2.8.1. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL

No âmbito disciplinar, existe certa divergência em relação ao início da contagem do prazo prescricional. Alguns doutrinadores entendem que o marco inicial seria a ocorrência do fato, ao passo que outros consideram que seria a data de seu conhecimento pela Administração. O Estatuto dos Servidores Públicos de Minas Gerais prevê, no art. 258, o prazo prescricional da ação disciplinar, sem, contudo, definir de forma expressa, quando se iniciaria a contagem deste prazo99. O art. 218 estabelece, todavia, o dever da autoridade de promover a apuração imediata dos fatos.100

Diante da falta de previsão expressa no art. 258, e da determinação de apuração imediata pela autoridade disposta no art. 218, ambos da norma estadual, a Controladoria-Geral do Estado tem se valido da interpretação da jurisprudência para enfrentar essa lacuna. Entende-se, assim, que a contagem do prazo prescricional inicia-se na data do conhecimento dos fatos pela autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar. Tal posicionamento está consolidado no texto da Nota Técnica nº 06/2015:

Destarte, em que pese a existência de divergência, o entendimento que melhor se coaduna com os escopos da legislação é aquele no sentido de que a autoridade é aquela competente para instauração do Processo, haja vista que a iniciativa para apuração de irregularidades está vinculada, pela lei, a um grupo determinado de pessoas, de modo que, contar a prescrição a partir do conhecimento do fato por qualquer agente público, reduziria significativamente a efetividade do direito de sanção disciplinar do Estado.101

Em julgamentos nos quais enfrenta a matéria, o STJ considera o início da contagem do prazo prescricional o conhecimento dos fatos pela autoridade:

Processo AgRg no REsp 1183316 / RS - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0034683-5 Relator(a): Ministro JORGE MUSSI (1138) Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA. Data do Julgamento: 12/05/2015
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. ARTIGO 142 DA LEI N. 8.112/90. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I -O acórdão recorrido não seguiu a jurisprudência pacífica deste Superior Tribunal de Justiça que, interpretando o artigo 142, § 1º, da Lei n. 8.112/90, considera como termo inicial da prescrição, para aplicação da penalidade administrativa, a data da ciência da autoridade competente quanto às irregularidades praticadas pelo servidor.
II- Agravo regimental a que se nega provimento. Acórdão. Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Gurgel de Faria, Newton Trisotto (Desembargador Convocado do TJ/SC), Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. 102

ADMINISTRATIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. TERMO INICIAL. DATA DO CONHECIMENTO DO FATO PELA AUTORIDADE COMPETENTE PARA INSTAURAR O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRESCRIÇÃO AFASTADA. SÚMULA 83/STJ. PROVAS ILÍCITAS. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL PREJUDICADA.
1. A Lei 8.112/1990, ao versar sobre a prescrição da ação disciplinar (art. 142), prevê como seu termo inicial a data do conhecimento do fato pela autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar (§ 1º do art. 142), cujo implemento constitui causa interruptiva (§ 3º do art. 142). O Inequívoco conhecimento da autoridade hierarquicamente superior dá início ao decurso do prazo prescricional.
2. O Autor não logrou comprovar que as provas utilizadas pela Comissão de Inquérito instaurada no âmbito da Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União no Processo Administrativo Disciplinar.
[...].

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. DATA DA PRÁTICA DA CONDUTA ILEGAL. ART. 261 DO ESTATUTO DOS SERVIDORES ESTADUAIS DE SÃO PAULO. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. DECISÃO. Trata-se de recurso ordinário interposto por Douglas Eduardo Dualibi em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Na hipótese dos autos, o ora recorrente impetrou mandado de segurança contra ato do Corregedor Geral de Justiça do Estado de São Paulo proferido em procedimento administrativo – que impôs a sanção de multa pela prática de conduta atentatória a atividade notarial – por entender que não pode ser punido após a ocorrência da prescrição administrativa.
A Corte de origem denegou a segurança em acórdão assim sintetizado (e-STJ fl. 478): Processo Administrativo Disciplinar - Tabelião de Notas - Escritura pública de procuração irregular - Prescrição da punibilidade - Termo a quo. O prazo prescricional para a aplicação de penalidade administrativa inicia-se quando a autoridade competente para instaurar o processo administrativo disciplinar toma conhecimento de possível irregularidade a ser apurada. Segurança denegada. 42267005 Despacho / Decisão - DJe: 27/11/2014.103

Corroborando tal entendimento, o STJ editou a Súmula nº 635, cujo teor do enunciado é:

Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8.112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo toma conhecimento do fato, interrompem-se com o primeiro ato de instauração válido - sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar - e voltam a fluir por inteiro, após decorridos 140 dias desde a interrupção.

