5. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Como já afirmado, a Lei Estadual n° 869/1952 estabelece, no seu Título VIII, o regime disciplinar do funcionalismo público do Poder Executivo Estadual, listando, no art. 216, os deveres a serem cumpridos e, no art. 217, as proibições a que estão submetidos os servidores públicos163, sem prejuízo da observância de outros deveres e proibições constantes dos regramentos internos dos órgãos públicos, bem como de outras leis, como, por exemplo, o Código Penal e a Lei de Improbidade Administrativa.

A partir do art. 218, o Estatuto do Servidor apresenta as normas procedimentais que regem a condução do Processo Administrativo Disciplinar - PAD, objeto deste tópico. Os arts. 244 a 274 dispõem sobre as penalidades aplicáveis ao agente púbico que pratica um ilícito funcional.

Ilícito administrativo disciplinar é toda conduta que, por ação ou omissão, viola determinada norma imposta aos agentes públicos, podendo afetar tanto a Administração Pública, no seu âmbito interno, quanto a sociedade. Nesse contexto, a Administração Pública é obrigada a exercer seu poder-dever de apurar, impondo ao infrator a sanção administrativa cabível, após o devido processo legal.

Assim, havendo violação de preceitos legais por agente público, no exercício de suas atribuições ou com elas relacionadas, é dever da autoridade que dela conhecer tomar as providências para apuração dos fatos. Essa apuração é realizada por meio de procedimentos previstos em lei, sejam de natureza meramente investigativa, sejam de natureza punitiva. Os procedimentos investigativos, de caráter não punitivo, foram tratados no tópico 3 deste Manual. Quanto aos procedimentos punitivos, sua finalidade, de acordo com Antonio Carlos Alencar Carvalho, é a de que:

[...] por meio da ampla coleta de informações e fatos acerca do cometimento de infração funcional, inclusive com a ampla oportunidade de defesa e de produção de provas (não só pelo colegiado instrutor, como por requerimento do servidor acusado), a sanção administrativa finalmente imposta resulte de um juízo seguro de que, no caso concreto, o poder de punir é manejado com acerto pelo Estado, em face de inequívoca comprovação da materialidade da transgressão e da culpabilidade do agente faltoso164.

Nesse contexto, o PAD é o meio de apuração dos ilícitos administrativos disciplinares no âmbito da Administração Pública, disciplinado nos arts. 218 a 234 da Lei n° 869/1952. Para Carvalho Filho, o Processo Administrativo Disciplinar é “o instrumento formal através do qual a Administração apura a existência de infrações praticadas por seus servidores e, se for o caso, aplica as sanções adequadas”165.

O Processo Administrativo Disciplinar é o instrumento de que dispõe a Administração Pública para apurar a responsabildade do servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou com elas relacionada, sendo assegurado ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

 

No Processo Administrativo Disciplinar, em que se imputa o cometimento de falta funcional a um agente público, este passa à condição de acusado, sendo chamado, no curso da instrução, de processado ou acusado.

Para bem conduzir um Processo Administrativo Disciplinar, devemos nos reportar ao Direito Administrativo e aos princípios a ele inerentes. Como visto, o processo disciplinar tem como objetivo propiciar à Administração a apuração de irregularidades cometidas por agentes públicos, garantindo-se, a estes, o contraditório e a ampla defesa. Confirmando-se a ocorrência da falta disciplinar, aplica-se a sanção pertinente, observados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Editada antes da Constituição Federal de 1988, a A Lei n° 869/1952 não possui a previsão de alguns instrumentos que subsidiam a defesa dos acusados. Por isso, na condução do Processo Administrativo Disciplinar, devem ser utilizados entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, bem como leis subsidiárias, a fim de que sejam garantidas as prerrogativas incorporadas ao ordenamento jurídico pela Constituição Federal e Estadual, principalmente no que tange ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa.

O Processo Administrativo Disciplinar, conforme art. 220 da Lei n° 869/1952, é composto de duas fases: o inquérito administrativo e o processo administrativo propriamente dito. A fase de inquérito administrativo é a fase investigativa, que poderá se dar através de Investigação Preliminar ou Sindicância Administrativa Investigatória. Como observado no tópico 3, essa fase é dispensável, pois serve para delimitar a autoria e a materialidade dos fatos quando estes não estão bem definidos. Tendo esses elementos claramente delimitados, instaura-se, de plano, um Processo Administrativo Disciplinar.

