6.6.2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

A fase preliminar (ou pré-processual) à instauração de um processo administrativo sancionador, também conhecida como juízo de admissibilidade, vem merecendo cada vez mais atenção quanto ao rigor metodológico a ser observado no exame do conjunto de elementos imprescindíveis e dos requisitos mínimos aptos a deflagrar uma apuração da responsabilidade de pessoa jurídica pela autoridade competente.

Neste contexto, o juízo de admissibilidade é um procedimento pelo qual a autoridade competente para instaurar o PAR avalia (exame) e, ao final decide (juízo), se a notícia de ato lesivo, por ele recebida, reúne as condições necessárias para apurar a responsabilidade da pessoa jurídica que o tenha praticado.

Logo, para os fins da Lei nº 12.846, de 2013, o exame de admissibilidade deve fundamentar se há justa causa para instaurar o PAR. Em outras palavras, deve considerar se foram preenchidos os requisitos mínimos e necessários para instauração de processo administrativo, avaliando-se a existência ou as condições de materialidade e autoria da prática de atos lesivos elencados no art. 5º da LAC, além de outros pressupostos de aplicabilidade desta Lei. Como observa Márcio de Aguiar Ribeiro:

O juízo de admissibilidade se apresenta como manifestação instrumental do princípio da eficiência na seara pré-processual, a exigir que os processos administrativos, notadamente os de caráter punitivo, somente sejam inaugurados quando já existirem indicativos suficientes a embasar uma convicção meramente preliminar sobre a ocorrência do ilícito e a sua respectiva autoria, de modo que o custoso procedimento administrativo não seja banalmente utilizado como procedimento de viés predominantemente investigativo.353

A figura a seguir ilustra a finalidade do juízo de admissibilidade quanto à ocorrência de atos lesivos previstos na Lei n° 12.846, de 2013.

Assim, o PAR será instaurado apenas quando se mostrarem suficientemente delineados os elementos essenciais da conduta praticada pela pessoa jurídica, a ser enquadrada em um ou mais dos atos lesivos do art. 5° da Lei nº 12.846, de 2013, e art. 3° do Decreto nº 48.821, de 2024, com base nos elementos fáticos constantes nos autos. Esses aspectos serão tratados a seguir. O esquema abaixo ilustra os principais enfoques que devem ser observados para indicar a autoria e a materialidade de um ato lesivo, que se aplicam a qualquer irregularidade.

 

O juízo de admissibilidade, portanto, é fase preliminar composta por dois momentos: a) exame de admissibilidade, que é a avaliação ou investigação prévia de requisitos e condições (autoria e materialidade) para formação e sustentação de acusação de ato lesivo; b) juízo de admissibilidade propriamente dito, que é a decisão fundamentada da autoridade competente em relação à existência ou não de justa causa para instauração do PAR. Na verificação da autoria, temos que identificar a pessoa jurídica como sujeito ativo da conduta lesiva contra o órgão ou entidade da Administração Pública. Logo, a conduta deve ter sido praticada por pessoa jurídica (Quem?).

Já a materialidade tem dois aspectos importantes na análise de admissibilidade: o enquadramento da conduta em ato lesivo e os elementos que a evidenciam. Logo, na verificação da materialidade, a conduta da pessoa jurídica tem que ser entendida e enquadrada como ato lesivo descrito no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013 (O quê?, Como?, Quando?, Onde?, etc.), sendo também necessário identificar a existência de elementos que denoteam a ocorrência da conduta. Estes elementos podem ser constituídos de evidências (elementos com força probatória) ou indícios (conjunto de circunstâncias convergentes que conduzem a uma única conclusão lógica, que corresponde a ato lesivo).

Em resumo, antes da instauração de PAR, basicamente a análise da demanda visa responder a três perguntas (exame):

1. A conduta foi praticada por pessoa jurídica? (autoria)
2. É ato lesivo? (materialidade)
3. Há elementos que evidenciam satisfatoriamente a conduta e permitem identificar a pessoa jurídica? (materialidade)354

Diante das respostas coletadas, poderá haver três possíveis conclusões decisórias que finalmente concretizam o juízo de admissibilidade355:

I - Instauração do PAR, caso existam informações, documentos, evidências ou indícios mínimos e suficientes para sustentar a acusação; ou
II - Instauração de investigação preliminar – IP, caso os elementos descritos no inciso I sejam insuficientes para sustentar a acusação; ou
III - Arquivamento da matéria, em caso de não caracterização do fato apurado como ato lesivo, e inexistência, precariedade ou inadequação de elementos descritos no inciso I para sustentar a acusação.

Havendo estes requisitos e condições (1 de autoria e 2 de materialidade), teremos a justa causa que fundamenta a instauração de PAR pela autoridade competente.


353 RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização Administrativa de Pessoas Jurídicas à Luz da Lei Anticorrupção Empresarial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2017. P. 85.
354 9A lógica coaduna com a Lei de Abuso de Autoridade, no sentido de que o processo não é instrumento investigatório. Sendo assim, os elementos que indicam ou evidenciam os fatos e sustentam a acusação têm que ser anteriores a sua formalização mediante a instauração do PAR. Lei Federal nº 13.869, de 2019, art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. (g.n)
355 Art. 3º do Decreto nº 46.782, de 2015.