Considerando esse posicionamento, torna-se necessário definir o conceito de autoridade competente para delimitar a incidência da regra. O poder de punir disciplinarmente o servidor decorre da estrutura hierárquica do serviço público. A Constituição Estadual confere ao Governador a competência para aplicar sanções aos servidores que integram o Poder Executivo Estadual, podendo tal competência ser delegada. O art. 219 da Lei nº 869/1952 dispõe que as autoridades competentes para determinar a instauração do processo são os Secretários de Estado e os Diretores de Departamentos diretamente subordinados ao Governador:

Art. 219 - São competentes para determinar a instauração do processo administrativo os Secretários de Estado e os Diretores de Departamentos diretamente subordinados ao Governador do Estado.

Assim, qualquer dessas autoridades deve, após a ciência dos fatos, dar início ao procedimento cabível para apuração dos fatos, quando houver indício da ocorrência de ilícitos disciplinares.

Além das autoridades já referidas, o Decreto nº 48.687/2023104 confere à Controladoria-Geral do Estado, nos termos do art. 2º, a competência, como Órgão Central de Controle Interno do Poder Executivo, para instaurar ou requisitar a instauração de sindicância, processo administrativo disciplinar e outros processos administrativos em desfavor de qualquer agente público estadual, inclusive detentor de emprego público, e avocar os que estiverem em curso em órgão ou entidade da Administração Pública, promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível. 

Outro aspecto relevante em relação ao tema é definir o momento em que ocorre o efetivo conhecimento dos fatos pela autoridade competente. Os Tribunais têm considerado que a mera denúncia apócrifa (anônima) de irregularidade não é apta a ensejar a instauração de processo:

EMENTA: A INVESTIGAÇÃO PENAL E A QUESTÃO DA DELAÇÃO ANÔNIMA. DOUTRINA. PRECEDENTES. PRETENDIDA EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO, COM O CONSEQÜENTE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. DESCARACTERIZAÇÃO, NA ESPÉCIE, DA PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.
As autoridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução (penal ou disciplinar), apoiando-se, unicamente, para tal fim, em peças apócrifas ou em escritos anônimos. É por essa razão que o escrito anônimo não autoriza, desde que isoladamente considerado, a imediata instauração de “persecutio criminis”. [...] Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas.105

Dessa forma, sem elementos disponíveis (denúncias vagas ou imprecisas), sem um juízo preliminar sobre circunstâncias concretas (delimitação do período e do local em que os fatos
possivelmente ocorreram), não é exigível que Administração opte pela instauração de procedimento disciplinar, por ser inviável formular um juízo sobre a probabilidade da existência do ilícito. Igual entendimento não dispensa que a Administração inicie procedimento preliminar a fim de delimitar os fatos sobre a existência do possível ilícito. Nesse sentido, somente após a delimitação do fato irregular se falaria em início do prazo prescricional.


99 Art. 258 – As penas de repreensão, multa e suspensão prescrevem no prazo de dois anos e a de demissão, por abandono de cargo, no prazo de quatro anos.
100 Art. 218 - A autoridade que tiver ciência ou notícia da ocorrência de irregularidades no serviço público é obrigado a promover-lhe a apuração imediata por meio de sumários, inquérito ou processo administrativo.
101 CONTROLADORIA-GERAL DO ESTADO. Nota Técnica nº 06/2015, de 27 de abril de 2015. Trata-se de um estudo acerca do instituto jurídico da prescrição no âmbito disciplinar estatal, tendo como escopo a sua aplicação nas diversas fases que compõem a apuração dos ilícitos administrativos disciplinares. Belo Horizonte. 2015. P. 13.
102 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Quinta Turma. Processo AgRg no REsp 1183316 / RS - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2010/0034683-5 Relator: Ministro JORGE MUSSI, 2015.
103 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso em Mandado de Segurança nº 46.429. SP (2014⁄0224817-1). Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Brasília, 27 de novembro de 2014.
104 Art. 2º – A CGE, órgão permanente diretamente subordinado ao Governador do Estado, tem por finalidade o exercício das funções de fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nos termos da Constituição do Estado, e das atividades atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, ao incremento da transparência e do acesso à informação e ao fortalecimento da integridade, do controle social e da democracia participativa. [...] instaurar ou requisitar a instauração de sindicância, processo administrativo disciplinar e outros processos administrativos em desfavor de qualquer agente público estadual, inclusive detentor de emprego público, e avocar os que estiverem em curso em órgão ou entidade da Administração Pública, promovendo a aplicação da penalidade administrativa cabível, se for o caso;

105 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HC 100042-MC/RO. Relator: Min. Celso de Mello. Informativo STF nº 565. Brasília, 26 a 30 de outubro de 2009.