5.2.9.4. ESPÉCIES DE PROVAS ORAIS
• depoimento (testemunha);
• declarações (denunciante, representante e ofendido);
• informações (interessado na lide e menor de idade); e
• interrogatório (acusado).
a) Depoimento (testemunha)
No Processo Administrativo Disciplinar, como já mencionado, prevalece o formalismo moderado. Porém, a fim de evitar nulidades ou a repetição de atos, a comissão deve se atentar para questões primordiais na inquirição de testemunhas.
Antes de arrolar as testemunhas, deve-se verificar o que as possíveis inquirições poderão auxiliar na elucidação dos fatos. Definido o rol, deve-se levantar as principais informações pessoais e profissionais das testemunhas, a fim de se verificar, preliminarmente, se não há impedimento – evitando-se, assim, possíveis contraditas da defesa.
A comissão deve ter uma previsão quanto à duração média das oitivas, estipulando intervalos para que as testemunhas não tenham contato umas com as outras antes ou depois de serem ouvidas. No agendamento das audiências, deve-se ater também à ordem de inquirição das testemunhas. A legislação estadual não apresenta regra específica quanto a isso, mas, aplicando-se subsidiariamente a regra do art. 400 do Código de Processo Penal, devem ser ouvidas, em primeiro lugar, as testemunhas arroladas pela comissão, e, em seguida, as arroladas pela defesa.
Caso essa ordem não seja respeitada, não haverá nulidade da prova, pois não há previsão expressa em lei. No entanto, sugere-se que as oitivas sejam realizadas nessa ordem para fins de padronização dos processos conduzidos no âmbito estadual.
Iniciando-se a audiência, o secretário da comissão deve, em primeiro lugar, solicitar à testemunha um documento de identificação e, na sequência, transcrever sua qualificação no termo de depoimento.
Em seguida, deve-se tomar o compromisso da testemunha. O presidente da comissão perguntará se ela tem algum motivo que a impeça de depor na forma da lei (hipóteses de suspeição ou impedimento, que foram tratadas no tópico 4.2.9.2.1). Se a resposta for negativa, a testemunha deverá ser advertida do seu dever de dizer a verdade, sob pena de incorrer no crime de falso testemunho (art. 342 do Código Penal).
Caso a testemunha se declare impedida ou suspeita, a comissão deve verificar a necessidade de ouvi-la ou não, podendo dispensá-la ou inquiri-la como declarante, ou seja, sem compromisso de dizer a verdade.
Passada essa etapa, passam-se às perguntas, na seguinte ordem:
1) Perguntas da comissão (presidente, vogal, secretário);
2) Perguntas do acusado, se desacompanhado, ou do seu advogado/defensor;
3) Esclarecimentos finais da testemunha, se desejar (deve-se perguntar se ela deseja acrescentar algo, em relação aos fatos em apuração).
Em processos com mais de um acusado, com advogados diferentes, a testemunha deve ser interpelada por todos. Caso o acusado esteja acompanhado de seu advogado, apenas este fará as perguntas. Tratando-se de testemunhas arroladas pela defesa, a comissão fará as perguntas em primeiro lugar, franqueando a palavra, em seguida, à defesa que arrolou a testemunha, e, logo após, aos demais acusados/procuradores. Essa sequência poderá ser estabelecida antes do início da audiência.
As perguntas devem ser feitas de maneira objetiva e clara, de forma que a testemunha, de acordo com o seu grau de instrução e conhecimento, tenha condições de entender e responder. Todas as respostas relevantes para a instrução devem ser transcritas para o termo, também de forma clara e objetiva, expressando exatamente o que a testemunha declarou.
Após constar um conjunto de respostas no termo, recomenda-se ler em voz alta o que foi transcrito, perguntando à testemunha se ela está de acordo com o teor.
Ressalta-se que o depoimento é da testemunha. Assim, mesmo que os seus relatos não estejam de acordo com o que a comissão e a defesa sabem dos fatos, deve-se colocar no termo exatamente o que foi declarado, sem induzir ou manipular as respostas.
