6.4.2.3. UTILIZAÇÃO DE INTERPOSTA PESSOA (ART.5°, INCISO III)

O inciso III do art. 5° descreve o seguinte ato lesivo:

Art. 5° [...]
III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

O dispositivo proíbe a utilização de interpostas pessoas, também chamadas de “laranjas” ou “testas-de-ferro”, para a prática de irregularidades. Trata-se de artifício comum em atos de corrupção e ilícitos financeiros. Nesse sentido, esse ato lesivo aproxima-se do crime definido na Lei n° 9.613, de 1988 (“lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores304), no qual também se encontra o caráter de dissimulação e ocultação de bens e/ou beneficiários. A figura da “interposta pessoa” corresponde, nesse contexto, a:

Pessoa física ou jurídica por meio da qual a verdadeira pessoa jurídica autor a de atos lesivos, dissimuladamente, atua mediante a ação desses terceiros, aparentemente os autores dos negócios ilícitos geradores de dividendos, de vantagens indevidas para a pessoa jurídica efetivamente protagonista dos atos de corrupção305.

O núcleo da conduta é “utilizar-se de interposta pessoa”, acompanhado de uma finalidade específica, qual seja, ocultar/dissimular:

a) seus reais interesses; ou

b) a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

Ocultar é encobrir, esconder, não revelar, esconder fraudulentamente, sonegar306. Já dissimular consiste em disfarçar, ocultar ou encobrir com astúcia, fingir, simular307. É comum pessoas físicas emprestarem seu nome para serem utilizados em negócios, normalmente, mediante o recebimento de vantagens. Há também a possibilidade de criação ou de utilização de pessoas jurídicas já existentes exclusivamente para a prática de ilícitos. Nota-se que a pessoa física pode, ou não, ter consciência da utilização de seu nome ou de sua empresa para esses fins indevidos.

Quando uma pessoa jurídica é criada ilicitamente para participar de licitação ou celebração de contrato público, a conduta pode se enquadrar também no ato lesivo descrito na alínea “e”, do inciso IV do art. 5°. Se o terceiro inserido como pessoa interposta for uma pessoa jurídica, esta também pode ser responsabilizada com base na Lei Anticorrupção Empresarial, ao lado daquela que se utilizou desse artifício, caso sua conduta se enquadre em algum ato lesivo descrito no art. 5°, especialmente aquele previsto no inciso II (participação em ato lesivo).

Considere o exemplo de uma empresa que é sancionada com declaração de inidoneidade por um Secretário de Estado, com fundamento na Lei n° 14.133, de 2021308. Em decorrência da aplicação da penalidade, a empresa é inscrita no Cadastro de Fornecedores Impedidos de Licitar e Contratar com a Administração Pública Estadual – CAFIMP. Uma semana depois, os mesmos sócios criam uma nova empresa e apresentam, em seguida, proposta em licitação na mesma Secretaria, vencendo a licitação e sendo contratados.

Vislumbra-se, assim, uma manobra desses sócios, por meio da criação de nova pessoa jurídica para burlar a sanção anteriormente imposta e continuar contratando com o Poder Público. Nesse caso, houve a utilização de interposta pessoa (a empresa criada posteriormente) para ocultar os reais interesses dos sócios, qual seja, o de escapar da sanção aplicada pela Administração Pública. É possível também que os sócios da empresa declarada inidônea, em vez de constituírem a nova empresa em seus próprios nomes, se utilizem de “laranjas”, normalmente parentes, para criarem a pessoa jurídica com essa finalidade ilícita. Outra variação dessa conduta lesiva é a situação na qual os mesmos sócios e/ou seus “laranjas” revezam suas empresas em contratações públicas: quando uma delas é impedida de contratar, utiliza-se outra para continuar contratando, esquivando-se, da sanção anteriormente aplicada.


304 Art. 1° Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei n° 12.683, de 2012) Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n° 12.683, de 2012) [...]
305 SANTOS, Anacleto José Abduch; BERTONCINI, Mateus; COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. Comentários à Lei 12.846/2013. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 171.

306 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio: versão 5.11 a. 3. ed. Positivo Informática Ltda, 2004.
307 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio: versão 5.11 a. 3. ed. Positivo Informática Ltda, 2004.
308 Lei de Licitações e Contratos Administrativos.