6.7. VIGÊNCIA DA LEI N° 12.846, DE 2013
A Lei n° 12.846, de 2013, entrou em vigor em 29/01/2014, após um período de vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias após sua publicação. Em consonância com o princípio da irretroatividade da lei358, somente podem ser imputadas às pessoas jurídicas condutas que ocorreram depois do início de sua vigência, sem prejuízo de outras cominações legais.
Assim, caso o fato em análise tenha ocorrido antes de 29/01/2014, deve-se avaliar a incidência de outras normas, especialmente, a Legislação Geral de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133, de 2021), Lei n° 14.167, de 2002, e Lei n° 13.994, de 2001).
Há situações e procedimentos que se prolongam no tempo e abrangem tanto atos anteriores, como atos posteriores a 29/01/2014. Esses casos exigem uma análise específica quanto à aplicabilidade da Lei n° 12.846, de 2013. É necessário individualizar e identificar os atos ilícitos que estão sujeitos à Lei, diferenciando-os daqueles que não são passíveis de responsabilização com fundamento nessa base normativa.
É o caso de um procedimento licitatório iniciado e concluído antes de 29/01/2014. É um erro descartar, de início, a incidência da Lei n° 12.846, de 2013, sem analisar os atos que sucederam a celebração do contrato. Isso porque, na execução do contrato e na celebração de aditamentos, por exemplo, podem ter ocorrido atos ilícitos, praticados após o início da vigência da Lei, que se enquadram nas condutas descritas no art. 5° da Lei.
Cita-se, como exemplo, a hipótese de uma licitação, na modalidade concorrência, ocorrida em 2013, na qual foram constatados indícios de direcionamento do procedimento licitatório mediante conluio entre agentes públicos e privados, em benefício de determinada empresa. Essas condutas, praticadas em 2013 e, portanto, anteriores a 29/01/2014, não são alcançadas pela Lei n° 12.846, de 2013, o que não afasta sua apuração em processo administrativo punitivo (PAP), com base na Lei n° 13.994, de 2001.
Nesse caso hipotético, suponhamos que os atos de execução contratual tenham ocorrido entre 2014 e 2015. Em que pese não ser possível imputar a responsabilidade, com base na Lei Anticorrupção, pela fraude à licitação, ocorrida em 2013, é possível que se descubra a emissão, pela empresa contratada, de notas fiscais que declaravam a realização de serviços que não foram, de fato, executados. Essa conduta, devidamente demonstrada por meio de, por exemplo, inspeção in loco e análise documental, pode configurar fraude na execução do contrato, ato lesivo previsto no art. 5°, inciso IV, alínea “d” da Lei359.
Outras condutas lesivas podem ocorrer durante a execução contratual: alterações contratuais (aditamentos) indevidas em benefício à contratada360; prática de atos que dificultem a atividade de fiscalização ou investigação conduzida por órgãos ou entidades públicas361; promessa ou pagamento de vantagem indevida, por pessoa jurídica, a agente público362, dentre outras.
Há, portanto, inúmeras situações em que se faz necessária uma análise específica quanto à vigência da Lei n° 12.846, de 2013, pois envolvem atos ocorridos antes e depois de 29/01/2014. O que se quer destacar é a importância da identificação e individualização das condutas, confrontadas com a questão temporal da Lei. Para isso, uma das técnicas de análise recomendadas é a linha do tempo, a exemplo da figura a seguir.
358 Constituição Federal. Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; [...]
XXXIX - não há crimes em lei anterior que o defina, nem penas em prévia cominação legal;
359 Art. 5°[...] IV - no tocante a licitações e contratos: [...] a) Fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; [...].
360 Art. 5° [...] IV - no tocante a licitações e contratos: [...] d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; [...] f) Obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) Manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração Pública;
361 Art.5°[...] V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervirem sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
362 Art.5°[...] I- prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; [...].