2.8.2. PRESCRIÇÃO ANTES DA INSTAURAÇÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

A prescrição pode ocorrer antes ou depois da instauração do PAD, momento em que o prazo  prescricional é interrompido. A prescrição que ocorre antes da instauração do PAD, chamada pela doutrina de prescrição direta, se dá quando, depois da data da ciência dos fatos pela Administração, tiver transcorrido lapso temporal maior do que aquele considerado como limite para a instauração de procedimento punitivo.

Para solucionar essa questão, a Corregedoria-Geral tem utilizado a seguinte diretriz. A partir da data de ciência dos fatos pela autoridade competente, conta-se o prazo relativo à penalidade, em tese, a ser aplicada: dois anos para as penas de repreensão e suspensão; quatro anos para a pena de demissão motivada pelo abandono de cargo (art. 258 do Estatuto); cinco anos para as penas de demissão e demissão a bem do serviço público (exceto crime).

Assim, quando uma conduta sancionada pelo Direito Administrativo Disciplinar também configurar-se como crime, os prazos prescricionais aplicáveis são aqueles estabelecidos nos artigos 109 e 110 do Decreto-Lei n° 2.848/1940 - Código Penal. Essa regra implica que, independentemente da sanção administrativa imposta (seja demissão ou suspensão), a prescrição será regida pelos prazos do Direito Penal, considerando-se a natureza penal da infração.

A Advocacia-Geral do Estado, por meio do Parecer nº 16.114, de 5 de agosto de 2019, já se manifestou no seguinte sentido:

SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR/SINDICÂNCIA ADMINISTRATIVA. PENA DE DEMISSÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. TESE JURÍDICA FIXADA EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS. DECISÃO NÃO TRANSITADA EM JULGADO. PENDENTE JULGAMENTO DE RECURSOS. MANUTENÇÃO DO POSICIONAMENTO ADOTADO NOS PARECERES AGE/CJ Nº 15.616/2016 (PARCIALMENTE REVISTO) E 15.917/2017. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA TIPIFICADA COMO CRIME. UTILIZAÇÃO DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO PENAL. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. DESNECESSIDADE DO INÍCIO DA PERSECUÇÃO
PENAL. REVISÃO PARCIAL DA NOTA JURÍDICA AGE/CJ Nº 4.702/2016. 1. No julgamento do IRDR n. 0380028-83.2016.8.13.0000 foram firmadas, pelo TJMG, teses jurídicas relativas ao processo administravo disciplinar no âmbito da Polícia Civil. Contudo, referida decisão ainda não transitou em julgado, estando sua eficácia suspensa em virtude da interposição de Recurso Especial que, no caso, por previsão legal expressa, tem efeito suspensivo. 2. Sendo assim, no momento, a aplicação das referidas teses não é obrigatória, razão pela qual se rafica, até decisão definiva em sendo contrário, o posicionamento contido nas manifestações já expendidas pela AGE acerca do tema. 3. Em relação aos ilícitos administravos que configuram crimes, a utilização dos prazos prescricionais previstos na legislação penal independe do início da persecução penal. (Grifei)

E ainda, na fundamentação do referido parecer, consignou que:

