2.1. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À SEARA DISCIPLINAR

Como visto, a Lei Estadual n° 869 é datada do ano de 1952, sendo concebida e elaborada durante o hiato autoritário estabelecido no Brasil na ditadura militar e, portanto, em momento bem diverso ao da atual Constituição, de 1988. Nesse contexto, os princípios são fundamentos indispensáveis para uma adequada interpretação das regras que compõem o Regime Disciplinar do Servidor Público, na medida em que tornam a aplicação do Estatuto harmônica com o ordenamento jurídico vigente. 

Neste tópico, serão apresentados, de forma objetiva, os princípios constitucionais, explícitos e implícitos, bem como os princípios aplicáveis ao processo administrativo. A Constituição da República, no art. 37, elenca expressamente os princípios que regem a atividade administrativa:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] 

A Constituição Estadual acrescenta a estes o princípio da razoabilidade:

Art. 13. A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e razoabilidade.

A seguir, serão explicados brevemente os princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e direito à informação, eficiência, supremacia do interesse público, indisponibilidade do interesse público, motivação, autotutela, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, formalismo moderado, presunção de inocência, proporcionalidade e razoabilidade.

 

a) Princípio da legalidade

O princípio da legalidade pode ser interpretado em sentido amplo e em sentido estrito. Em seu sentido amplo, o princípio exige que a Administração Pública atue apenas quando a lei a autoriza ou a determina. Por ser o gestor da coisa pública, o Administrador deve atender aos anseios de seu verdadeiro titular, o povo. Este, por seu turno, em nossa democracia participativa (ou semi- direta), emite sua vontade por meio do poder legislativo que, por sua vez, a formaliza na lei.

No âmbito disciplinar, o presente princípio impede processos e punições arbitrárias, afinal, a atuação da autoridade se subordina à lei, bem como condiciona a atuação dos agentes públicos a  normas preestabelecidas. Em caso de inobservância da lei, impõem-se, eventualmente, a nulidade do ato e a sanção ao servidor transgressor.

Além disso, em se tratando do princípio da legalidade em sentido estrito, ou reserva legal, apenas a lei poderá condicionar direitos, impor deveres, prever infração e prescrever sanção na seara disciplinar. Esse é o mandamento contido na Lei Estadual n° 14.184/2002, que dispõe sobre o processo administrativo no Estado de Minas Gerais:

Art. 4° – Somente a lei poderá condicionar o exercício de direito, impor dever, prever infração ou prescrever sanção.

Tal artigo subdivide a legalidade nos subprincípios da taxatividade e anterioridade, vez que a infração deve estar prevista em lei, e tal lei deve ser anterior à sua prática.

A doutrina moderna compreende o princípio da legalidade como bloco de legalidade ou princípio da juridicidade. Por tal corrente, o servidor público e a Administração Pública não se submetem apenas à lei em sentido estrito, mas a todos os normativos aplicados à espécie. Assim, amplia-se a abrangência da legalidade e impõe a observância à Constituição, aos princípios, às leis, aos decretos, às portarias, às resoluções e aos demais atos criados pela própria Administração. Nesse sentido:

TJ-MG - Ap Cível/Rem Necessária AC 10517150009507001 MG (TJ-MG) Data de publicação: 20/07/2017. Ementa: APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - ESTRADA DE TERRA - INSTALAÇÃO DE MANILHA PARA ESCOAMENTO DE ÁGUA - PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO - INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO - EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA - HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS - APLICAÇÃO - SENTENÇA REFORMADA 1. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário limita-se, em regra, ao aspecto da legalidade ou, mais modernamente, ao aspecto da juridicidade, de modo que a atuação da Administração deve ser analisada não, somente, em relação à lei formal, mas, também, ao ordenamento jurídico como um todo (bloco de legalidade).

De tudo que se expôs, conclui-se que a legalidade administrativa não mais se esgota na atuação nos limites da lei, ou, como usado de forma corriqueira, “fazer aquilo que a lei permite”, tampouco no agir pautado pela moralidade e finalidade pública. Em verdade o que se busca é a atuação administrativa em conformidade com o ordenamento jurídico e as limitações postas pela ordem jurídica vigente.

 

b) Princípio da impessoalidade 

O princípio da impessoalidade pode ser interpretado considerando-se a ótica da não discriminação e a ótica do agente público. Segundo a ótica da não discriminação ou da isonomia, a Administração Pública não pode agir para prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é o interesse público o verdadeiro motivo de sua atuação, não sendo relevante para sua realização a pessoa atingida pelo ato, mas o alcance do interesse público. Nessa perspectiva, o princípio da impessoalidade decorre da necessidade de se dar tratamento igualitário aos que se encontrem em situações iguais. Ao tratar todos sem distinções subjetivas e arbitrárias, inexistirão privilégios. Nesse sentido é o fundamento da vedação à prática de nepotismo (Súmula Vinculante nº 13), e regulamentado no âmbito estadual pelo Decreto Estadual nº 48.021 de 12/8/2020.

