4.1.1. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

A Investigação Preliminar (IP), regulamentada pela Resolução CGE nº 15, de 28 de junho de 2022, publicada em 08 de julho de 2022, consiste no conjunto de averiguações promovidas no intuito de se obter informações e documentos necessários ao esclarecimento dos fatos irregulares noticiados, com a finalidade de:

instruir o expediente em análise,
viabilizar o juízo de admissibilidade e
permitir à autoridade competente concluir sobre as medidas aplicáveis ao caso.

A Investigação Preliminar não possui viés punitivo e não está sujeita ao crivo do contraditório e da ampla defesa. É considerada um procedimento administrativo de caráter preparatório e sigiloso, utilizado para coletar elementos que indiquem a ocorrência de uma infração disciplinar e a suposta autoria, visando viabilizar a análise da denúncia e, se for o caso, possibilitar a instauração do Processo Administrativo Disciplinar, valendo-se, portanto, como uma peça informativa. 

A escolha da investigação preliminar em detrimento da análise preliminar passa pela percepção estratégica de cada casa concreto, pois, com a instauração da IP, vislumbra-se um maior respaldo às solicitações e às diligências da comissão, sobretudo em caso de ter de se reportar a outras autoridades, tanto internas como externas.

A IP regulamentada se harmoniza com o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei n° 13.869/2019, que estabelece não constituir crime a instauração de investigação preliminar sumária, devidamente justificada, com vistas a investigar suposto ilícito funcional:

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

A instauração da IP poderá ser determinada de ofício ou com base em representação ou denúncia proveniente da Ouvidoria-Geral do Estado, inclusive anônima, pelas autoridades competentes para instauração de processo administrativo disciplinar, nos termos do art. 219 da Lei Estadual nº 869/1952, e a instauração também poderá ser objeto de delegação.

A instauração será realizada por meio de despacho nos autos através de Ordem Serviço, dispensada a sua publicação, e os trabalhos devem ser concluídos no prazo de 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogado por igual período, mediante solicitação justificada da comissão investigativa à autoridade competente, nos termos do art. 6° da Resolução CGE nº 15/2022.

A IP será conduzida por comissão composta por um ou mais servidores designados pela autoridade competente, que indicará, entre eles, o seu presidente. A autoridade competente
poderá solicitar a participação de quaisquer servidores ou empregados públicos para fins de instrução da IP, inclusive servidores em estágio probatório. Não se exige, no âmbito da IP, que o servidor individualmente responsável pelo trabalho investigativo ou integrante de comissão seja estável, conforme se exige para os processos administrativos disciplinares. A designação de servidor para integrar comissão constitui encargo de natureza obrigatória, cujos membros, uma vez designados, só poderão se eximir se tiverem interesse direto ou indireto na matéria (hipóteses de impedimento e suspeição, que serão abordados em tópicos específicos deste manual). A comissão deve exercer suas atividades com imparcialidade e independência (sem pressão hierárquica, política ou sentimental), assegurado o sigilo necessário à elucidação do fato e à preservação da imagem da pessoa investigada.

Na prática, o agente público responsável124 pela análise ou instrução do expediente recebido (denúncia, representação, etc.) utiliza a investigação preliminar para complementar, esclarecer ou compreender a notícia de irregularidade, realizando questionamentos e solicitações junto a agentes públicos e particulares que podem, de alguma forma, contribuir para as apurações. Dentre as providências cabíveis na investigação preliminar estão:

a) o exame da narrativa dos fatos e dos documentos apresentados inicialmente;
b) a formalização de questionamentos ao denunciante, se constatada a ausência de informação relevante ou, ainda, a falta de lógica ou coerência nos fatos noticiados (se o denunciante tiver solicitado anonimato, os questionamentos e as respostas deverão ser autuados com tarja na sua identificação);
c) a formalização de questionamentos junto ao órgão ou entidade em que supostamente ocorreu o fato, abstendo-se, tanto quanto possível, de informar à pessoa questionada o nome do agente público denunciado (informações úteis: unidade administrativa, gestor, servidores responsáveis, normas legais, ordens superiores, atribuições específicas, forma de execução, período, registro do fato, etc.);
d) solicitação de documentos, como atas de reunião, correspondências eletrônicas, editais, contratos, relatórios, determinações superiores, normativos, publicações, PGDI, avaliação de desempenho, etc;
e) pesquisa em mídia eletrônica e, se oportuno, em rede social;
f) oitiva de superior hierárquico ou colega que possa ter amplo conhecimento sobre o assunto (com registro em ata e sem compromisso legal de dizer a verdade).

