2.6.3. ASSÉDIO MORAL

O assédio moral, na seara disciplinar mineira, é disciplinado pela Lei Complementar n° 116/2011, regulamentada pelo Decreto Estadual n° 47.528/2018. O art. 3° da referida Lei Complementar define a conduta ora em estudo:

Art. 3° – Considera-se assédio moral, para os efeitos desta Lei Complementar, a conduta de agente público que tenha por objetivo ou efeito degradar as condições de trabalho de outro agente público, atentar contra seus direitos ou sua dignidade, comprometer sua saúde física ou mental ou seu desenvolvimento profissional.
§ 1° – Constituem modalidades de assédio moral:
I – desqualificar, reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança ou a imagem de agente público, valendo-se de posição hierárquica ou funcional superior, equivalente ou inferior;
II – desrespeitar limitação individual de agente público, decorrente de doença física ou psíquica, atribuindo-lhe atividade incompatível com suas necessidades especiais;
III – preterir o agente público, em quaisquer escolhas, em função de raça, sexo, nacionalidade, cor, idade, religião, posição social, preferência ou orientação política, sexual ou filosófica;
IV – atribuir, de modo frequente, ao agente público, função incompatível com sua formação acadêmica ou técnica especializada ou que dependa de treinamento;
V – isolar ou incentivar o isolamento de agente público, privando-o de informações, treinamentos necessários ao desenvolvimento de suas funções ou do convívio com seus colegas;
VI – manifestar-se jocosamente em detrimento da imagem de agente público, submetendo-o a situação vexatória, ou fomentar boatos inidôneos e comentários maliciosos;
VII – subestimar, em público, as aptidões e competências de agente público;
VIII– manifestar publicamente desdém ou desprezo por agente público ou pelo produto de seu trabalho;
IX – relegar intencionalmente o agente público ao ostracismo;
X – apresentar, como suas, ideias, propostas, projetos ou quaisquer trabalhos de outro agente público;
(...) [incisos vetados]
XIV – valer-se de cargo ou função comissionada para induzir ou persuadir agente público a praticar ato ilegal ou deixar de praticar ato determinado em lei.

O assédio moral consiste, basicamente, em condutas perniciosas que atingem a higidez psicológica, a autoestima, a imagem, a honra ou a saúde emocional do agente público, perpetrado por superior hierárquico ou não, que resulte em menoscabo e desprezo à competência, à qualidade pessoal, ao modo de agir e pensar ou ao próprio trabalho desempenhado ou à pessoa que o executa. Como observa Mary-France Hirigoyen:

O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude [...] que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.92

O assédio moral não se confunde com meros atos de gestão, tampouco com o poder hierárquico vigente no cotidiano da Administração Pública. A chefia tem prerrogativas de organizar, ordenar, controlar e corrigir seus subordinados na prática de atos administrativos, adequando-os aos fins institucionais e ao interesse público.

Nesse sentido, não haverá assédio moral, por exemplo, no caso de exoneração ad nutum de servidor ocupante de cargo comissionado, salvo comprovada existência de abuso de poder (desvio de finalidade) ou incompatibilidade com o motivo que o determinou.

O assédio moral constitui infração disciplinar habitual, exigindo-se reiteração e sistematicidade das condutas assediadoras. Ademais, por tratar de questões, aparentemente, subjetivas, o dolo de assédio deve ser extraído de condutas materiais, realísticas, pela óbvia razão de não se poder ingressar na mente do transgressor para captar sua real vontade.

O assédio possui um pressuposto procedimental, consubstanciado na participação prévia da unidade de recursos humanos do órgão ou entidade de lotação do servidor, que providenciará, através de comissão específica, tentativa de conciliação entre assediado e assediador93.

Restando profícua a conciliação, será ela reduzida a termo e assinada pelas partes, constando as soluções acordadas (art. 14, §1°, do Decreto Estadual n° 47.528/2018). Lado outro, não havendo interesse das partes em participarem da conciliação, ou, ainda, restando infrutífera a tentativa conciliatória (art. 14, §2°, do Decreto), os elementos de informação serão remetidos à Ouvidoria-Geral do Estado - OGE, de forma digitalizada, no prazo máximo de cinco dias úteis.

A OGE, de posse dos documentos, os encaminhará à CGE, para que esta realize o juízo de admissibilidade acerca da existência ou não da materialidade fática e dos indícios de autoria, que, estando presentes, ensejarão a instauração de processo administrativo disciplinar (art. 16 do Decreto).

Se não verificados, de plano, indícios suficientes de autoria e materialidade, a CGE poderá realizar investigação preliminar para angariar os elementos bastantes à formação de sua convicção, seja para a deflagração do PAD, seja para o arquivamento do feito. Tais medidas preliminares se justificam pela natureza sensível e subjetiva do assédio moral, que, numa análise apressada, poderia indicar o não cometimento de ilícito. 

Concluído o juízo de admissibilidade, a CGE comunicará à OGE, no prazo de 30 (trinta) dias,
qual a providência adotada (instauração do PAD, arquivamento, realização de investigação
preliminar para a coleta de maiores indícios de materialidade).