Nessa ótica, o princípio da impessoalidade pode ser analisado sob duas acepções. A primeira acepção determina a finalidade de toda atuação da Administração Pública, qual seja, a busca pelo interesse público, sendo vedada a prática de ato administrativo no interesse particular. A inobservância desse preceito macula o ato administrativo de nulidade por desvio de finalidade. Sob outra acepção, voltada ao agente público, veda-se o uso da atividade desenvolvida pela Administração Pública para a obtenção de promoção pessoal. Os atos públicos são atribuídos ao Estado, e não ao agente que atua em seu nome. Nesse sentido, o art. 37, §1°, da Constituição Federal, veda a promoção pessoal do agente público:

§1° A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Duas teorias fundamentam a ótica do agente público. A primeira é a responsabilidade objetiva do Estado, prevista no art. 37, §6°, da Constituição Federal, em que as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa condição, causarem a terceiros.

A segunda é a teoria do órgão, em que o agente público atua manifestando a vontade do Estado. Em ambos os casos, a atuação, positiva ou negativa do agente, não lhe é atribuída, mas sim à Administração Pública.

 

c) Princípio da moralidade

O princípio baliza a atuação ética da Administração Pública, requisito de validade do ato administrativo. Caso inobservado, enseja a nulidade do ato. Relaciona-se às ideias de probidade e boa-fé, bem como às de honestidade, boa conduta, obediência aos princípios éticos e normas morais, correção de atitude.

É certo que direito e moral não se confundem. Não obstante, com a superação de uma visão meramente legalista ou positivista do direito, em verdadeira “virada Kantiana”, surge uma preocupação em reaproximar essas esferas, promovendo-se uma leitura moral do direito. O princípio da moralidade é uma decorrência disso.

A proteção da moralidade pública é o fundamento último de diversas normas, incluindo as que compõem o Regime Disciplinar. Nesse contexto, exige-se do servidor uma atuação direcionada ao bem público, proibindo-se condutas que prejudicam, direta ou indiretamente, o regular funcionamento da atuação estatal.  

Algumas condutas, inclusive, afrontam diretamente a moralidade. A Lei Estadual n° 7.109/1977 (Estatuto do Magistério), por exemplo, prevê como infração a prática de exemplo deseducativo a aluno, assim como a Lei Estadual n° 869/1952 prevê o valimento do cargo para lograr proveito pessoal, a prática de usura e outros ilícitos que compõe seu corpo normativo. Ao lado do princípio da impessoalidade, a moralidade administrativa também é utilizada como fundamento para a proibição do nepotismo, nos termos da Súmula Vinculante nº 13.

 

d) Princípio da publicidade e do direito à informação

A publicidade é corolário da forma republicana de governo. O povo é titular do poder administrativo e o cidadão deve ter conhecimento do que está sendo realizado por seu representante, o que só é possível pela publicidade. A transparência favorece o controle. Nesse contexto, a publicidade é condição para a eficácia dos atos administrativos, para que produzam efeitos. Os atos administrativos gerais devem ser publicados. Impende ressaltar que publicidade não se confunde com publicação, possuindo um conceito muito mais amplo, sendo esta última apenas uma forma de manifestação da primeira.

Por tal princípio, em regra, todo ato da Administração deve ser público, de ampla ciência do povo, pois este é titular do bem público, sendo merecedor das informações inerentes à sua gestão e àqueles que o gerem. Não apenas isso, pelo princípio da publicidade a informação prestada ao cidadão deve ser clara e transparente, permitindo a realização do controle popular dos atos da Administração. Com os avanços tecnológicos e com o crescente acesso à rede mundial de computadores (internet), a publicização dos atos da Administração torna-se cada vez maior, favorecendo, decerto, o controle popular e democrático da atuação pública.

O direito à informação, de acordo com Paulo Bonavides, na clássica divisão de “gerações de direitos” capitaneada por Karel Vasak, é considerado um direito de 4ª dimensão, juntamente com a democracia e o pluralismo. Vejamos:

A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. São direitos de quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência.

Ademais, a nossa Constituição de 1988 já trazia o direito fundamental à informação como norma originária, conforme inteligência do art. 5°, inciso XXXIII

XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado4;

O sigilo, por óbvio, é exceção, haja vista sua essência antidemocrática, inerente a regimes autoritários. Por outro lado, embora excepcional, o sigilo guarda distinta relevância para a atividade correcional, tendo em vista a proteção à honra, à intimidade e à privacidade de investigados e processados.

A indagação que se faz, nesse sentido, é como compatibilizar o sigilo dos procedimentos correcionais e o direito à informação, haja vista este último compor o inesgotável rol de direitos fundamentais. Em que pese o aparente conflito, sigilo e informação coexistem harmonicamente em nossa ordem jurídica.

Para dar aplicabilidade ao direito à informação, editou-se, no âmbito federal, a Lei de Acesso à Informação (LAI), Lei Federal nº12.527/2011, regulando o acesso à informação e seu sigilo, quando se fizer necessário aos interesses estabelecidos em seus arts. 7°, §3°, e 23, que, especificamente, dispõem: 

[...]
[...]
[...]

VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações.

