2.3.1. RESPONSABILIDADE OBJETIVA X RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
Como visto, o servidor público se sujeita a tantas responsabilidades quantas forem as esferas do direito maculadas por sua conduta. Isso quer dizer que, se a conduta do servidor infringiu mais de um ramo do direito, este poderá se sujeitar ao processo e às punições em todos eles, seja civil, criminal ou administrativo.
Diferentemente da responsabilidade civil extracontratual objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6°, da Constituição Federal25, e da responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas instituída pela Lei Federal n° 12.846/2013 (Lei Anticorrupção Empresarial)26, a responsabilidade do servidor público sempre será subjetiva, isto é, sujeita à comprovação do dolo ou da culpa.
O dolo é o elemento do ilícito relacionado à intenção do agente. Refere-se, portanto, ao elemento subjetivo da conduta cometida pelo agente público, isto é, o elo entre sua vontade e a ação realizada. Quando age dolosamente, “o agente público age de forma intencional, pretendendo o resultado (dolo direto) ou apenas assumindo o risco de sua concretização (dolo eventual)”27 . Conforme Fábio Osório de Medina:
O dolo, em direito administrativo, é a intenção do agente que recai sobre o suporte fático da norma legal proibitiva. O agente quer realizar determinada conduta objetivamente proibida pela ordem jurídica. Eis o dolo. Trata-se de analisar a intenção do agente especialmente diante dos elementos fáticos – mas também normativos – regulados pelas leis incidentes à espécie28.
Por outro lado, a conduta culposa é aquela cometida por imprudência, imperícia ou negligência, sem que o agente público tenha desejado o resultado. Dolo e má-fé são conceitos semelhantes, uma vez que envolvem a consciência do caráter irregular por parte do agente. A máfé, contudo, difere-se do dolo quanto ao seu fundamento, qual seja, a exigência de que o servidor público aja de acordo com a ética, de forma honesta, proba, atinente ao princípio constitucional da moralidade (art. 37 da Constituição da República).
A grande incidência do princípio da moralidade é indicar por que caminho deve seguir a vontade do agente público: não se admitem atos contrários à lei, mas também não se admitem atos contrários à razoabilidade, ao bom senso, ao interesse público, à finalidade pública29.
Ao agir com má-fé, o agente público tem conhecimento do mal que pode causar ao Estado. Age, assim, com desonestidade e torpeza, ferindo os princípios da boa-fé, da probidade e da moralidade, que regem a Administração Pública.
Não se admite, no Estado Democrático de Direito, a penalização do servidor público sem se comprovar a conduta, o nexo de causalidade, o resultado, o elemento subjetivo que anima o agente (dolo ou culpa), enquadrando-se os fatos a um dos ilícitos disciplinares (tipicidade):
Dessa forma, é inadmissível punir o servidor simplesmente pelo cargo que ocupa, pelo setor que trabalha ou pela função que desenvolve, sendo imprescindível revelar o dolo ou a culpa de sua ação. Aliás, mesmo quando possui o dever legal de agir para evitar o resultado ilícito (posição de garantidor), o elemento subjetivo precisa ser demonstrado.
É entendimento pacífico do STF o afastamento da responsabilidade objetiva de pessoa natural, como se percebe no julgado a seguir, datado de 1999:
2. Habeas corpus concedido para trancamento da ação penal.
Para assegurar que a penalidade se esteou no dolo ou na culpa do servidor, o princípio da motivação, já visto neste Manual, exige a explicitação das razões que levaram à tomada de decisão, expondo as razões de fato e de direito suficientes para justificar o ato, o que, decerto, inclui a apreciação da vontade do servidor (se agiu, ou não, com a intenção, direta ou indireta, de praticar o ilícito). A responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, prevista na Lei Estadual n° 12.846/2013, será estudada no capítulo pertinente à matéria.
29 CHOINSKI, Carlos Alberto Hohmann. Estudo sobre o dolo no direito administrativo. Disponível em . Acesso em 16 abr. 2018.p. 9-10.