Se as perguntas feitas pelo acusado ou pelo advogado não forem claras ou induzirem a uma determinada resposta, o presidente deve solicitar ao advogado que as refaça ou, sendo mais prudente, deve indeferi-las, constando todas essas ocorrências no termo de depoimento. Poderão também ser indeferidas, de forma fundamentada, as perguntas manifestamente impertinentes ou repetidas.
Finalizada a inquirição, o termo deve ser lido em voz alta. Estando a testemunha de acordo com o seu teor, o termo é impresso e assinado pela testemunha, pelos membros da comissão, pelos acusados e advogados presentes.
Sendo o termo colhido ou produzido dentro do Sistema Eletrônico de Informações – SEI, seguindo as diretrizes do Processo Administrativo Eletrônico (PAD-e), as partes devem, após a leitura, assiná-lo eletronicamente.
O termo de depoimento deve retratar com maior fidelidade possível o que transcorreu durante a audiência. Caso, ao final da leitura, a testemunha deseje retificar algo que disse anteriormente, o ideal é que não se apague o que foi dito. Em vez disso, deve-se acrescentar a retificação ao final do termo, informando que, após a leitura, a testemunha solicitou a retificação de determinada parte de seu depoimento.
Sendo a audiência presencial, caberá ao vogal da comissão conduzir a testemunha até a saída, evitando que esta tenha contato com outra que esteja aguardando para ser ouvida.
b) Declarações (denunciante, representante ou ofendido)
Quando inquiridos no Processo Administrativo Disciplinar, o denunciante, o representante e o ofendido prestam declarações, e não depoimento. Nesse sentido, por terem interesse no processo, não prestam o compromisso de dizer a verdade, como as testemunhas. Entretanto, aplica-se, no que couber, o que foi explicado no item “a” deste tópico (4.2.9.4), referente ao depoimento das testemunhas.
Assim, antes da inquirição, a comissão deve adotar as mesmas providências preliminares que foram mencionadas para a oitiva das testemunhas (verificar a qualificação, analisar a documentação para verificar em que podem contribuir para a apuração dos fatos, etc).
Deve-se proceder à qualificação do declarante e, em seguida, fazer as perguntas, seguindo o rito da forma indicada no item “a”. Ressalta-se, novamente, que a Comissão não deve pedir ao Declarante que se comprometa em dizer apenas a verdade sobre os fatos que lhe forem perguntados. A declaração do denunciante, representante ou ofendido deve ocorrer antes das oitivas das testemunhas, pois eles poderão auxiliar a comissão quanto às perguntas a serem feitas às testemunhas e aos acusados.
O denunciante, o representante e o ofendido não são parte no processo e, portanto, não têm o direito de acompanhar as fases do PAD ou de obter cópia dos autos. Trata-se de colaboradores da Administração Pública. Diante disso, mesmo que essas pessoas decidam se retratar ou dizer que não querem que se apure os fatos, estes deverão ser investigados pela Administração, por se tratar de um poder-dever da autoridade competente.
Por outro lado, se, ao final da apuração, a Administração constatar que os fatos são infundados e que a intenção do denunciante, representante ou ofendido era apenas atingir o acusado, a comissão deve recomendar à autoridade o encaminhamento de cópia dos autos ao Ministério Público, para apreciação quanto à ocorrência de possível crime de denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal). Se o denunciante, representante ou ofendido for servidor integrante dos quadros da Administração Pública Estadual, deve-se verificar a pertinência de se instaurar um Processo Administrativo Disciplinar para apurar a sua conduta, que, nos termos da Lei nº 869/52222, pode, em tese, configurar deslealdade às instituições constitucionais e administrativas, inobservância das normas legais e regulamentares e falta grave. A seguir, um julgado sobre a matéria:
PENAL. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. ART. 339, CAPUT, DO CP. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. PRERROGATIVA DE FORO. PRELIMINARES AFASTADAS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS.