Em âmbito estadual, a matéria foi regulamentada pelo Decreto n° 45.969, de 24 de maio de 2012, que determinou que cada órgão tratasse do sigilo de suas informações. Diante desse normativo, a Resolução CGE Nº 8, de 16 de março de 2021, estabelece, em seu art. 13, inciso IV, a restrição de acesso, independente de classificação, da sindicância e do processo administrativo disciplinar não concluído:

IV – sindicância administrativa ou processo administrativo disciplinar não concluído, garantido o acesso ao sindicado/processado, seus procuradores constituídos, órgãos públicos e terceiros interessados que demonstrem interesse próprio e legitimo;

O sigilo, sob a ótica do sistema de acesso à informação, é tratado de duas maneiras. A primeira, quanto a informações passíveis de classificação (ultrassecreta, secreta e reservada) e a segunda quanto à restrição, independente da classificação, em que o acesso fica limitado aos envolvidos e seus advogados.

No caso do mencionado art. 13, inciso IV, da Resolução n° 8/2021, trata-se de restrição, isto é, limitação de acesso que independe de classificação. Isso porque presume-se a necessidade de se proteger o teor da informação contida em processo administrativo disciplinar e sindicância em trâmite, que ainda investigam fatos e possível ilícito perpetrado por servidor, cuja exposição descomedida pode trazer instabilidade, insegurança e, sobretudo, prejuízos à apuração e à imagem dos envolvidos.

Além do mais, referidas normas devem ser lidas em harmonia com o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, Lei n° 8.906, de 4 de julho de 1994. Em alterações promovidas pela Lei 13.245/2016 e Lei 13.793/2019, o Estatuto sofreu significativas mudanças quanto às prerrogativas do advogado, mormente no que diz respeito ao acesso aos autos de processos e investigações, em curso ou andamento, até mesmo sem procuração:

XIV - examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;

Diferentemente dos normativos de acesso à informação, a terminologia “sigilo” corresponde a qualquer fato que justifique a limitação do acesso de advogados sem procuração aos autos de processo ou investigação, independentemente de classificação ou disposição legal/normativa sobre o tema. Em outras palavras, trata-se de questões factuais que justificam a limitação do acesso às partes e aos seus advogados, como, por exemplo, inquéritos que tratam de interesse de menor.

Assim, o § 10° do mesmo artigo exige, a despeito dos incisos mencionados, a apresentação de procuração para o acesso a processos e investigações em autos sujeitos a sigilo:

§10° Nos autos sujeitos a sigilo, deve o advogado apresentar procuração para o exercício dos direitos de que trata o inciso XIV. 

Vislumbra-se, nas alterações promovidas no Estatuto da OAB, em 2016, clara majoração dos direitos dos advogados, temperada, todavia, pelo sigilo e pelo direito à intimidade das partes. Portanto, da interpretação do art. 13, inciso IV da Resolução CGE n° 8/2021, combinado com o art. 7°, incisos XIII e XIV, e §10° do Estatuto da OAB, é possível compreender a vedação do acesso de pessoas estranhas aos autos do processo e da sindicância.

Isso porque o processo administrativo disciplinar e a sindicância administrativa investigatória contêm informações referentes à vida funcional do servidor, além da apuração de um ilícito disciplinar em seu desfavor, o que poderia trazer constrangimentos desarrazoados em seu ambiente de trabalho. Assim, imaginemos o acesso irrestrito a um processo administrativo disciplinar que, por exemplo, cuida de indícios de desvio de recursos públicos para a conta bancária de um servidor. Como desfecho do processo exemplificativo, o servidor foi absolvido, com a comprovação de que aquele ilícito jamais fora por ele praticado.

Ocorre que, em seu curso, o amplo acesso aos autos a todos aqueles que o requeiram iria gerar não só uma incomensurável perturbação à intimidade e à boa honra do servidor, como também à normalidade do serviço público. Isso porque poderia haver verdadeira narrativa em tempo real dos fatos tratados no processo por parte dos servidores da repartição, com comentários, suposições e antecipação de culpa que tanto desfavorecem a imagem do servidor, a manutenção dos trabalhos processuais e a normalidade no ambiente funcional, o que, por óbvio, não é desejado pela Administração Pública.

Até que se comprove a culpa do servidor, sua imagem deve ser amplamente preservada, de modo a não haver condenação apriorística e injusta, dificultando a presença e a prestação de serviços por parte de um servidor que pode ter sua inocência declarada. 

Quanto à sindicância administrativa, é inconteste a imperiosa necessidade de se preservar as informações nela descobertas, de modo a garantir sua própria efetividade e a afirmação do poder disciplinar que dela poderá resultar. É indubitável que o amplo acesso às peças de informação de um procedimento sindicante poderia tornar o procedimento ineficaz, uma vez que o êxito da investigação depende do sigilo.

Uma sindicância que visa apurar, por exemplo, fraudes em convênios do Estado, se amplamente divulgada, poderia fazer com que eventuais investigados intimidassem testemunhas hierarquicamente inferiores, destruíssem documentos e adotassem demais medidas que tornariam ineficazes as apurações.