28. Viável juridicamente, portanto, que a Administração continue a adotar o prazo prescricional de 5 anos previsto no Decreto nº 20.910/32 para as hipóteses em que a pena cabível seja a demissão (exceto, por óbvio, no caso de abandono de cargo). Em relação às infrações administrativas capituladas como crimes, defensável a aplicação (até decisão judicial definitiva em sentido diverso) dos prazos prescricionais previstos na lei penal.
29. Feitas tais ponderações, permanece sem análise apenas o último questionamento formulado, qual seja: Se mantido o entendimento no sentido da aplicação da lei penal em tais casos - infrações tipificadas como crime -, seria exigível a apuração do fato ou início da persecução penal na esfera  criminal?
30. Esta Consultoria já se pronunciou sobre o assunto, tendo se posicionado, por meio na Nota Jurídica AGE/CJ nº 4.702/2016, no sentido de que:
Assim, de forma específica e como resposta aos questionamentos propostos, opino: (...) 3) Pela possibilidade de aplicação dos prazos prescricionais previstos na legislação penal aos ilícitos administrativos que também sejam capitulados como crime, desde que iniciada a persecução penal e independentemente de já ter sido prolatada sentença. Desse modo, caso ainda não haja sentença no âmbito criminal, a prescrição na via administrativa deve ser regulada pela pena máxima prevista para o crime, observados os parâmetros estabelecidos pelo art. 109 do Código Penal. Caso haja sentença transitada em julgado (ainda que apenas para a acusação), os prazos prescricionais na via administrativa passam a se regular pela pena efetivamente aplicada.
31. Apesar disso, renovada a pesquisa acerca do ponto suscitado, percebe se que o STJ, em julgado recente, passou a adotar orientação diversa. Senão vejamos:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRAZO. PRESCRIÇÃO. LEI PENAL. APLICAÇÃO ÀS INFRAÇÕES DISCIPLINARES TAMBÉM CAPITULADAS COMO CRIME. ART. 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990. EXISTÊNCIA DE APURAÇÃO CRIMINAL. DESNECESSIDADE. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS ADMINISTRATIVA E PENAL. PRECEDENTES DO STF. SEDIMENTAÇÃO DO NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA SEÇÃO SOBRE A MATÉRIA. PRESCRIÇÃO AFASTADA NO CASO CONCRETO. WRIT DENEGADO NO PONTO DEBATIDO. 1. Era entendimento dominante desta Corte Superior o de que "a aplicação do prazo previsto na lei penal exige a demonstração da existência de apuração criminal da conduta do Servidor. Sobre o tema: MS 13.926/DF, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 24/4/2013; MS 15. 462/DF, Rel. Min. Humberto Marns, DJe 22/3/2011 e MS 13.356/DF, Rel. Min. Sebasão Reis Júnior, DJe 1º/10/2013". 2. Referido posicionamento era adotado tanto pela Terceira Seção do STJ - quando tinha competência para o julgamento dessa matéria - quanto pela Primeira Seção, inclusive em precedente por mim relatado (MS 13.926/DF, DJe 24/4/2013). 3. Ocorre que, em precedente recente (EDv nos EREsp 1.656.383-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 27/6/2018, DJe 5/9/2018), a Primeira Seção superou seu posicionamento anterior sobre o tema, passando a entender que, diante da rigorosa independência das esferas administrativa e criminal, não se pode entender que a existência de apuração criminal é pré-requisito para a utilização do prazo prescricional penal. 4. Não se pode olvidar, a propósito, o entendimento unânime do Plenário do STF no MS 23.242-SP (Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 10/4/2002) e no MS 24.013-DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 31/3/2005), de que as instâncias administrativa e penal são independentes, sendo irrelevante, para a aplicação do prazo prescricional previsto para o crime, que tenha ou não sido concluído o inquérito policial ou a ação penal a respeito dos fatos ocorridos. 5. Tal posição da Suprema Corte corrobora o entendimento atual da Primeira Seção do STJ sobre a matéria, pois, diante da independência entre as instâncias administrativa e criminal, fica dispensada a demonstração da existência da apuração criminal da conduta do servidor para fins da aplicação do prazo prescricional penal. 6. Ou seja, tanto para o STF quanto para o STJ, para que seja aplicável o art. 142, § 2º da Lei n. 8.112/1990, não é necessário demonstrar a existência da apuração criminal da conduta do servidor. Isso porque o lapso prescricional não pode variar ao talante da existência ou não de apuração criminal, justamente pelo fato de a prescrição estar relacionada à segurança jurídica. Assim, o critério para fixação do prazo prescricional deve ser o mais objetivo possível - justamente o previsto no dispositivo legal referido -, e não oscilar de forma a gerar instabilidade e insegurança jurídica para todo o sistema. 7. A inexistência de notícia nos autos sobre a instauração da apuração criminal quanto aos fatos imputados à impetrante no caso concreto não impede a aplicação do art. 142, § 2º, da Lei n. 8.112/1990. 8. O prazo prescricional pela pena em abstrato prevista para os crimes em tela, tipificados nos arts. 163, 299, 312, § 1º, 317, 359-B e 359-D do Código Penal (cuja pena máxima entre todos é de doze anos), é de 16 (doze) anos, consoante o art. 109, inc. II, do Código Penal. 9. Por essa razão, fica claro que o prazo prescricional para a instauração do processo administrativo disciplinar não se consumou, uma vez que o PAD foi instaurado em 7/8/2008, sendo finalizado o prazo de 140 dias para sua conclusão em 26/12/2008, e a exoneração da impetrante do cargo em comissão foi publicada em 2 de janeiro de 2014. 10. Mandado de segurança denegado no ponto debatido, com o afastamento da prejudicial de prescrição, devendo os autos retornarem ao Relator para apreciação dos demais pontos de mérito. (grifei - MS 20857 / DF – Relator para o acórdão Ministro Og Fernandes – Dje 12/06/2019)
(...)
33. Modificando-se o entendimento até então vigente a respeito da questão, chegou-se à compreensão segundo a qual, à vista da independência entre as instâncias administrativa e penal, a definição do prazo prescricional a ser aplicado na apuração de determinada falta funcional não pode ficar vinculada à existência de apuração penal. Tal prazo deve ser fixado tão somente em razão da 92 Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais conduta, independente da atuação/inércia dos órgãos responsáveis pela persecução penal.
34. Cabe mencionar que tal decisão não possui caráter vinculante, contudo, evidencia uma tendência, já que pontuada expressamente no voto a mudança da orientação acerca do tema.
35. Importante notar, ainda, que o julgado foi proferido no âmbito da Primeira Seção do STJ que, atualmente é o órgão competente para apreciação de processos relativos a servidores públicos (conforme artigo 9º do Regimento Interno do STJ)[1]. Da leitura da certidão de julgamento colhe-se que o novo posicionamento foi adotado por 6 dos Ministros que proferiram voto[2]. Tal situação, por certo, sinaliza que esse será o entendimento dominante no referido órgão julgador, mantida a composição atual.
36. Nesses termos, considerando que a legislação estadual não cuida do assunto (de modo que até mesmo a utilização dos prazos prescricionais previstos na lei penal é uma construção, a partir da legislação federal), recomendável que a Administração passe, a partir dessa manifestação, a conduzir os processos administrativos disciplinares em conformidade com o entendimento jurisprudencial demonstrado na fundamentação supra, desvinculando a atuação na seara administrativa da atuação dos órgãos responsáveis pela apuração criminal.