Deflagrado o processo, que seguirá as mesmas disposições contidas na Lei Estadual n° 869/1952, a comissão atuará conforme descrito no Capítulo 4 deste Manual, que trata sobre o processo administrativo disciplinar. Pela especificidade da matéria, são necessárias algumas providências, como oitiva de eventuais testemunhas, verificação de existência de câmaras no local de trabalho, acesso a e-mails institucionais94, gravações ambientais95, além da realização de perícias, dentre outros.

Devidamente instruído o PAD, a comissão pode, ou não, indiciar o agente público, explanando de forma minudente os fatos verificados, de modo a propiciar o pleno exercício do direito de defesa pelo processado. Após o indiciamento e análise da defesa final, a comissão elaborará o Relatório Conclusivo, sugerindo uma das penalidades cabíveis, previstas no art. 17 do Decreto Estadual n° 47.528/2018, a saber: repreensão, suspensão e demissão.

Aos agentes detentores de cargo de provimento em comissão ou função gratificada, ao serem aplicadas quaisquer das sanções decorrentes de assédio moral, seus efeitos secundários serão obrigatoriamente aplicados, quais sejam, a perda do cargo ou da função e a proibição de ocupar cargo em comissão ou exercer função gratificada na Administração Pública Estadual pelo prazo de 5 (cinco) anos. Tais efeitos podem, contudo, ser mitigados na hipótese em que for firmado um compromisso de ajustamento disciplinar. Tais entendimentos foram sumulados pela CGE nos seguintes termos:

Súmula CGE nº 23, de 1º de abril de 2024.
Em sede de Processo Administrativo Disciplinar, a aplicação de qualquer das penalidades previstas nos incisos I, II e III do art. 4º da Lei Complementar nº 116/2011, atrai a incidência do art. 5º da mesma Lei, acarretando ao agente público, efetivo ou não, a perda do cargo em comissão ou função gratificada e a inabilitação para ocupá-los pelo prazo de 5 (cinco) anos, a contar do cumprimento integral da penalidade, mediante fundamentação expressa da autoridade competente.

(Publicada no Diário do Executivo de Minas Gerais de 03/04/2024, página 19)

Súmula CGE nº 22, de 1º de abril de 2024.
No caso de infração disciplinar decorrente da prática de assédio moral, prevista na Lei Complementar nº 116/2011, cuja natureza, gravidade, danos que provierem para o serviço público, circunstâncias e antecedentes funcionais do agente público possibilitem concluir pela aplicação da penalidade de repreensão ou suspensão, é possível a celebração do compromisso de ajustamento disciplinar, nos moldes do Decreto Estadual nº 48.418/2022, afastando-se a incidência do art. 5º da Lei Complementar nº 116/2011.
(Publicada no Diário do Executivo de Minas Gerais de 03/04/2024, página 19)

Na sugestão de penalidade a ser aplicada, serão considerados a natureza e gravidade do ilícito, os danos que dele provierem para o serviço público, as circunstâncias atenuantes e agravantes, bem como os antecedentes funcionais do servidor.


92 HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa do cotidiano. Tradução de Maria Helena Kühner. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. P. 17
93 Art. 13 – Compete à Comissão de Conciliação, sob coordenação da unidade setorial de recursos humanos do órgão ou da entidade de exercício do denunciante:
I – acolher e orientar o agente público que formalizar denúncia sobre prática de assédio moral;
II – realizar oitiva individual dos envolvidos na denúncia de assédio moral, verificando se existe interesse dos mesmos na conciliação;
III – solicitar aos envolvidos a indicação de entidade sindical, associação ou outro representante para acompanhar os trabalhos da Comissão de Conciliação, caso julguem necessário;
IV – notificar formalmente os agentes públicos envolvidos, constando data, horário e local da audiência de conciliação;
V – realizar a audiência de conciliação entre as partes envolvidas, propondo soluções práticas para os conflitos relatados.
§ 1º – A Comissão de Conciliação exercerá suas atividades com independência e imparcialidade, assegurado o sigilo necessário, a fim de preservar a intimidade das partes envolvidas.
§ 2º – A Comissão de Conciliação não se pronunciará sobre a caracterização ou não de assédio moral no caso concreto apresentado pelo denunciante, sem prejuízo da realização de recomendação de caráter gerencial.
§ 3º – Caso a denúncia envolva a autoridade máxima do órgão ou da entidade, Secretário Adjunto, Subsecretários, Chefes de Gabinete, e cargos equivalentes, de acordo com a estrutura do órgão ou da entidade, a OGE, por ato próprio, designará Comissão de Conciliação para a realização do procedimento conciliatório.
§ 4º – Para a conclusão das etapas previstas nos incisos I a V deverá ser observado o prazo máximo de vinte dias, prorrogáveis por igual período, mediante justificativa
.
94 Neste sentido, vide informativo n° 576 do STJ: DIREITO ADMINISTRATIVO. MONITORAMENTO DE E-MAIL CORPORATIVO DE SERVIDOR PÚBLICO. As informações obtidas por monitoramento de e-mail corporativo de servidor público não configuram prova ilícita quando atinentes a aspectos não pessoais e de interesse da Administração Pública e da própria coletividade, sobretudo quando exista, nas disposições normativas acerca do seu uso, expressa menção da sua destinação somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, bem como advertência sobre monitoramento e acesso ao conteúdo das comunicações dos usuários para cumprir disposições legais ou instruir procedimento administrativo [...]
95 Neste sentido, vide informativo n° 536 do STF: É lícita a gravação ambiental de diálogo realizada por um de seus interlocutores.