Por essa razão, o próprio art. 23, inciso VIII, da Lei Federal n° 12.527/2011 estabelece que serão passíveis de restrição as informações cujo acesso irrestrito possam comprometer as investigações em andamento, relacionadas com a prevenção ou repreensão de infrações. Eis o teor: 

VIII - comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações. 

Assim como o PAD, as sindicâncias administrativas contêm informações sigilosas de servidores, do órgão e de interesses do Estado, razão pela qual, quando em curso, só poderão ser acessadas por eventuais investigados e seus advogados com procuração. 

De efeito, se o acesso a advogados, com prerrogativas legais, é limitado em autos de processo administrativo disciplinar e sindicância, é cristalino que ao particular deve ser vedado, enquanto em curso, acesso a esses procedimentos. Por essa razão, o acesso aos autos do processo administrativo disciplinar e de sindicância administrativa, enquanto em curso, tão-somente é facultado às partes (processados, sindicados ou suspeitos) seus procuradores constituídos, além, decerto, aos órgãos estatais cujo conhecimento se faz necessário (Ministério Público - MP, Advocacia-Geral do Estado - AGE, Poder Judiciário). Nesse sentido, visando a uniformização de entendimentos, foi editada a Súmula Administrativa nº 02 da CGE, cujo teor se colaciona:

O acesso aos autos de Sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares em curso fica limitado ao sindicado/processado, seus procuradores constituídos, órgãos públicos e terceiros interessados que demonstrem interesse próprio e legítimo.

Ressalta-se que o acesso direto pelas partes se justifica mais ainda em razão da Súmula Vinculante n° 5, que dispõe que “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.

Por fim, cabe mencionar a Lei nº 13.709/20185, chamada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que entrou em vigor, em sua integralidade, em agosto de 2020. Conforme art. 1º, a LGPD “dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”. Merecem destaque as seguintes definições constantes do art. 5º da mencionada lei:

Para os fins desta Lei, considera-se:

(...)

Dentre as questões tratadas na LGPD, destaca-se a limitação dos direitos do titular em relação aos dados existentes nos arquivos. Desse contexto, é possível extrair os seguintes apontamentos:

 compete à Comissão Disciplinar proteger as informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas investigadas ou processadas;
a responsabilidade de resguardar os dados e as informações pessoais se estende a todos aqueles que, dentro da legalidade, tiverem permissão de acesso aos autos do processo;
o acesso a terceiros não interessados no processo é vedado enquanto não encerradas as apurações;
as atividades de tratamento de dados pessoais devem observar os princípios da boa-fé, finalidade, adequação, necessidade, livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, responsabilização e prestação de contas, conforme definidos no art. 6º da LGPD;
os elementos de identificação do denunciante que optou pelo anonimato devem ser preservados desde o recebimento da denúncia, ou seja, qualquer dado ou imagem que possibilite a identificação do denunciante deve ser retirado ou integralmente tarjado;

após o julgamento do processo, cabe ao órgão apurador providenciar o tarjamento de toda e qualquer informação pessoal ou pessoal sensível constante dos autos, como CPF, RG, endereço residencial, e-mail pessoal, prontuário, perícia médica, dados fiscais, bancários, etc.

Tais apontamentos não substituem o prudente juízo a cargo da comissão ou da autoridade responsável pela guarda do processo, a quem cabe definir quais dados devem ser restringidos à luz dos dispositivos legais aplicáveis. Havendo dúvidas sobre a interpretação da lei, o agente público deve recorrer ao Comitê Estadual de Proteção de Dados Pessoais (CEPD), cujas competências estão dispostas no Decreto nº 48.237/20216.

 

e) Princípio da eficiência

O princípio da eficiência ingressou na ordem jurídica por meio da Emenda Constitucional n°19/1998, cognominada de “reforma administrativa”. Conforme exposição de motivos da referida emenda:

No difícil contexto do retorno à democracia, que em nosso país foi simultâneo a crise financeira do Estado, a Constituição de 1988 corporificou uma concepção de administração pública verticalizada, hierárquica, rígida, que favoreceu a proliferação de controles muitas vezes desnecessários. Cumpre agora, reavaliar algumas das opções e modelos adotados, assimilando novos conceitos que reorientem a ação estatal em direção a eficiência e à qualidade dos serviços prestados ao cidadão.6

Carvalho Filho apresenta a eficiência como o binômio de produtividade e economicidade, com a “exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe a execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional”7.

Além do binômio, a eficiência também preceitua pela qualidade, celeridade, presteza, desburocratização e flexibilização da Administração Pública8. Tal princípio trouxe nova roupagem à aquisição da estabilidade do servidor público, prevendo a avaliação especial de desempenho no art. 41, §4°, da Constituição Federal. Além disso, previu a possibilidade de o servidor público estável perder o cargo mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho (art. 41, §1°, inciso III). Em decorrência da reforma constitucional, a Lei Complementar Estadual n° 71/2003 alterou o art. 249 da Lei Estadual n° 869/1952, inserindo o inciso V e o parágrafo único, que assim dispõe:

Parágrafo único – Receberá conceito de desempenho insatisfatório o servidor cuja avaliação total, considerados todos os critérios de julgamento aplicáveis em cada caso, seja inferior a 50% (cinqüenta por cento) da pontuação máxima admitida.”.

