8.6. PROVA

A palavra “prova” tem origem no latim probatio. Significa exame, confronto, verificação; possui diversos significados, podendo ser usada não só na seara jurídica, mas também em outras ciências.

A prova é um elemento fundamental para garantir a imparcialidade e a legalidade do processo administrativo, pois é a partir dela que se formará a convicção sobre os fatos, competindo ao julgador tomar a sua decisão, de forma fundamentada, baseada nas provas concretas e legítimas. Sem provas, a decisão seria arbitrária e, portanto, passível de recurso.

A produção de provas também permite que as partes tenham a oportunidade de apresentar seus argumentos e elementos de convicção, garantindo-se o princípio do contraditório e da ampla defesa.

A Lei Anticorrupção não trata sobre os meios de prova, mas são admitidos todos os meios probatórios admitidos em lei, bem como quaisquer diligências necessárias à elucidação dos fatos.

O Decreto Estadual nº 48.821, de 2024, dispõe que a Comissão Processante realizará as diligências necessárias para o esclarecimento dos fatos sob apuração, utilizando todos os meios probatórios permitidos por lei, incluindo aqueles estabelecidos no art. 9º375 do Decreto Estadual nº 48.821, de 2024, quando couber.

A comissão deverá intimar a pessoa jurídica para se manifestar sobre a prova produzida no prazo de 5 (cinco) dias (art. 21, § 1º, do Decreto Estadual nº 48.821, de 2024).

Assim, a Comissão Processante poderá se valer, no que couber, das regras estabelecidas em normas administrativas, tais como a Lei Estadual nº 14.184, de 2002, e a Lei Estadual nº 869, de 1952, e das disposições constantes no Código de Processo Civil e no Código de Processo Penal.

Existem diversos tipos de provas, que podem ser classificadas de diferentes formas. Algumas das principais são:

          • Testemunhal: Depoimento de pessoas que presenciaram os fatos.
          • Documental: Documentos escritos ou registros, como contratos, recibos, fotos, vídeos, etc.
          • Material: Objetos que possam demonstrar um fato, como armas, ferramentas, vestígios de um crime, etc.
          • Pericial: Laudos elaborados por especialistas em determinada área, como médicos, engenheiros, etc.
          • Confissão: Reconhecimento espontâneo de um fato pelo acusado.
          • Indícios: Elementos que, isoladamente, não são suficientes para provar um fato; mas, em conjunto, se convergentes, formam razoável convicção sobre o fato.

No bojo do Processo Administrativo de Responsabilização a prova é direcionada ao convencimento da Comissão Processante e, principalmente, da autoridade julgadora, sendo elemento central para embasar o julgamento do processo.

Para enfatizar, as provas serão valoradas em dois momentos: 1º) Pela Comissão Processante quando da elaboração do relatório final; 2º) Pela autoridade julgadora quando do julgamento do processo.

Sem provas suficientes e adequadas, não é possível concluir pela responsabilidade da pessoa jurídica. Em outras palavras, a prova é essencial para a aplicação das sanções previstas na Lei Anticorrupção, pois é com base nela que se determina a gravidade da infração e a proporcionalidade da penalidade.

No âmbito do Processo Administrativo de Responsabilização ressalta-se a importância das provas pré-constituídas, das provas diretas e das provas indiretas.