Reforça-se que o PAD deve ser instaurado diante da demonstração, ainda que preliminar166, de elementos suficientes e consistentes acerca da ocorrência do ilíicito e do possível responsável. Nesta linha, a Lei nº 13.869/2019 configura como crime de abuso de autoridade a seguinte conduta:

Art. 30. Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Nos termos do art. 1º da citada lei, o abuso de autoridade restará configurado se houver comprovação do ânimo subjetivo do agente público de prejudicar alguém ou beneficiar a si próprio ou a terceiro, ou, ainda, de agir por mero capricho ou satisfação pessoal. Por outro lado, a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.

O processo administrativo, propriamente dito, se subdivide em fases, com objetivo de legitimar a ação da Administração Pública na apuração dos ilícitos disciplinares. São elas:

a) instauração, com a publicação do ato que constitui a comissão processante emitido pela autoridade competente;
b) instrução processual, indiciamento, defesa e relatório, que constitui a fase conduzida pela comissão processante;
c) julgamento, realizado pela autoridade competente.

Sobre as fases do PAD, Sandro Lúcio Dezan explana:

Essas fases são encadeadas de forma cronológica preclusivas, com vistas à produção do resultado final, qual seja a elucidação dos fatos e constatação de eventual autoria e responsabilidade estatutária disciplinar, com a aplicação e execução da sanção. Para tanto, diversos atores participam do seu desenvolvimento, ocupando os dois lados antagônicos da relação processual dual – tanto do lado da parte-autora, quanto do lado da parte-ré, ou agindo de forma imparcial, desinteressada, e em observância somente às disposições legais167.

Frisa-se que, na apuração dos fatos, a autoridade e a comissão devem sempre buscar a solução mais eficiente no âmbito disciplinar. Diante disso, foi editada a Súmula CGE nº 01, de 19 de setembro de 2019, que prevê o julgamento conforme o estado do processo168, nos seguintes termos:

Súmula CGE nº 01/2019
É admitido o instituto do julgamento conforme o estado do processo, previsto nos artigos 354 e seguintes do Código de Processo Civil, no Processo Administrativo Disciplinar e Sindicância, quando couber, mediante decisão motivada e desde que não configure cerceamento de defesa ou prejuízo ao processado/sindicado.169

No decorrer deste tópico, serão descritas algumas peculiaridades das fases do PAD, indicando aspectos que devem ser observados pela comissão processante no decorrer da condução de um processo. Busca-se, assim, evitar possível nulidade e atingir a finalidade do processo, qual seja, a apuração do ilícito disciplinar, a delimitação da conduta, a responsabilidade administrativa, o enquadramento legal e a conclusão adequada (arquivamento, absolvição ou penalização).

Dessa forma, a atuação da Administração Pública mediante Processo Administrativo Disciplinar envolve a observância de uma série de garantias formais inalienáveis aos agentes públicos, de fundamental valia para o exercício eficaz do direito de defesa e para um julgamento efetivamente justo.


163 Cf. a tabela “Visão geral do regime disciplinar da Lei n° 869/1952”, no tópico 2 deste Manual.
164 CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e sindicância: à luz da jurisprudência dos Tribunais e da casuística da Administração Pública. 4ª. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. P. 196.
165 CARVALHO FILHO, Jose dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. P. 788
166 Os fatos identificados preliminarmente serão submetidos ao contraditório e à ampla defesa, e, em todos os casos, a confirmação ou não da materialidade e da autoria só ocorrerá, efetivamente, quando concluído o trabalho de apuração.

167 DEZAN, Sandro Lúcio. Direito administrativo disciplinar: direito processual. Curitiba: Juruá, 2013 – pag. 71/72
168 Código de Processo Civil. Capítulo X - Do Julgamento Conforme o Estado do Processo
Seção I – Da Extinção do Processo.
Art. 354. Ocorrendo qualquer das hipóteses previstas nos arts. 485 e 487, incisos II e III, o juiz proferirá sentença. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput pode dizer respeito a apenas parcela do processo, caso em que será impugnável por agravo de instrumento.
Seção II - Do Julgamento Antecipado do Mérito.
Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;
II - o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.
Seção III - Do Julgamento Antecipado Parcial do Mérito
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso;
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.
§ 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida.
§ 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa interposto.
§ 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva.
§ 4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz.
§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.
169 CONTROLADORIA-GERAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Súmula CGE nº 01/2019. Disponível: http://www.cge.mg.gov.br/publicacoes/normativos/sumulas-administrativas.