Ademais, a Emenda Constitucional n°19/1998 incluiu ainda o princípio da qualidade do serviço, consoante o art. 37, §3°:

III - a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública.

 

f) Princípios da  razoabilidade e da proporcionalidade

Embora distintos, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade serão tratados neste mesmo tópico, em razão de sua proximidade.

A razoabilidade, como já afirmado, é um princípio implícito na Constituição da República Federativa do Brasil, contudo, expresso na Constituição Estadual (art. 13). Cuida a razoabilidade da congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas. O ato que a inobserva é ilegal, devendo, pois, ser retirado do ordenamento jurídico.  A despeito da omissão de sua menção na Carta Magna, o Supremo Tribunal Federal - STF se utiliza desse princípio para realizar controle de constitucionalidade, devendo ser anulado, e não revogado, o ato que o contrarie, pois é requisito de validade do ato administrativo, uma vez que propicia a observância do devido processo legal substantivo.

A razoabilidade consiste na adequação entre meios e fins, considerando os critérios comuns da sociedade. A doutrina manifesta que a razoabilidade é limitadora da discricionariedade. Conquanto a lei deixe margem de atuação ao administrador, se esta atuação não for razoável, poderá o ato estar eivado de vício.

A Constituição Estadual e a Lei Estadual n° 14.184/2002 dispõem expressamente sobre a razoabilidade:

§ 1° – A moralidade e a razoabilidade dos atos do Poder Público serão apuradas, para efeito de controle e invalidação, em face dos dados objetivos de cada caso.

Art. 2° – A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, finalidade, motivação, razoabilidade, eficiência, ampla defesa, do contraditório e da transparência.

A doutrina costuma subdividir a proporcionalidade em três elementos: adequação (juízo pelo qual se verifica se a decisão é apta a produzir o fim almejado), necessidade (juízo pelo qual se verifica se, perante as alternativas possíveis, a decisão é a menos gravosa para atingir o fim almejado) e proporcionalidade em sentido estrito (ponderação entre a intensidade da decisão e sua possível interferência em um direito fundamental)9.

A alteração na Lei de Introdução do Direito Brasileiro – LINDB, promovida pela Lei 13.655, de 25 de abril de 2018, incluiu os subprincípios da proporcionalidade na motivação dos atos administrativos, que deverão conter a demonstração de sua necessidade e adequação:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

De acordo com a inteligência normativa, o ato deverá exibir as razões pelas quais o ato é necessário e adequado, explicitando, por corolário, os motivos pelos quais outra decisão não se mostra viável ao caso.

 

g) Princípio da supremacia do interesse público

A Administração Pública busca a satisfação do interesse público, ou seja, aquele afeto à coletividade e, decerto, este último se sobrepõe ao interesse do particular e aos meramente patrimoniais do Estado. O princípio da supremacia do interesse público fundamenta as prerrogativas da Administração Pública, em detrimento ao interesse particular, desde que respeitados os direitos e garantias individuais. Tal princípio incide, notadamente, quando a Administração edita atos de império, criando obrigações ao administrado ou restringindo-lhe o exercício de direitos.

O princípio, juntamente com a indisponibilidade do interesse público, representa os pilares do regime jurídico-administrativo, composto por prerrogativas (características do princípio em crivo) e sujeições (indisponibilidade) que nortearão a atuação estatal. Conforme Carvalho Filho:

o indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade, não podendo os seus direitos, em regra, ser equiparados aos direitos sociais. Vemos a aplicação do princípio da supremacia do interesse público, por exemplo, na desapropriação, em que o interesse público suplanta o do proprietário; ou no poder de polícia do Estado, por força do qual se estabelecem algumas restrições às atividades individuais10.

Nesse contexto, a atuação do administrador que não busca o interesse público pode estar eivada de vício, em razão de desvio de finalidade, podendo resultar na anulação do ato e, por conseguinte, na responsabilização do servidor que lhe deu causa.

 

h) Princípio da indisponibilidade do interesse público

O princípio da indisponibilidade do interesse público da Administração reforça ao Administrador não ser ele o titular da coisa pública, mas seu gestor, que deve perseguir o interesse da coletividade que titulariza aquele patrimônio.

De efeito, o administrador deve atuar em consonância com a vontade popular, submetendose às limitações previstas em Lei e ao caminho objetivamente delineado para o alcance do interesse público. Disso decorre que o administrador público não pode renunciar direitos ou onerar os cofres públicos de forma injustificada.

 

i) Princípio da motivação

A motivação é imprescindível para o controle dos atos administrativos, uma vez que exterioriza à sociedade os pressupostos de fato e de direito dos atos realizados pelo poder público. Todas as decisões da Administração Pública, mormente em atos restritivos, devem ser devidamente motivadas. A motivação dos atos garante legitimidade e segurança jurídica para o seu destinatário, expondo os fundamentos fáticos e jurídicos que dão embasamento, compatibilizando-o com o ordenamento jurídico regente.

