante). A comissão sindicante deve exercer suas atividades com imparcialidade e independência (sem pressão hierárquica, política ou sentimental), assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato e à preservação da imagem da pessoa investigada. Na instrução da SAI, a comissão sindicante pode tomar as seguintes providências, dentre outras:
a) formalizar questionamentos ao denunciante ou à autoridade representante, se constatada a ausência de informação relevante ou, ainda, a falta de lógica ou coerência nos fatos noticiados (se o denunciante tiver pedido o anonimato, os questionamentos e as respostas deverão ser autuados com tarja na sua identificação);
b) realizar diligências junto aos gestores do órgão ou entidade em questão, mantendo, se possível, sigilo sobre o agente público investigado;
c) solicitar documentos, como atas de reunião, editais, contratos, relatórios, determinações superiores, normativos, publicações etc;
d) pesquisar o assunto em mídia eletrônica e, se necessário, em rede social;
e) realizar oitivas (com registro em Termo de Declarações);
f) diligenciar junto à Advocacia-Geral do Estado ou Ministério Público, visando obter cópia de eventual processo judicial, inquérito civil, ação penal pública ou transação penal;
g) colher ou produzir outros elementos de prova, na forma da lei.
Os atos e diligências concluídas devem ser autuados no processo eletrônico ou no “caderno processual”, na ordem cronológica, caso realizado em meio físico. Se entender que há risco de comprometimento da eficiência, eficácia ou finalidade da diligência134, a comissão pode se abster de incluir, de imediato, as diligências em andamento. Terminada a instrução, a comissão sindicante deverá elaborar relatório circunstanciado sobre os fatos apurados, sugerindo, ao final:
I. arquivamento, em razão da não constatação de irregularidade ou infração administrativa;
II. arquivamento, em razão da impossibilidade de se identificar a autoria (carece de ampla argumentação pela comissão);
III. arquivamento, em razão da prescrição da pretensão punitiva do Estado (se a materialidade encontrada constava nos documentos que deram origem à SAI);
IV. instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), em razão da constatação de irregularidade, em tese, cometida por servidor ou empregado público.
Feita a sugestão de instauração de PAD, a comissão sindicante pode, na sequência, sugerir a celebração de compromisso de ajustamento disciplinar para o suposto autor da irregularidade, como medida alternativa à eventual instauração e aplicação de penalidade. Para tanto, a comissão deve demonstrar que estão presentes: a conveniência, a oportunidade, a ciência do agente público da irregularidade que lhe é imputada e os demais requisitos dispostos no Decreto
Estadual n° 48.418/2022135.
A autoridade julgadora formará sua convicção pela livre apreciação dos elementos contidos na sindicância (documentos diversos, declarações e outros elementos de prova), podendo, portanto, acatar ou divergir, motivadamente, da sugestão apresentada no relatório final pela comissão.
Decidindo-se pela instauração de PAD, os autos da Sindicância Administrativa Investigatória deverão integrar o processo disciplinar, como peça informativa da instrução. Nesse caso, a comissão processante136 deverá “reproduzir” os elementos de prova colhidos na instrução do procedimento investigativo, para que o (agora) acusado tenha o direito de exercer o contraditório e a ampla defesa, com efetiva participação na produção de provas e contraprovas (art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal).
A chamada “reprodução de provas” compreende, dentre outros atos: repetição de oitivas consideradas relevantes para o esclarecimento dos fatos, devendo a comissão processante ler as declarações anteriores e perguntar à testemunha137 se confirma todo o conteúdo (a testemunha pode ratificar, retificar e acrescentar informações, especialmente em face das perguntas apresentadas pela comissão, advogado e processado); verificação das provas documentais que tiverem a autenticidade contestada pela defesa do acusado (devendo a comissão confirmar a veracidade das provas junto às autoridades, órgãos e entidades competentes).
Importante ressaltar que é possível haver sindicância investigatória sem posterior processo disciplinar, bem como processo disciplinar sem prévia sindicância investigatória. No primeiro caso, temos a situação em que a sindicância resultou em arquivamento, por ausência de materialidade, impossibilidade de definir a autoria ou prescrição do fato em apuração. No segundo, a notícia de fato trazida ao conhecimento da autoridade competente já continha elementos suficientes e consistentes acerca da suposta autoria e materialidade, tendo sido possível a imediata instauração de processo disciplinar.
130 SILVEIRA; REIS, 2007 apud ALVES, 2006.
131 CARVALHO, 2016, p. 560.
132 Na forma da jurisprudência, a autoridade competente pode prorrogar o prazo para conclusão dos trabalhos a partir da solicitação fundamentada do presidente da comissão. A extrapolação de prazo, por si só, não é causa de nulidade do procedimento, cabendo à autoridade analisar as razões da comissão e decidir pela continuidade das apurações ou pela substituição dos membros.
133 Na publicação, não deve se expor o nome completo da pessoa investigada.
134 Lei n° 8.906/1994. Art. 7° São direitos do advogado: [...] §11. No caso previsto no inciso XIV, a autoridade competente poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências.
135 Importante observar as Instruções de Serviços COGE/CGE e demais normativos da Controladoria-Geral que tratam da matéria.
136 A comissão processante deve ser composta por servidores que não atuaram na fase de investigação, eventualmente realizada antes da instauração da do PAD (Princípio da Imparcialidade).
137 No procedimento acusatório, as pessoas são ouvidas como testemunhas, com o compromisso de dizer a verdade sobreoque soubere lhe for perguntado, sob pena de responder por Falso Testemunho (art. 342 do CP), exceto as pessoas impedidas ou suspeitas, de acordo com o disposto nos arts. 447 e 448 do CPC e arts. 202 a 208 do CPP.