5.3. INDICIAMENTO

O indiciamento ou indiciação é um momento determinante do Processo Administrativo Disciplinar. No despacho de indiciamento, a comissão apresenta o resultado das apurações realizadas na instrução processual, expondo sua convicção sobre os fatos, bem como sobre os agentes públicos que contribuíram, com suas ações e/ou omissões, para a infração praticada. A comissão deve indicar, de forma precisa, a conduta praticada, com o devido enquadramento na Lei n° 869/1952, as provas nos autos que sustentam o seu convencimento e as penas aplicáveis à espécie.

O termo “indiciamento” ou “indiciação” deriva de “indício”, definido, no art. 239 do Código de Processo Penal, como “a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Em outras palavras, a partir de circunstâncias diversas e convergentes, infere-se quem praticou determinada conduta ilícita.

A Lei Estadual n° 869/1952 não prevê o indiciamento, mas se refere ao servidor processado como indiciado em alguns dos seus dispositivos, em particular:

Art. 227 - Esgotado o prazo referido no art. 225, a comissão apreciará a defesa produzida e, então, apresentará o seu relatório, dentro do prazo de dez dias.
§ 1° - Neste relatório, a comissão apreciará em relação a cada indiciado, separadamente, as irregularidades de que forem acusados, as provas colhidas no processo, as razões de defesa, propondo, então, justificadamente, a absolvição ou a punição, e indicando, neste caso, a pena que couber.

A Lei Federal n° 8.112/1990, por sua vez, estabelece o momento em que se deve realizar a indiciação e sua finalidade. O art. 161 determina que, após a finalização da instrução probatória, o acusado deve ser indiciado, se a comissão entender que restou comprovada a ocorrência do ilícito disciplinar apurado:

Art. 161. Tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas.
§ 1° O indiciado será citado por mandado expedido pelo presidente da comissão para apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, assegurando-se-lhe vista do processo na repartição.

O indiciamento deve ocorrer após a instrução probatória, a fim de subsidiar a apresentação da defesa, seguindo-se o que dispõe o Estatuto da União. No entanto, a Lei Federal determina que o indiciado seja citado para a apresentação de defesa. Como já afirmado na alínea “a” do tópico 4.2.7, entende-se que a citação para apresentação de defesa preliminar deve ocorrer no início do processo. Assim, após o indiciamento, intima-se o acusado e seu advogado do referido ato, abrindo-lhes o prazo legal para apresentação de Alegações Finais de Defesa, que será de 10 (dez) dias, conforme art. 225 da Lei Estadual n° 869/1952.

Antes de concluir a instrução e, por conseguinte, antes do indiciamento, não cabe à comissão atribuir qualquer responsabilidade ao processado. Assim, a atribuição de culpa só pode ser formalizada, pela primeira vez, no indiciamento. A segunda oportunidade, se houver, será na fase do relatório final. Nestes termos, pode-se constituir o crime de abuso de autoridade, de acordo com a Lei nº 13.869/2019:

Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Deve-se ter em mente que o grau de avaliação ou o juízo da comissão em relação aos fatos evolui à medida que o processo se desenvolve. Entre a instauração do processo e o indiciamento, grande parte da dúvida em relação aos fatos apurados já deve ter sido dirimida, e isso deve, necessariamente, estar refletido na descrição dos fatos no Despacho de Indiciamento, quando comparada à descrição dos fatos na portaria inaugural.

Desse modo, o indiciamento, via de regra, não pode ser feito mediante a simples reprodução dos fatos indicados na portaria inaugural. Conforme se caminha na instrução processual, a cognição em relação aos fatos é ampliada. É imprescindível, assim, que, no indiciamento, seja feita uma descrição pormenorizada acerca da eventual ilicitude praticada pelo servidor processado. A não observância desta regra pode acarretar, em alguns casos, a nulidade do processo.

Se, por um lado, encontra-se ampla jurisprudência do STJ no sentido de que se pode fazer uma descrição sucinta e ampla dos fatos na portaria inaugural, essa mesma jurisprudência exige, por outro lado, a indicação pormenorizada dos fatos em eventual indiciamento. A figura abaixo representa o grau de cognição da comissão em relação ao ilícito imputado ao servidor. 

A comissão, já tendo esgotado todas as provas possíveis de serem produzidas no processo, caso ainda tenha alguma dúvida sobre a ocorrência dos fatos e de sua autoria, deve, mesmo assim, indiciar o processado. Isso porque a defesa, após o indiciamento, poderá apresentar argumentos e fatos complementares às informações constantes dos autos, possibilitando à comissão uma avaliação mais abrangente e definitiva sobre os fatos apurados.

Essa recomendação baseia-se no instituto, consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, conhecido como in dubio pro societate. Assim, em um juízo não definitivo (indiciamento), caso haja dúvidas razoáveis sobre a autoria e a materialidade de determinado ilícito, deve-se prosseguir a demanda, prevalecendo o interesse da sociedade, consubstanciada no poder-dever da Administração Pública em apurar e delimitar adequadamente o possível ilícito.