A Constituição do Estado de Minas Gerais consignou expressamente em seu corpo dogmático o princípio, dispondo em seu art. 4°, §4°:

§ 4° – Nos processos administrativos, qualquer que seja o objeto e o procedimento, observar-se-ão, entre outros requisitos de validade, a publicidade, o contraditório, a defesa ampla e o despacho ou a decisão motivados.

O Código de Processo Civil11 – CPC – aplicável supletiva e subsidiariamente12 aos processos administrativos13, explicita a importância da motivação da decisão judicial, elencando hipóteses em que esta não será considerada fundamentada:

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Admite-se, contudo, a chamada motivação aliunde ou per relatione, por meio da qual a decisão remete à fundamentação consignada em outro ato. Como exemplo, tem-se o ato da autoridade que aplica uma penalidade que remete a um parecer elaborado por seu corpo técnico.

 

 Em decorrência do princípio da motivação, a comissão processante e a autoridade julgadora devem analisar todos os argumentos da defesa e motivar seus atos e eventuais punições com fundamento nas provas produzidas no processo. 

 

 

j) Princípio da autotutela

Por tal princípio, a Administração Pública pode rever seus próprios atos, quando eivados de vício de ilegalidade ou, ainda, quando conveniente e oportuna a sua revogação. Por razões de segurança jurídica, o exercício da autotutela fica limitado ao prazo decadencial de cinco anos, salvo se comprovada a má-fé do beneficiado. A matéria é tratada pela Lei Estadual n° 14.184/2002, em seus arts. 64 e 65, bem como pelas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal:

Art. 65 – O dever da administração de anular ato de que decorram efeitos favoráveis para o destinatário decai em cinco anos contados da data em que foi praticado, salvo comprovada má-fé.

Supremo Tribunal Federal
Súmula 346: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos

Súmula 473: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

É claro que o exercício da autotutela transcende a anulação e a revogação, alcançando-se a convalidação e a conversão, que nada mais são que espécies de aproveitamento de atos viciados, mediante sua compatibilização com a ordem jurídica, seja mediante correção (convalidação) ou substituição (conversão).

A autotutela, contudo não é um poder-dever ilimitado, devendo quando de sua aplicação ao caso concreto, ser sopesada frente a outros princípios. Não por outro motivo, a I Jornada de Direito Administativo do CJF (2020) editou o enunciado nº 20, cujo teor se transcreve:

o exercício da autotutela administrativa, para o desfazimento do ato administrativo que produza efeitos concretos favoráveis aos seus destinatários, está condicionado à prévia intimação e oportunidade de contraditório aos beneficiários do ato.

Pelo exposto, ainda que exista uma prerrogativa da Administração no que tange à revisão de seus atos, tal não pode ser feito ao alvedrio quando envolver efeito benéfico ao destinatário, devendo ser oportunizada a manifestação prévia da parte, garantido o contraditório.

 

k) Princípio do devido processo legal 

Como direito fundamental, o devido processo legal preconiza que o Estado manifestará seu poder mediante instrumento previamente definido, possibilitando a manifestação dos envolvidos e potencialmente impactados pela decisão.

Na seara correcional, o processo administrativo disciplinar é o instrumento por excelência de formalização do devido processo legal. O PAD possui os ritos procedimentais previstos nas Leis Estaduais n° 869/1952 e 14.184/2002, que revelam a sequência de atos concatenados para que se possa atingir a decisão final.

O devido processo legal revela a garantia de que o servidor público, caso cometa uma irregularidade, veja respeitadas todas as etapas previstas em lei para o processo, mormente no que concerne ao seu direito de defesa. Vinculados a esse princípio, estão os do contraditório e da ampla defesa, a serem explicados a seguir.

 

l) Princípio do contraditório e da ampla defesa 

O art. 5°, inciso LV, da Constituição Federal, consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Em uma visão moderna, o direito ao contraditório não se limita à mera ciência do indivíduo naquele processo cuja decisão o afetará (contraditório formal). O princípio exige que a sua participação seja efetiva e que seus argumentos sejam efetivamente considerados pelo julgador (contraditório substancial).

 
Não é possível a existência de processo sem a participação do processado, tampouco sem sua ciência.

 

É claro que isso não exclui a possibilidade de revelia, nem mesmo a citação por edital, mas significa que o processado, quando possível (e isso demanda esforços por parte da Comissão em encontrá-lo), participará, de fato, do processo, não devendo se contentar com a mera participação formal. Ademais, pautando-se no contraditório substancial, todos os argumentos de defesa devem ser analisados pela Comissão Processante, sob pena de mácula a tão caro direito. Como explica Maria Sylvia Di Pietro:

O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supõe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação.
Exige: 1. notificação dos atos processuais à parte interessada;
2. possibilidade de exame das provas constantes do processo;
3. direito de assistir à inquirição de testemunhas;

4. direito de apresentar defesa escrita14.

O direito ao contraditório está essencialmente conectado à ampla defesa, que, por sua vez, permite a utilização de todos os meios de provas admitidos em direito para que o processado possa demonstrar sua perspectiva sobre os fatos em apuração. É inadmissível que um indivíduo seja apenado sem a sua efetiva participação no processo. É também inaceitável uma participação deficiente, inapta a expor suas razões e a exercer plenamente seu direito de defesa. De nada adiantaria chamá-lo ao processo, sem que a ele se concedessem os instrumentos necessários para que seus argumentos fossem seriamente considerados pelo julgador.