    • Provas pré-constituídas: são aquelas que já existiam antes do início do processo administrativo de responsabilização, ou seja, foram produzidas no âmbito do juízo de admissibilidade, por meio da análise prévia ou da Investigação Preliminar.
    • Exemplos de provas pré-constituídas: Documentos escritos: relatórios de auditoria, contratos, atas de reunião, e-mails, notas fiscais, etc. Registros eletrônicos: sistemas de controle de acesso, gravações de câmeras de segurança, históricos de navegação da internet de computador da Administração Pública utilizado por agente público, etc. Testemunhas: pessoas que presenciaram os fatos e podem prestar depoimento sobre o ocorrido.
    • Importância das provas pré-constituídas: Devem ser utilizadas como elemento de informação no bojo da análise prévia e da Investigação Preliminar para subsidiar a instauração do processo administrativo de responsabilização. Após o contraditório e a ampla defesa na instrução do PAR, as provas pré-constituídas serão capazesS de influenciar no convencimento do julgador.
    • Provas diretas: são aquelas que demonstram de forma imediata e inequívoca a ocorrência do fato investigado. Em outras palavras, são evidências que, por si só, ligam o agente à prática do ato ilícito, sem a necessidade de inferências ou conclusões indiretas.
    • Exemplos de provas diretas no PAR: Documentos: Contratos que comprovam a existência de um acordo ilícito, notas fiscais que demonstram pagamentos indevidos, e-mails que revelam a comunicação entre os envolvidos em um esquema de corrupção. Depoimentos: Testemunhas oculares que presenciaram a prática do ato ilícito ou que possuem conhecimento direto dos fatos. Confissões: Reconhecimento formal do agente sobre a prática do ato ilícito. Gravações: Áudios ou vídeos que registram a prática do ato ilícito.
    • Importância das provas diretas no PAR: Certeza: As provas diretas oferecem um alto grau de certeza sobre a ocorrência do fato investigado, facilitando a tomada de decisão pela autoridade julgadora. Convicção: A existência de provas diretas contribui para a formação de um convencimento mais sólido sobre a culpabilidade do agente.
    • Agilidade: A presença de provas diretas pode agilizar o processo administrativo, uma vez que diminui a necessidade de realizar diligências complementares.
    • Provas indiretas: são aquelas que, isoladamente, não demonstram de forma conclusiva a ocorrência do fato investigado, mas que, quando analisadas em conjunto com outros elementos de prova, podem levar à conclusão de que determinado fato ocorreu. Assim, um conjunto de indícios pode levar à conclusão de que houve um ato de corrupção, mesmo que não exista uma prova direta.
    • Exemplo de prova indireta no PAR: atas de reunião não assinadas, que tenham por objeto restringir ou eliminar a concorrência em uma determinada licitação; a existência de uma reunião entre concorrentes (mesmo que não se conheça seu teor), podendo ocorrer antes da licitação ou durante a execução do contrato; testemunhos que denunciem a realização de um acordo com objetivo de lesar a Administração Pública; relações pessoais entre o agente público e as empresas que participam de licitações podem indicar a ocorrência de favorecimento.
    • Importância das provas indiretas no PAR: A prova indireta, por si só, não é suficiente para condenar uma pessoa jurídica. É necessário que exista um conjunto de indicíos que, analisados em conjunto, formem um convicção acerca da ocorrência do fato. Em geral, as provas indiretas servem para complementar as provas diretas, reforçando a conclusão a que se chega com base em outros elementos; auxilia na construção de um quadro geral dos fatos, permitindo uma visão mais ampla e detalhada do ocorrido e pode servir de fundamento para decisões administrativas, desde que seja avaliada em conjunto com os demais elementos probatórios.

Ressalta-se que, a valoração das provas no PAR exige do julgador uma análise criteriosa e isenta, levando em consideração a natureza de cada prova, sua credibilidade e o contexto fático em que foi produzida. As provas diretas, por sua evidência imediata, geralmente possuem maior peso na formação do convencimento do julgador. Contudo, as provas indiretas, embora indiretas, são essenciais para a formação da convicção do julgador, especialmente nos casos em que a obtenção de provas diretas é difícil ou impossível, servindo como elementos fundamentais para a construção de um raciocínio lógico e coerente que permita concluir pela ocorrência ou não do fato investigado.

Importante ressaltar que os indícios e presunções inserem-se no campo das provas indiretas. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal376 vem manifestando que as provas indiciárias podem conduzir à formação de uma certeza processual:

Indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente.

A jurisprudência brasileira tem ressaltado, de uma forma geral, a relevância e a pertinência da recepção das provas indiciárias nos processos.

Márcio de Aguiar Ribeiro377 ressalta que, a prova indiciária é uma prova indireta, e destaca a sua utilidade:

A utilidade da prova indiciária descortina significativa relevância quando em mira a apuração e repressão da ilicitude dita contemporânea, assim entendidas aquelas relacionadas a infrações de natureza econômica, financeira ou administrativa, cuja execução ocorre em contexto associativo, tão usual na prática de atos de corrupção, e envolver, por vezes, a participação de grupos de pessoas ou entidades empresariais, a exemplo dos ilícitos previstos no texto da LAC.

Felix378 arrola alguns exemplos de elementos indiciários importantes na investigação dos crimes em licitações, conforme se observa:

a. Certidões relativas à regularidade jurídica (cadastro no CNPJ) e fiscal (certidões negativas) emitidas em data semelhante ou sequencial pelas empresas licitantes, ou ainda certidões vencidas;
b. Propostas de preços ou planilhas orçamentárias das empresas licitantes com muitas semelhanças do ponto de vista da formatação e/ou do preço em si; às vezes até erro de ortografia que “coincidentemente” se repetem;
c. Empresas que possuem os mesmos sócios e/ou o mesmo contador. Já surgiram casos em que uma empresa licitante pertencia ao marido e outra à esposa;
d. Atas de julgamento de licitações sem assinaturas;
e. Procedimentos licitatórios sem números de páginas ou erroneamente autuados;
f. Empresa vencedora da licitação que apresentou documentação incompleta de habilitação e ainda assim adjudicou o objeto da licitação;
g. Ausência de publicação do edital da licitação em Diário Oficial e jornais locais;
h. Participação de empresas de “fachada” nas licitações. Para identificar empresas de 
fachada, é preciso diligenciar, no sentido de procurar a sede da empresa, consultar registros na Previdência Social para verificar se a empresa possui empregados registrados ou até mesmo pedir a quebra de sigilo bancário para verificar se existe movimentação financeira. Também é importante verificar se o participante das licitações é o sócio ou um procurador que não faz parte do quadro societário da empresa.

