6.4.1. RESPONSABILIDADE OBJETIVA
Como vimos, para a caracterização de um ato lesivo previsto na Lei n° 12.846, de 2013, basta a demonstração da conduta, do nexo de causalidade e do ato lesivo (dano), devidamente suportados por elementos probatórios adequados, como ilustra a figura a seguir:
a) Conduta
Conduta é o ato praticado em interesse ou benefício, exclusivo ou não, de uma pessoa jurídica, que se enquadra em um ou mais dos ilícitos descritos do art. 5° da Lei n° 12.846, de 2013. A conduta pode ser praticada mediante uma ação direta da pessoa jurídica (conduta comissiva) ou mediante uma omissão em situações em que deveria agir (conduta omissiva).
Um exemplo de conduta comissiva: uma empresa contratada apresenta à Administração Pública documento com conteúdo inverídico, atestando a prestação de serviços não realizados, com o objetivo de se beneficiar de pagamentos indevidos. Exemplo de ato omissivo: recusa de uma pessoa jurídica em entregar documentos exigidos regularmente pela Administração Pública em uma fiscalização, incorrendo no ilícito descrito no inciso V, do art. 5°.
A identificação correta da conduta é especialmente relevante para que se tenha clareza quanto ao momento de configuração do ato lesivo. Se, por exemplo, a pessoa jurídica se beneficia de pagamentos indevidos realizados pela Administração Pública com base em notas fiscais que atestam a prestação de serviços não realizados, a configuração do ato lesivo se dá no momento da conduta praticada, isto é, na apresentação da nota fiscal com conteúdo falso, e não no momento do pagamento indevido.
Da mesma forma, se, por exemplo, uma empresa apresenta à Comissão de Licitação um atestado de capacidade técnica a pretexto de atender as exigências do Edital, o momento da configuração do ato lesivo é a apresentação do documento falso, no âmbito daquele procedimento licitatório, e não na adjudicação do objeto, na assinatura do contrato ou no recebimento de pagamentos na execução contratual.
b) Nexo de causalidade
O nexo de causalidade evidencia a relação de causa e efeito entre a conduta do responsável e o resultado ilícito. Trata-se da conexão entre a conduta praticada e o dano. Juliano Heinen, com base em interpretações da doutrina e da jurisprudência, afirma que a “causa é o antecedente que determina um resultado como consequência sua direta e imediata, sendo ele reputado a todo aquele que contribui para o evento”283. Assim, todo aquele que contribui para o resultado deve ser responsabilizado, desde que essa contribuição esteja ligada diretamente ao resultado284.
Baseando-se nas diretrizes do Tribunal de Contas da União – TCU, apresentadas no documento “Orientações para auditorias de conformidade”, pode-se utilizar o seguinte raciocínio para identificar o nexo de causalidade: retira-se, hipoteticamente, do mundo a conduta da pessoa jurídica, para em seguida indagar se o resultado, ainda assim, teria ocorrido285. Caso o resultado ocorresse mesmo sem a conduta, para fins de responsabilização com base na Lei n° 12.846, de 2013, não haveria nexo de causalidade e, consequentemente, ato lesivo. Diferentemente, se o resultado deixasse de ocorrer quando se retira, em tese, a conduta da pessoa jurídica, haveria o nexo causal e, consequentemente o ato lesivo, desde que se enquadre em uma das hipóteses do art. 5°.
Ainda de acordo com Heinen, não haverá nexo causal quando se constatar a ocorrência de: a) culpa exclusiva da vítima; b) culpa exclusiva de terceiro; c) caso fortuito ou força maior. Desse modo, se o dano foi causado exclusivamente pela vítima (Administração Pública), por um terceiro ou, ainda, se decorreu de acontecimentos inevitáveis e imprevisíveis, não se configurará nexo de causalidade e, consequentemente, ato lesivo.
Relacionada à conduta, a Lei n° 12.846, de 2013, exige uma condição específica para a responsabilização da pessoa jurídica. O art. 2° da Lei determina que o ato lesivo deve ter sido praticado “em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”. Esse interesse ou benefício é a finalidade pretendida pela pessoa jurídica ao praticar o ato lesivo. No entanto, essa finalidade não precisa se concretizar materialmente. É suficiente que haja a simples possibilidade ou potencialidade de render algum benefício para a pessoa jurídica infratora286.
Segundo Heinen, a demonstração desse interesse ou benefício deve ser visto de maneira objetiva. Isso quer dizer que não é necessário adentrar em aspectos subjetivos daquele que praticou a conduta, em virtude da responsabilidade objetiva estabelecida pela Lei. O autor afirma, nesse sentido, que o interesse ou o benefício, potencial ou concretizado, pode ser presumido com base em aspectos exteriores à conduta, no modo como a pessoa jurídica agiu, como demonstrou a finalidade pretendida com a realização do ato lesivo287.
c) Ato Lesivo contra a Administração Pública (dano)
Ato lesivo (dano) é o mal, o prejuízo, a consequência lesiva da conduta ao bem jurídico tutelado pela Lei n° 12.846, de 2013. No caput de seu art. 5°, a Lei apresenta expressamente os bens que visa proteger:
• Compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Observa-se que o ato lesivo (dano) causado pela conduta da pessoa jurídica pode ter natureza material ou imaterial (moral). Portanto, para a configuração do ato lesivo não é necessária a ocorrência de lesão ao erário. Basta a demonstração do prejuízo aos princípios da Administração Pública, como a probidade e a moralidade, e às normas contidas nos tratados anticorrupção ratificados pelo Brasil. Não se deve confundir a conduta com os resultados ou os efeitos por ela provocados. Uma pessoa jurídica que apresenta notas fiscais que não correspondem à realidade incorre em um dos atos lesivos da Lei n° 12.846, de 2013, mesmo que não tenha havido os pagamentos em decorrência desse ato.
De forma idêntica, a mera apresentação de documento falso na fase de habilitação de uma licitação, por exemplo, é passível de punição, mesmo que o contrato não tenha sido firmado e não tenha havido pagamentos à pessoa jurídica infratora.
Esses requisitos – conduta, nexo de causalidade e ato lesivo (dano) – são intrinsecamente vinculados entre si, sendo imprescindível a presença destes elementos simultaneamente para a responsabilização. Logo, na análise de um caso concreto deve-se identificar de forma precisa a conduta da pessoa jurídica, relacionando-a com o ato lesivo danoso e prejudicial à Administração Pública, indicando as principais circunstâncias envolvidas, tais como a data da prática da conduta, processo licitatório, contrato e órgão/entidade lesado(a).
283 HEINEN, Juliano. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei n°12.846/2013. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2015. p. 71.
284 HEINEN, Juliano. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei n°12.846/2013. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2015. p. 71.
285 TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Orientações para auditorias de conformidade. Portaria – ADPLAN n°1, de 25 de janeiro de 2010. Brasília, 9 fev 2010. p. 30.
286 HEINEN, Juliano. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei n°12.846/2013. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2015. p. 75.
287 HEINEN, Juliano. Comentários à Lei Anticorrupção: Lei n°12.846/2013. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2015. p. 75.