A Lei Estadual n° 14.184/2002, que dispõe sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Estadual, consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa, especificando alguns direitos assegurados aos interessados do processo:

V- fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força da lei.

A doutrina administrativista subdivide a ampla defesa em três instrumentos básicos, quais sejam: defesa técnica, defesa prévia e recurso administrativo15. Pela defesa técnica, é facultado àquele que figura em processo administrativo disciplinar a assistência de advogado.

Trata-se de uma faculdade, diante do teor da Súmula Vinculante n° 5, do Supremo Tribunal Federal, que dispõe: “a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”. A opção, por óbvio, é do processado, não podendo a Comissão negarlhe a assistência quando desejado, sob pena de nulidade absoluta.

É inegável que o profissional da advocacia, devidamente habilitado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil possui maior capacidade técnica de realizar uma defesa qualificada para o servidor. Caso este não possua recursos para arcar com os ônus advocatícios, recomenda-se que o servidor processado recorra às entidades de classe para que o respectivo setor jurídico auxilie na elaboração da defesa técnica.

Salienta-se que, no caso, o que deve ser observado é a efetiva defesa do acusado, vigendo o brocardo pas de nullité sans grief, ou seja, só haverá nulidade se ficar demonstrado o prejuízo, in casu, a deficiência na efetiva defesa do processado.

Não obstante, caso o processado não se sinta confortável com a elaboração da própria defesa, sendo declarada sua hipossuficiência financeira, é dever da administração a indicação de servidor dativo para sua realização, utilizando-se uma interpretação extensiva do artigo 226, da Lei nº 869/1952:

Art. 226 - No caso de revelia, será designado, "ex-officio", pelo presidente da comissão, um funcionário para se incumbir da defesa.

Pela defesa prévia, o processado deve se manifestar antes da tomada de decisão por parte da Administração Pública, afinal, como visto anteriormente, é inadmissível a manifestação de poder do Estado, através de processo, sem a dialogicidade inata à democracia. Além disso, tem o processado direito de irresignação, aventada através dos recursos administrativos que lhe são facultados pela legislação regente.

Vale acrescentar, ainda, o direito de autodefesa, melhor estudada pela doutrina processual penal16. A autodefesa, adaptando ao processo administrativo, se divide em direito de audiência e direito de presença. O direito de presença importa na participação física do processado nos atos do processo, como oitiva de testemunhas, manifestação de peritos e visitação em local do suposto ilícito. Por essa razão, ele deve ser devidamente intimado de tais atos instrutórios.

É claro que a ausência do processado, por si só, não gera nulidades, afinal, deve a Comissão intimá-lo, cabendo a ele avaliar a pertinência, ou não, de sua participação no ato. Sobre esse ponto, não é demais rememorar o que estabelece o Código de Processo Penal acerca da participação do processado em audiência:

Parágrafo único. A adoção de qualquer das medidas previstas no caput deste artigo deverá constar do termo, assim como os motivos que a determinaram.

Do exposto, verificando que a presença do processado em audiência pode causar ao depoente ou declarante algum tipo de constrangimento hábil a prejudicar a verdade dos fatos, cabe à Comissão, de forma fundamentada, determinar que o processado não participe do ato, consignando tal fatonos autos. Deve-se assegurar, contudo que seu procurador ou defensor esteja presente, com o intuito de garantir o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido é pacífica a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. NULIDADE. RETIRADA DO RÉU, ADVOGADO QUE ATUOU EM CAUSA PRÓPRIA, DA SALA DE AUDIÊNCIAS. TEMOR DA VÍTIMA. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. ART. 217 DO CPP. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR AD HOC. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO À DEFESA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. O art. 217 do CPP, que permite ao magistrado a retirada do réu da sala de audiências quando este constranger ou causar temor às testemunhas ou ao ofendido, é aplicável mesmo quando o réu for advogado e estiver atuando em causa própria, haja vista a possibilidade de constituição de outro causídico para acompanhar especificamente os depoimentos e declarações. Precedente: (HC 101021, Relator (a): TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 20/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICODJe-110 DIVULG 06-06-2014 PUBLIC 09-06-2014).

2. A jurisprudência desta Corte é reiterada no sentido de que a decretação da nulidade processual, ainda que absoluta, depende da demonstração do efetivo prejuízo por aplicação do princípio do pas de nullité sans grief (HC 550.045/MT, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 25/5/2020). 3. Na hipótese, não se vislumbrou o alegado prejuízo ao réu em razão da nomeação de advogado ad hoc para acompanhar o ato processual, visto que a inquirição da vítima foi realizada na presença de defensor técnico, nomeado especificamente para o ato e, além disso, foi disponibilizado ao réu o acesso prévio ao advogado ad hoc, permitindo-lhe elaborar conjuntamente com o causídico estratégias defensivas que entender pertinentes. Ainda, conforme foi destacado pelo Juízo de primeiro grau, o depoimento da vítima foi gravado, bem como disponibilizada mídia nos autos, que possibilitou ao acusado ter pleno acesso ao seu conteúdo da oitiva. 4. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 660711 SP 2021/0115504-8, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Julgamento: 25/05/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/06/2021)

Pelo que se denota do excerto acima, é lícita a solicitação de retirada do processado da audiência, quando identificado o temor do depoente ou do declarante, ainda que, na hipótese, o servidor tenha optado por realizar a própria defesa. Neste caso deverá ser designado defensor dativo ad hoc para acompanhar a audiência. O direito de audiência reflete a necessidade de o processado ser ouvido, oportunizando a sua exibição acerca dos fatos.