Diante da complexidade de crimes como fraudes em licitações e contratos públicos, os indícios devem ser considerados de extrema importância no âmbito do processo administrativo de responsabilização; e a utilização frequente de provas indiretas – indiciárias é fundamental para o combate eficaz à corrupção.

Importante ressaltar que o Decreto Estadual nº 48.821, de 2024, dispõe no art. 19 que a Comissão Processante poderá indeferir a produção de provas:

A Comissão processante poderá indeferir, de forma fundamentada, a produção de provas consideradas ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas.

Apresenta-se uma breve explicação sobre as provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias e intempestivas:

    • Prova ilícita: É qualquer evidência obtida em desacordo com as normas constitucionais ou legais. Em outras palavras, é uma prova que foi coletada de forma ilegal, violando direitos fundamentais ou garantias individuais.
    • Prova impertinente: É aquela que, embora possa ser verdadeira, não possui relevância para o caso concreto em julgamento. Em outras palavras, é uma evidência que não contribui para a elucidação dos fatos que estão sendo investigados ou para a comprovação ou refutação das acusações.
    • Prova desnecessária: É aquela que, embora possa ser válida e legítima, não acrescenta valor ao processo, pois os fatos já estão suficientemente provados por outros meios.
    • Prova protelatória: Tem como objetivo principal retardar o processo.
    • Prova impertinente: Não se relaciona com os fatos relevantes do caso; tem por objetivo desviar a atenção da comissão e do julgador para questões secundárias ou irrelevantes.

O artigo 157379 do Código de Processo Penal (CPP) estabelece um princípio fundamental do direito processual penal: a inadmissibilidade das provas ilícitas. Essa norma, em virtude do diálogo entre as fontes do direito, também se aplica ao processo administrativo sancionador, como é o caso do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR).

As provas ilícitas são inadimissíveis, não podendo extrair delas eficácia probatória naturalmente existente nas demais espécies probatórias.

As provas ilícitas por derivação sofrem o mesmo tratamento da prova originária, tornando-se inaptas à produção de efeitos probatórios. Isso decorre da teoria dos frutos da árvore envenenada, que é um princípio jurídico que se aplica à inadmissibilidade de provas ilícitas. Em resumo, ela estabelece que não apenas a prova obtida ilicitamente é inadmissível, mas também todas as outras provas que dela se originaram, como os "frutos" de uma "árvore envenenada".

No caso de provas ilícitas, sua nulidade é sempre absoluta, não se admitindo qualquer valoração da prova. Pode-se citar como exemplos: interceptação telefônica realizada sem autorização judicial; confissão obtida por meio de tortura; violação de domicílio sem mandado de busca e apreensão, entre outros.

Assim, uma vez detectado o vício na prova, deve a Administração determinar o seu imediato desentranhamento.

Este Manual tratou nos tópicos 4.2.8 a 4.2.8.3 sobre provas e suas especificidades, valoração, ônus, provas emprestadas e provas ilícitas, e no tópico 4.10 tratou sobre nulidades, os quais poderão ser aprofundados pelo leitor no estudo sobre a matéria.


375 § Art. 9º – Na IP poderão ser realizadas as diligências, permitidas em lei, necessárias aos esclarecimentos dos fatos sob apuração, notadamente:
I – propor, cautelarmente, à autoridade competente que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação;
II – solicitar a atuação de especialistas com conhecimentos técnicos ou operacionais, de órgãos e entidades públicos ou de outras organizações, para auxiliar na análise da matéria sob exame;
III – propor à autoridade competente a solicitação à Advocacia-Geral do Estado – AGE ou à unidade jurídica da empresa pública ou da sociedade de economia mista, das medidas judiciais necessárias para a investigação e para o processamento dos atos lesivos, inclusive de busca e apreensão, em território nacional ou no exterior;
IV – propor à autoridade competente a requisição do compartilhamento de informações tributárias da pessoa jurídica investigada, conforme previsto no inciso II do § 1º do art. 198 da Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
376 STF – AP nº 481, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.09.2014. Em idêntico sentido: HC nº 83.542, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 09.03.2004; HC nº 83.348, Relator: Min. Joaquim Barbosa, Primeira Turma, julgado em 21.10.2003.
377 RIBEIRO, Márcio de Aguiar. Responsabilização Administrativa de Pessoas Jurídicas à Luz da Lei Anticorrupção Empresarial. Belo Horizonte: FÓRUM Conhecimento Jurídico, 2017, p. 136.
378 FELIX, Renan Paes. Fraudes em Licitações: Uma abordagem pragmática.Revista do CNMP: improbidade administrativa, Brasília, n. 5, p. 227, 2012.
379 Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova.
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
§ 4o (VETADO)