1. Verificando-se que denunciação caluniosa diz respeito à honra dos servidores públicos federais da Justiça do Trabalho, no exercício de suas funções, a Justiça Federal é a seara competente para julgar o crime sub judice.
2. Com a declaração de inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002, não há falar em prerrogativa de foro para ex-ocupantes de cargos públicos ou de ex-titulares de mandato eletivo. Precedentes do STF.
3. Resta caracterizado o delito de denunciação caluniosa (art. 339 do CP) na medida em que comprovado nos autos que o réu, de forma livre e consciente, deu causa a instauração de investigação policial e administrativa, contra servidores públicos federais, imputando-lhes crime de que sabe serem inocentes223.
c) Informações (interessado na lide e menor de idade)
Conforme mencionado, algumas pessoas arroladas pela comissão ou pela defesa podem ter algum impedimento para depor. Por isso, não prestam o compromisso legal de dizer a verdade. No entanto, caso a comissão e/ou a defesa tenham interesse em ouvi-las, elas prestarão informações, e não depoimento. Assim, estas pessoas não poderão ser responsabilizadas penal ou administrativamente se verificado que o que disseram não é verdadeiro ou, ainda,se tentaram, com suas declarações, auxiliar ou prejudicar o acusado.
As hipóteses de impedimento e suspeição foram expostas no tópico 4.2.9.2.1 (arts. 447 e 448 do CPC, arts. 203, 206, 207 do CPP). Aplica-se à oitiva dos interessados na lide e dos menores de idade o que foi apresentado na letra “a” do tópico 4.2.9.3, a respeito do depoimento da testemunha. A oitiva dessas pessoas é lavrada em termo de declarações, no qual é importante constar, de forma expressa, qual situação de impedimento ou suspeição foi arguida ou declarada. A comissão deve ter cautela em valorar essa prova, cotejando-a com o conjunto probatório do processo, uma vez que, diante da existência de causas de impedimento ou de suspeição, as informações fornecidas por essas pessoas poderão estar maculadas.
d) Interrogatório (acusado)
Os acusados, em Processo Administrativo Disciplinar, prestam declarações, e não depoimento. No interrogatório, o acusado deve ser qualificado e, em seguida, informado pelo presidente da comissão dos fatos que lhe são imputados. Posteriormente, considerando o princípio constitucional da não autoincriminação, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo (art. 5°, inciso LXIII, da Constituição Federal224 e art. 186 do Código de Processo Penal225), o acusado deve ser informado do direito de se manter calado em seu interrogatório, podendo responder apenas as perguntas que desejar.
Caso o acusado manifeste o interesse de permanecer calado durante todo o interrogatório, caberá à comissão processante registrar a opção no Termo de Declarações, colher assinatura de todos os presentes e encerrar imediatamente a audiência. Porém, se o acusado manifestar o interesse de não responder a determinada pergunta, deverá a comissão constar no termo a pergunta realizada e a negativa do servidor em responder, prosseguindo-se com o interrogatório. Tal assertiva encontra fundamento na Lei nº 13.869/2019226 (Lei de Abuso de Autoridade), que assim dispõe:
Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem prossegue com o interrogatório:
I - de pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio; ou
II - de pessoa que tenha optado por ser assistida por advogado ou defensor público, sem a presença de seu patrono.
Aplicam-se ao interrogatório as regras do depoimento, apresentadas na letra “a“ deste tópico (4.2.9.4). Como esclarecido em relação às testemunhas e aos demais inquiridos, a comissão deve se preparar para o interrogatório, verificando nos autos quais provas (documentais, periciais e testemunhais) demonstram a participação do acusado nos fatos apurados, formulando, desse modo, as perguntas a serem realizadas em audiência.
O interrogatório é ato personalíssimo, faculdade do acusado. É fonte de prova e, ao mesmo tempo, instrumento de autodefesa. Por ser matéria de defesa, deve ser o último ato da instrução do processo, antes de eventual indiciamento.