O Superior Tribunal de Justiça - STJ, quanto ao tema tem se manifestado no seguinte sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PAD. ATO DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. SERVIDOR QUE, NA ATIVA, COMETEU INFRAÇÃO PUNÍVEL COM DEMISSÃO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS TAMBÉM TIPIFICADAS COMO CRIME. APLICAÇÃO DO 142, § 2º, DA LEI N. 8.112/1990. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. DECISÃO QUE APLICOU A PENALIDADE DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. SEGURANÇA DENEGADA. 1.Sendo as infrações administrativas em análise também tipificadas como ilícitos penais, considera-se o crime de maior gravidade para a contagem do prazo prescricional, a teor do disposto no § 2º do art. 142 da Lei 8.112/1990, que estabelece a observância do prazo de prescrição previsto na Lei Penal "às infrações disciplinares capituladas também como crime". (...) Precedentes. 6. Segurança denegada. (MS n. 22.131/DF, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 25/9/2024, DJe de 1/10/2024.)

No que diz respeito ao termo inicial da prescrição, em situações nas quais a infração também é configurada como crime, observa-se uma distinção entre o entendimento adotado no âmbito penal e aquele prevalente no campo administrativo disciplinar. Enquanto no direito penal o prazo prescricional inicia-se a partir da data em que o crime foi cometido, no contexto administrativo disciplinar o marco inicial para a contagem da prescrição é a data em que a autoridade competente toma ciência do fato, ou seja, o momento em que o ilícito chega ao conhecimento da administração pública.

A Lei Estadual nº 869/1952 não dispõe sobre o prazo prescricional para a aplicação da pena de demissão ou de demissão a bem do serviço público. O art. 258 se refere apenas ao prazo de quatro anos para aplicação da sanção nos casos de abandono de cargo.

A Advocacia-Geral do Estado enfrentou a questão no Parecer AGE nº 15.616/2016, no qual se reconheceu o prazo prescricional de cinco anos para a pena de demissão, com fundamento no Decreto nº 20.910/1932, que regula a prescrição quinquenal para a Administração. O Parecer teve como base julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, relativo ao Mandado de Segurança nº 1.000.15.094006-2/000, publicado em 28/09/2016.

Assim, desde a edição deste documento, a CGE vem adotando o entendimento segundo o qual prescrevem em cinco anos os ilícitos sujeitos às penas de demissão e demissão a bem do serviço público. Decorrido esse período sem que tenha sido instaurado o processo administrativo disciplinar, o procedimento deve ser arquivado, por ter ultrapassado o tempo previsto para prescrição da punibilidade. Observa-se que a instauração de sindicância ou outro procedimento investigatório não interrompe o prazo prescricional, o que só ocorre com a instauração de procedimento punitivo.