5.2.8.1. VALORAÇÃO E ÔNUS

No Direito, a valoração da prova, isto é, o grau de influência que cada prova terá na formação do juízo definitivo do julgador, baseia-se no princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional, aplicável a todos os ritos processuais, com exceção do tribunal do júri. Sobre o livre convencimento motivado, o CPC e o CPP dispõem o seguinte:

Código de Processo Civil
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

Código de Processo Penal
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

De acordo com o princípio do livre convencimento motivado, como o próprio nome sugere, o julgador está livre para valorar as provas de acordo com o seu convencimento, desde que se atenha às provas dos autos.

Não existe um tipo de prova mais importante que o outro. Não há prova que se sobreponha em relação às demais, pois essa valoração se dá no contexto de cada caso concreto.

 

Nessa perspectiva, o julgador deve fundamentar as suas decisões com base nas provas produzidas sob o crivo do contraditório e do devido processo legal. Na Lei n° 869/1952, o § 1°, do art. 227, dispõe que, no relatório final da comissão, o trio processante:

[...] apreciará em relação a cada indiciado, separadamente, as irregularidades de que forem acusados, as provas colhidas no processo, as razões de defesa, propondo, então, justificadamente, a absolvição ou a punição, e indicando, neste caso, a pena que couber.

Conforme esse dispositivo, no Processo Administrativo Disciplinar também prevalece o livre convencimento do julgador conforme as provas apresentadas. O Estatuto menciona expressamente o dever da comissão de basear suas conclusões nas provas dos autos e encaminhá-las de maneira fundamentada à autoridade julgadora. A autoridade também estará livre para a apreciação do conjunto probatório dos autos, também de maneira fundamentada. Segundo Léo da Silva Alves:

O princípio da livre convicção da prova norteia, também, os processos disciplinares. Não há hierarquia de provas. Nenhuma é mais importante que a outra, em razão da sua natureza. A autoridade administrativa, como o juiz, fará a apreciação livremente,atribuindo a cada prova o valor que lhe parecer adequado. Evidentemente, fundamentando o seu convencimento.204

No que tange ao ônus da prova, o CPC e o CPP dispõemo que segue:

Código de Processo Civil
Art. 373. O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
§ 1° Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
§ 2° A decisão prevista no § 1° deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
§ 3° A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:
I - recair sobre direito indisponível da parte;
II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. 

§ 4° A convenção de que trata o § 3° pode ser celebrada antes ou durante o processo.

Código de Processo Penal
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de
ofício:
I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

Como se vê, o ônus da prova, em regra, pertence a quem alega o fato ou o ocorrido. Porém, o juiz pode determinar a sua inversão quando demonstrado que a prova se encontra em poder de outra parte ou quando a sua produção pela outra parte seja mais fácil.

A doutrina explica que, na esfera judicial, o ônus da prova não é uma obrigação e sim um encargo (responsabilidade de provar o fato alegado ou ocorrido). A parte que não apresentar provas não terá qualquer punição, apenas correrá o risco de não ter sua demanda atendida.

A prova não constitui uma obrigação ou um dever e sim um ônus, um encargo. [...] O ônus propicia a alternativa ao titular, que poderá atendê-lo ou não; se não o fizer sofrerá o prejuízo decorrente de sua inação; de outro lado, a obrigação emerge de um comando legal que o obrigado tem o dever de cumprir. [...] A prova é, portanto, um ônus processual. Deve-se compreender o ônus da prova como a responsabilidade da parte, que possui o interesse em vencer a demanda, na demonstração da verdade dos fatos alegados, de forma que, não o fazendo, sofre a ‘sanção processual’, consistente em não atingir a sentença favorável ao seu desiderato205.

No Direito Administrativo Disciplinar, em que o Estado é o autor e o julgador ao mesmo tempo, o ônus da prova incumbe à Administração Pública, que é quem alega a ocorrência de um ilícito. Por isso, a comissão tem a incumbência de verificar, no âmbito do processo, a verdade dos fatos, buscando provas quanto à ocorrência ou não do ilícito, a fim de auxiliar a autoridade julgadora no seu convencimento. Como explica Marcos Salles Teixeira:

Como corolário do princípio da presunção da inocência, ratifica-se a máxima jurídica de que o ônus da prova incumbe a quem acusa. Assim, no processo disciplinar, cabe à Administração (como regra, na figura da comissão disciplinar) comprovar o teor da acusação que pesa contra o servidor e que motivou a instauração de ofício, em se inclui o ônus de comprovar a autoria, a materialidade, o ânimo subjetivo culposo ou doloso e a culpabilidade, sendo certo que isto não se confunde com o ônus do próprio servidor em comprovar as alegações por ele eventualmente apresentadas em sua defesa ou em qualquer outro momento processual, tais como de excludentes de ilicitude ou de culpabilidade e álibis206.

Dessa forma, cabe à Administração Pública, por meio da comissão processante, verificar a veracidade dos fatos e a ocorrência, ou não, do ilícito. No entanto, quando o acusado alegar determinado fato, cabe a este a sua comprovação, devendo a comissão valorar aquela prova diante do contexto probatório.


204 ALVES, Léo da Silva. Prática de processo disciplinar. Editora Brasília Jurídica, 2001. P. 485.

205 BARROS, Antonio Milton de. Da prova no processo penal: apontamentos gerais, São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001, págs. 6-7.
206 TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Escritório de Direitos Autorais - RJ/Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura. 2023. P. 698. Acesso em 28 out. 2023.