TJ-MT - Apelação APL 00027222020088110042 130358/2014 (TJ-MT)
Ementa: RECURSOS DE APELAÇÃO CRIMINAL – RÉ CONDENADA PELO CRIME CAPITULADO NO ART. 184 , § 2º , DO CP – DEFESA E MINISTÉRIO PÚBLICO ASSEREM A NULIDADE DA SENTENÇA – SUPOSTO CERCEAMENTO DE DEFESA DERIVADO DO JULGAMENTO SEM AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO – PROCEDÊNCIA – MANIFESTA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO – VULNERAÇÃO AO ARTIGO 564 , III, E, DO CPP – ANULAÇÃO INTEGRAL DA SENTENÇA – RECURSOS PROVIDOS. Resta caracterizada a nulidade absoluta da sentença, por perspícua violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, quando exarada sem a realização de audiência de instrução e sem a intimação da ré para exercer o seu direito de autodefesa. (Ap. 130358/2014 TJ-MT, DES. ALBERTO FERREIRA DE SOUZA, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 30/09/2015, Publicado no DJE 08/10/2015)
Sobre a natureza jurídica do interrogatório, Guilherme de Souza Nucci observa que:
[...] é meio de prova e defesa, primordialmente; em segundo plano, é meio de prova. Esta última é a posição que adotamos. Note-se que o interrogatório é, fundamentalmente, um meio de defesa, pois a Constituição assegura ao réu o direito ao silêncio. Logo, a primeira alternativa que se avizinha ao acusado é calar-se, daí não advindo consequência alguma. Defende-se apenas. Entretanto, caso opte por falar, abrindo mão do direito ao silêncio, seja lá o que disser, constitui meio de prova inequívoco, pois o magistrado poderá levar em consideração suas declarações para condená-lo ou absolvê-lo227.
O acusado deve ter acesso a todas as provas produzidas nos autos antes do seu interrogatório. Porém, a doutrina e a jurisprudência entendem possível a realização de mais de um interrogatório, caso haja necessidade (art. 196 do Código de Processo Penal228). Ou seja, pode-se interrogar o acusado no início da instrução e, novamente, ao final desta:
Antolha-se fundamental, com efeito, que o interrogatório seja realizado depois de colhidas todas as outras provas, quando já encerrada a atividade instrutória, com o objetivo de permitir ao servidor acusado a ampla visão do quadro probatório reunido e o melhor exercício de sua autodefesa, o que não torna viciada a oitiva logo no início da instrução, desde que seja repetido o ato processual quando finda a colheita de provas. O Superior Tribunal de Justiça afirmou, recentemente, que o acusado deve ter conhecimento dos fatos que lhe são inquiridos durante o interrogatório, a bem da amplitude de defesa.229
Considerando que o acusado não tem a obrigação de dizer a verdade, as suas declarações devem ser apreciadas em conjunto com as demais provas constantes nos autos. Isso deve ocorrer mesmo diante de uma confissão, uma vez que nenhuma prova é absoluta, devendo, portanto, ser apreciada diante de todo o conjunto probatório.
d.1) Não comparecimento do acusado ao interrogatório
Como já afirmado, o interrogatório, em sua compreensão atual, é um meio primordial de defesa e, ao mesmo tempo, um instrumento de prova. Nesse contexto, o acusado pode utilizar o seu direito ao silêncio (absoluto, sem consequências prejudiciais à sua defesa), bem como pode preferir confessar.
Sabe-se, assim, que, em razão do direito de autodefesa, o processado tem o direito de permanecer em silêncio durante o seu interrogatório. Esse direito de autodefesa, por sua vez, engloba o direito de audiência e o de presença, que devem ser analisados sob o ponto de vista da ampla defesa e à luz do princípio da não autoincriminação.
Diante disso, caso o acusado seja regularmente intimado e opte por não comparecer, a comissão deve prosseguir com os atos do processo sem ouvi-lo, sem que isso implique cerceamento de defesa ou qualquer outra nulidade processual. Há julgados nesse sentido:
APELAÇÃO CRIMINAL - USO DE CNH FALSA - PRELIMINAR - NULIDADE PELO NÃO COMPARECIMENTO DO RÉU AO INTERROGATÓRIO - INOCORRÊNCIA - MÉRITO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA - CRIME IMPOSSÍVEL - NÃO-CARACTERIZAÇÃO - PENASBASE - REDUÇÃO - RECURSO PROVIDO EM PARTE.