 

m) Princípio do formalismo moderado

O processo administrativo visa o alcance do interesse público. Neste cenário, os procedimentos não devem restringir excessivamente a atuação do administrador, mas ser um norte procedimental quanto à forma de atuar. O processo administrativo disciplinar é composto por ato escritos e documentados nos autos. Esses atos seguem um rito procedimental, que será explicado adiante neste Manual. No entanto, quando necessário, as etapas do processo podem ser relativizadas e atos não previstos na norma podem ser realizados, quando praticados em favor do processado e do interesse público.

Isso porque, não raras vezes, a metodologia consignada na lei não permite a celeridade e a clareza necessárias à instrução, principalmente quando aplicada em face daqueles que não estão assistidos por defesa técnica (advogado constituído nos autos). A forma, como visto, é importante para assegurar as garantias dos processados. No entanto, a informalidade, quando beneficia o processado, não macula o processo, mas o legitima em razão de possibilitar a tomada de decisões mais justas e coerentes.

A exemplo, tem-se o despacho de indiciamento, que não possui previsão na Lei Estadual n° 869/1952. No entanto, sua realização favorece o processado, pois delimita o raio acusatório, indicando elementos de autoria e materialidade do ilícito, bem como as provas constantes nos autos. Isso permite o direcionamento da defesa para as irregularidades que são imputadas ao servidor.

Além disso, em harmonia com o princípio da instrumentalidade das formas, os atos que, embora não se atentem à forma, atingem sua finalidade, só serão anulados se causarem prejuízos ao processado - prejuízo este que deve ser por ele demonstrado, não sendo, pois, presumido.

 

n) Princípio da presunção de inocência

Segundo o princípio da presunção de inocência, em âmbito administrativo disciplinar, ninguém será considerado culpado até que seja prolatada decisão administrativa irrecorrível. Isso não impede a execução da penalidade logo após a primeira decisão pela autoridade competente. De acordo com o art. 57 da Lei Estadual n° 14.184/2002, os recursos administrativos, em regra, não possuem efeito suspensivo, salvo em caso de receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação, a ser decidido pela autoridade competente de forma fundamentada17.

O princípio em crivo desdobra-se em duas regras, a saber: regra de tratamento e regra probatória. Pela regra de tratamento, o processado deve ser verdadeiramente tratado como inocente, imune de qualquer conduta que possa presumir sua culpa antes do momento legalmente previsto para a formação da convicção do julgador. Como consequência, o afastamento preventivo do servidor, no curso do processo, é excepcional, ocorrendo de forma remunerada e somente quando necessário para as apurações, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias.

Quanto à regra probatória, caberá à Comissão Processante, na busca pela reconstrução processual dos fatos, comprovar, se for o caso, a culpa do processado. Por essa razão, não se pode concluir pela existência da irregularidade argumentando-se simplesmente que o processado não provou que o fato não ocorreu. É ônus da Administração Pública demonstrar, nos autos, a ocorrência de ilícito que enseja a aplicação de uma sanção a um servidor.

Não provando a responsabilidade do servidor, ou tendo dúvidas quanto a ela, o processado deverá ser absolvido, com fulcro no princípio do in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu), inerente ao direito penal e aplicável subsidiariamente à seara disciplinar.


4 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 15° edição.
5 Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018: Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
6 Decreto nº 48.237, de 22 de julho de 2021: Dispõe sobre a aplicação da Lei Federal nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, no âmbito da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo.
7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. p. 31.
8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. p. 31.
9 Essa subdivisão é encontrada em diversos autores, dentre os quais se destaca, atualmente, Robert Alexy. Cf.: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008.
10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 30. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2016. p. 34.
11 Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015.
12 A aplicação subsidiária ocorre em casos de omissão da lei (lacunas). Já a supletiva aplica-se quando a lei é deficiente ou imprecisa e necessita de um complemento para tornar sua interpretação mais justa e coerente com o ordenamento jurídico.
13 Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente. 
14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2014. P. 704-705.
15 CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo, 4.ed. ver.ampl.atual. Salvador: Jus PODIVM, 2017. P. 80-81. 
16 LIMA. Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 4 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. 

17 Art. 57 – Salvo disposição legal em contrário, o recurso não tem efeito suspensivo. Parágrafo único – Havendo justo receio de prejuízo ou de difícil ou incerta reparação decorrente da execução, a autoridade recorrida ou a imediatamente superior poderá, de ofício ou a pedido do interessado, em decisão fundamentada, atribuir efeito suspensivo ao recurso.