No desempenho da atribuição para a qual foi designada, a comissão tem liberdade ampla de utilizartodos os meios probatórios regularmente aceitos em Direito, inclusive podendo se valer de meios tecnológicos, como a videoconferência, para realizar reuniões, deliberações e atos de coleta de prova.

Em regra, a IP é um procedimento mais simples e mais célere do que os demais procedimentos investigativos, devendo, portanto, ser concluído assim que encontrados elementos indicativos suficientes da ocorrência ou não da irregularidade e, se for o caso, do suposto autor que cometeu o ato infracional.

Concluídas as averiguações, a comissão deverá elaborar um parecer conclusivo e motivado, explicitando os fundamentos legais e fáticos do parecer opinativo, que será submetido à apreciação do setor responsável125 pela análise do procedimento, e da autoridade competente, a qual poderá decidir pelo(a):

I. arquivamento do expediente (denúncia, representação, etc.), pela não constatação da irregularidade noticiada (podem ser feitas recomendações de medidas gerenciais e preventivas);
II. encaminhamento de cópia do expediente à Comissão de Ética do órgão ou entidade em questão, caso constatado possível desvio ético (Decreto n° 46.644, de 6 de novembro de 2014);
III. instauração de Processo Administrativo Disciplinar, pela constatação de elementos que indiquem infração disciplinar e sua autoria, quando o possível responsável pela irregularidade for servidor público ocupante de cargo efetivo ou de recrutamento amplo, inclusive empregado público126
IV. formalização de Compromisso de Ajustamento Disciplinar, na forma do Decreto n° 48.418, de 16 de maio de 2022.

O parecer conclusivo da comissão, assim como de todos os demais procedimentos investigativos, deve conter a individualização da conduta em tese praticada pelo agente público infrator e a suposta irregularidade praticada, com o devido enquadramento legal, nos termos da Lei Estadual nº 869/1952127.

O setor responsável pela análise da IP, concordando com o parecer elaborado pela comissão, deverá motivar o ato e encaminhar o procedimento diretamente à autoridade competente, a quem compete o ato decisório. No entanto, não estando as autoridades destinatárias do parecer satisfeitas com a instrução processual, restando dúvida que as deixe inseguras quanto à decisão a tomar, podem discordar, motivando o ato e determinado, por exemplo, a realização de novas diligências, até que disponham de elementos suficientes para determinar o devido prosseguimento do feito.

O expediente instruído e analisado deve compor os autos do processo administrativo instaurado, servindo como peça informativa para a continuidade das apurações. Nesse caso, a comissão processante128 deverá “reproduzir” os elementos de prova colhidos na instrução do procedimento investigativo, para que o (agora) acusado tenha o direito de exercer o contraditório e a ampla defesa, com efetiva participação na produção de provas e contraprovas (art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal).


124 A designação se dá por simples despacho ou formalização de uma Ordem de Serviço pela autoridade competente (ou quem recebeu delegação para o ato), sem necessidade de publicação.
125 No âmbito da Corregedoria-Geral será submetido à Superintendência Central de Análise e Supervisão Correcional. Nos demais órgãos e entidades, será submetido à Corregedoria autonôma, ao Núcleo de Correição Administrativa - Nucad - ou à Controladoria Seccional ou unidade equivalente.
126 Nos casos previstos em lei, pode-se recomendar a instauração do processo administrativo simplificado (PAS), como, por exemplo, o processo administrativo previsto na Lei n° 23.750/2020, pela constatação de elementos que indiquem infração disciplinar e sua autoria, sendo o possível responsável pela irregularidade um agente público sem cargo efetivo ou comissionado no Estado (contratados temporariamente, por exemplo). Trata-se, essencialmente, de um PAD mais simplificado, devido ao caráter precário do vínculo entre o agente infrator e a Administração Pública (contrato temporário, por exemplo).
127 Recomenda-se, além da elaboração do Parecer conclusivo, a utilização da Matriz de Admissibilidade Correcional, que visa facilitar a compreensão acerca do trabalho correcional elaborado pela comissão, estando direcionado à informar, de forma resumida, o nexo causal do ilícito disciplinar praticado pelo agente público, sendo dispensável para os casos de arquivamento e obrigatório para procedimentos disciplinares instaurados. A Matriz de Admissibilidade Correcional consta em Modelos de Atos – Anexo do Manual de Apuração de Ilícitos Administrativos - Disponível na página da Controladoria-Geral do Estado: https://cge.mg.gov.br/publicacoes/guias-cartilhas-e-manuais. 

128 A comissão processante deve ser composta por servidores que não atuaram na fase de investigação, eventualmente realizada antes da instauração da do PAD (Princípio da Imparcialidade).