I - Não há a nulidade quando o réu, regularmente intimado para o ato, deixa, voluntariamente, de comparecer à audiência em que seria interrogado.
II - Não há que se falar em crime impossível se a falsificação reveste-se do requisito da imitatio veri, capaz de enganar o homem comum.
III - Se as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP que culminaram com a aplicação das penas-base acima dos mínimos legais não encontram respaldo nos autos, devem ser elas mitigadas.
IV - Recurso provido em parte.230
Nesse contexto, o não comparecimento do acusado ao seu interrogatório deve ser interpretado como uma estratégia de defesa, pois, apesar de ele ter o direito de audiência e de presença, ele pode renunciá-los. Exige-se apenas que haja intimação para que o acusado compareça ao interrogatório, para que não ocorra cerceamento de defesa. Assim, o não comparecimento do processado, desde que regularmente intimado, por si só, não gera a nulidade do processo, uma vez que não há prejuízo à defesa, tendo sido, pelo contrário, uma opção desta.
Marcos Salles e a CGU, em seu Manual, também se posicionam nesse sentido:
Na hipótese de o acusado, apesar de regularmente intimado, não comparecer na data e horário aprazados, após ter-se aguardado por um prazo razoável, de, no mínimo, trinta minutos (aqui a mero título de exemplo) e esgotada a possibilidade de presença ainda que intempestiva, deve-se registrar o incidente em termo de não comparecimento. (...) Por ser o interrogatório um ato de interesse da defesa, convém que a comissão tente nova data. Se, por fim, o acusado, expressa ou mesmo tacitamente, abrir mão de seu direito e novamente deixar de comparecer sem motivo, pode a comissão deliberar a retomada do curso do processo sem interrogá-lo e esta ausência, por si só, não configura afronta a dispositivo estatutário231.
No dia do interrogatório, a comissão deve aguardar a chegada do acusado por, no mínimo, trinta minutos. Contudo, se devidamente intimado o acusado não comparecer, a comissão registrará o incidente em termo de não comparecimento, devendo tentar uma nova data para realização do ato.
Caso o acusado opte por não exercer seu direito de defesa, ou deixe de comparecer novamente sem motivo, o processo disciplinar deverá prosseguir no seu curso normal, sem que haja o interrogatório, fato esse que não configura cerceamento de defesa, conforme entendimento da Advocacia-Geral da União e do Superior Tribunal de Justiça:
Parecer AGU n° GQ-102, não vinculante:
[...]17. A Lei n° 8.112, de 1990, não condicionou a validade do apuratório à tomada do depoimento do acusado, nem a positividade das normas de regência autoriza a ilação de que este configura peça processual imprescindível à tipificação do ilícito. A falta do depoimento, no caso, deveu-se à conduta absenteísta do servidor quando intimado a prestar esclarecimentos [...].
[...] De todo o exposto, resulta que o impetrante não foi interrogado pela comissão processante, porque recusou-se, por vinte vezes, a comparecer ao local designado, a despeito de estar gozando de perfeita saúde, em determinadas ocasiões. Em consequência, não há falar em cerceamento de defesa, sendo certo, ainda, que a eventual nulidade do processo, por esse motivo, não poderia ser aproveitada pela parte que lhe deu causa.
(BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. MS n° 7066/DF – 2000/0063355-0. Relator: Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em 27/11/2002, publicado em 16/12/2002).232
Com efeito, o não comparecimento do acusado ao interrogatório como estratégia defensiva é válido e está em harmonia com o princípio da não autoincriminação, já que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. Alinha-se ainda ao direito de audiência e ao de presença, que podem ser exercidos de forma negativa.
d.2) Interrogatório em processo com mais de um acusado
Em face do contraditório e ampla defesa, bem como da busca pela verdade real dos fatos, deve ser permitido aos acusados e seus defensores o acompanhamento de todas as oitivas realizadas pela comissão, inclusive dos demais acusados.
O art. 188 do Código de Processo Penal233, em uma de suas interpretações possíveis, permite, ainda, que a defesa de um acusado formule perguntas aos demais acusados durante o interrogatório destes. Esse é o entendimento do julgado transcrito a seguir:
INTERROGATÓRIO DE CORRÉU. POSSIBILIDADE DE ESCLARECIMENTOS A PEDIDO DAS DEFESAS DOS OUTROS CORRÉUS.
A defesa do corréu tem o direito de fazer perguntas no interrogatório dos demais acusados, conforme dispõe o art. 188 do CPP – com redação dada pela Lei n.º10.792/2003. Tal modificação foi feita com o objetivo de assegurar a ampla defesa e o contraditório durante a produção da prova em interrogatório, respeitado o direito do acusado inquirido de não ser obrigado a prestar declarações que o autoincriminem. Dessa forma, além de poder assistir ao interrogatório de corréu, a defesa dos demais corréus pode fazer os questionamentos que entender necessários no interesse dos seus clientes. Precedentes citados do STF: HC 101.648-ES, DJe 9/2/2011; HC 94.601-CE, DJe 11/9/2009; do STJ: HC 162.451-DF, DJe 16/6/2010, e HC 172.390-GO, DJe 1°/2/2011. HC 198.668-SC, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 4/9/2012.234
No Processo Administrativo Disciplinar, há a possibilidade de o acusado optar em fazer a sua própria defesa, sem a necessidade de advogado (Súmula Vinculante 5 STF)235. Neste caso, se assim desejar, caberá a ele, por intermédio do Presidente, realizar as perguntas. A Controladoria-Geral da União reafirma este entendimento:
Desta forma, assenta-se que, no caso de mais de um acusado, todos poderão assistir aos interrogatórios, por si ou por seus procuradores, independentemente da cronologia dos atos e, caso se façam presentes, poderão, por meio da comissão, fazer as perguntas que julgarem oportunas, as quais estarão sujeitas ao juízo do colegiado, no que diz respeito à possibilidade de indeferimento de provas prevista no art. 156, § 1º da Lei nº 8.112/90.
Sobre o assunto, destaca-se ainda o enunciado da Advocacia-Geral da União:
ENUNCIADO N° 20
É facultada a participação do coacusado ou do respectivo representante de defesa no interrogatório de outro acusado com a finalidade de elucidar os fatos, oportunizando-se àquele reinquirir este por intermédio do presidente da comissão.236
e) Acareação
Acareação é a técnica utilizada para confrontar afirmações divergentes sobre fatos ou circunstâncias, colocando-se frente a frente depoentes, declarantes e/ou acusados, visando eliminar as divergências e elucidar os pontos controversos. A Lei Estadual n° 869/1952 não dispõe sobre acareação. Porém, aplicam-se subsidiariamente os arts. 229 e 230 do CPP e, em analogia, o disposto na Lei Federal nº 8.112/1990 (arts. 158 e 159):
Código de Processo Penal
Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circunstâncias relevantes.
Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente.
Lei Federal n° 8.112/1990
Art. 158. O depoimento será prestado oralmente e reduzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por escrito.
§1º As testemunhas serão inquiridas separadamente.
§2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou que se infirmem, proceder-se-á à acareação entre os depoentes.
Art. 159. Concluída a inquirição das testemunhas, a comissão promoverá o interrogatório do acusado, observados os procedimentos previstos nos arts. 157 e 158. §1º No caso de mais de um acusado, cada um deles será ouvido separadamente237, e sempre que divergirem em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será promovida a acareação entre eles.
Para a realização da acareação, deve-se seguir todas as formalidades dos demais atos processuais, especialmente a intimação das pessoas que participarão da acareação, além dos acusados e advogados. Esse ato pode ser útil para auxiliar a comissão na formação do seu convencimento sobre os fatos. No entanto, compete a comissão deliberar sobre sua real necessidade e/ou efetividade, face a resolução da divergência mediante obtenção de outros meios de prova, conforme doutrina:
Sejam quais forem as provas orais em que se demonstra divergência, competindo à comissão a condução dos trabalhos apuratórios, cabe-lhe apreciar, primeiramente, se o ponto de discrepância é de resolução absolutamente imprescindível para o correto esclarecimento dos fatos. Não o sendo, a eficiência processual indica e ampara a dispensabilidade da realização da acareação, ainda que solicitada pela defesa (nos termos já mencionados em 4.4.1.5, em que a comissão tem o poder, estabelecido no § 1° do art. 156 da Lei n° 8.112, de 11/12/90, para denegar a realização de provas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias).
E, mesmo quando a divergência se demonstra relevante para o fim de corretamente esclarecer os fatos sob apuração, ainda assim, cabe à comissão apreciar se, por meio de outras provas válidas, não se obtém o necessário esclarecimento, podendo-se também dispensar a realização da constrangedora, onerosa e em geral improdutiva prova de acareação (embora prevista na Lei, é uma prova de residual aplicação).
O que importa destacar é que acareação é remédio excepcional, a ser empregado apenas quando a divergência reside em aspecto relevante de fato ou de circunstância e seu esclarecimento é imprescindível para o apuratório, não sendo possível esclarecer por meio de outro tipo de prova. Ou seja, embora o texto legal em princípio pareça impositivo quanto à realização de acareação, a comissão pode ver-se diante de divergência não relevante ou sanável por outro meio, de forma a não realizar a acareação e sem que isto configure cerceamento a direito de defesa e, consequentemente, sem que acarrete nulidade238.
Caso a comissão opte por realizar a acareação, deve-se observar, no que couber, as regras do depoimento já expostas na letra “a“ deste tópico (4.2.9.4). Deve-se, assim, lavrar o termo de acareação, constando o nome dos que serão submetidos à acareação, data, local onde o ato se realizará e partes que participarão (comissão, acusados e advogados). A comissão deve também indicar em quais termos de depoimento ou de declarações constam trechos divergentes e/ou contraditórios. Em seguida, deve-se conceder a palavra aos acareados para que confirmem ou esclareçam as informações em questão.
Se os acareados confirmarem o que disseram nos termos referenciados, mesmo diante da contradição ou da divergência, deve-se constar essa informação no termo. No entanto, se desejarem retificar o que disseram ou acrescentar algo, deve-se, da mesma forma, constar, de forma clara, as novas informações.
Deve ser franqueada a palavra à defesa, mas esta apenas pode fazer questionamentos sobre a divergência ou contradição suscitada, não podendo perguntar sobre fatos que não são objeto da acareação. Isso porque não é finalidade da acareação refazer depoimentos ou declarações. Deve-se ainda ressaltar que, na acareação, também prevalece o princípio da não autoincriminação. Dessa forma, caso os acareados sejam acusados, eles não prestam compromisso de dizer a verdade e podem se calar. No caso das testemunhas, estas devem ser alertadas sobre o dever legal de dizer a verdade.
225 Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.
226 Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019: Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
228 Art. 196. A todo tempo o juiz poderá proceder a novo interrogatório de ofício ou a pedido fundamentado de qualquer das partes.
229 CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. Manual de Processo Administrativo Disciplinar e sindicâncias: a luz da jurisprudência dos Tribunais e da casuística da Administração Pública. 5° edição rev. e atual. – Belo Horizonte: Fórum, 2016 – pag. 855.
232 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília: 2022. P. 154.
234 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Informativo n° 503, período de 27 de agosto a 6 de setembro de 2012, visualizado: https://ww2.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/, em 02/10/2018.
235 Súmula Vinculante 5: A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
238 TEIXEIRA, Marcos Salles. Anotações sobre Processo Administrativo Disciplinar. Escritório de Direitos Autorais-RJ/Fundação Biblioteca Nacional/Ministério da Cultura. 2021. P. 1129-1130.