5.3.2. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA

O princípio da insignificância ou princípio da bagatela, inerente ao Direito Penal, tem ganhado destaque na doutrina e, sobretudo, na jurisprudência. Segundo esse princípio, o Direito não deve se preocupar com condutas incapazes de lesar significativamente o bem jurídico. O princípio relaciona-se com o princípio da intervenção mínima do Direito Penal, segundo o qual a intervenção do Estado na esfera de direitos do cidadão deve ser a mínima possível, incidindo apenas quando houver uma lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado.

Esse princípio encontra fundamento no conceito de tipicidade, sob seus dois enfoques: a tipicidade formal e a tipicidade material. A tipicidade formal é a correspondência exata entre o fato e os elementos constantes de um tipo penal. A tipicidade material é a real lesividade social da conduta. É na tipicidade material que se revela o sentido do princípio da insignificância. Não basta que a conduta se enquadre no tipo penal. Deve-se analisar a sua efetiva lesividade a um bem jurídico relevante. 

O princípio da insignificância envolve discussões que repercutem no Processo Administrativo Disciplinar: como o aplicador do direito pode reconhecer se uma conduta é capaz ou não de gerar lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado? Quais os limites de aplicação desse princípio? Ele poderá ser aplicado ao direito administrativo disciplinar?

Quanto à aplicabilidade do princípio ao direito administrativo disciplinar, alguns autores entendem que ele seria uma forma de aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Nesse sentido, o Manual da CGU dispõe:

Seria possível adaptar este princípio ao Direito Disciplinar, abarcando aquelas condutas que à primeira vista seriam enquadráveis legalmente, mas que devido ao ínfimo potencial ofensivo, não são capazes de afetar o interesse público tutelado. Contudo, como ele não consta expressamente reconhecido no ordenamento jurídico administrativo, pode também ser considerado uma decorrência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Segundo Bitencourt, “é imperativa uma ‘efetiva proporcionalidade’ entre a ‘gravidade’ da conduta que se pretende punir e a ‘drasticidade da intervenção estatal’.239

Na Administração, em face dos princípios da legalidade administrativa e da indisponibilidade do interesse público, deve-se ter cautela quanto à aplicação do princípio da insignificância no que tange aos ilícitos disciplinares. O administrador/julgador não poderá, por mera discricionariedade, dispor daquilo que a lei disciplina para valoração do caso concreto, afastando, por conseguinte, o dever de apurar e, sendo o caso, aplicar a penalidade.

Cabe salientar que, no próprio direito administrativo disciplinar, existem possibilidades em que o administrador, em determinadas situações e diante de algumas circunstâncias, poderá deixar de penalizar o agente público. No âmbito federal, tem-se o Termo de Ajustamento de Conduta – TAC. No Poder Executivo de Minas Gerais, adotou-se o Compromisso de Ajustamento Disciplinar – CAD (disciplinado no Decreto Estadual n° 48.418/2022), já tratado no tópico 3.2.

Não se trata de deixar de apurar a infração, pois, mesmo no CAD, a Administração exerce seu poder disciplinar. Nesse caso, a apuração ocorre de uma forma mais simplificada e se concretiza por meio de um procedimento que visa uma solução consensual do conflito.

Nessas hipóteses, a própria Administração busca mecanismos para atuar em face de situações nas quais há uma infração disciplinar, mas seu grau de lesividade não justifica a instauração de um processo, de grande impacto para o Poder Público e para o servidor envolvido.

Quanto à abrangência do princípio, a jurisprudência e a doutrina têm fixado limites de sua aplicação, a fim de evitar incoerências e distorções. Como exemplo, cita-se sua inaplicabilidade aos crimes contra a administração pública:

SÚMULA Nº. 599 - STJ
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. Corte Especial, aprovada em 20/11/2017, DJe 27/11/2017.

Um dos entendimentos aplicáveis à seara disciplinar é o de que a insignificância não se aplica aos casos em que o servidor obteve proveito econômico em razão do cargo, independentemente do valor:

Informativo n° 0523. Período: 14 de agosto de 2013.
PRIMEIRA SEÇÃO

DIREITO ADMINISTRATIVO. IRRELEVÂNCIA DO VALOR AUFERIDO PARA A APLICAÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO DECORRENTE DA OBTENÇÃO DE PROVEITO ECONÔMICO INDEVIDO.
Deve ser aplicada a penalidade de demissão ao servidor público federal que obtiver proveito econômico indevido em razão do cargo, independentemente do valor auferido. Isso porque não incide, na esfera administrativa - ao contrário do que se tem na esfera penal -, o princípio da insignificância quando constatada falta disciplinar prevista no art. 132 da Lei 8.112/1990. Dessa forma, o proveito econômico recebido pelo servidor é irrelevante para a aplicação da penalidade administrativa de demissão, razão pela qual é despiciendo falar, nessa hipótese, em falta de razoabilidade ou proporcionalidade da pena. Conclui-se, então, que o ato de demissão é vinculado, cabendo unicamente ao administrador aplicar a penalidade prevista. MS 18,090-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 8/5/2013.240

Discorrendo sobre o princípio, Cristiane Dupret observa que:

Nossos Tribunais Superiores – Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, por ambas as turmas, vêm exigindo o preenchimento de requisitos cumulativos para a aplicação do princípio da insignificância. Desta forma, para que se possa reconhecer a atipicidade material, o que atestaria uma ofensa pouco relevante ao bem jurídico tutelado, se exige a mínima ofensividade da conduta, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, ausência de risco social e inexpressividade da lesão jurídica causada. 241

Portanto, a interpretação desse princípio se dá, essencialmente, em sua aplicação no caso concreto, cuja análise exige evidentemente bom senso e razoabilidade por parte do julgador. É preciso analisar, concretamente, se o reconhecimento do princípio da insignificância deve ser feito unicamente pelo nível da lesão sofrida, isto é, pelo seu resultado, ou se devem ser levadas em consideração outras circunstâncias como a culpabilidade do agente, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, o contexto dos fatos, as consequências, etc.


239 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual Prático de Processo Administrativo Disciplinar. Brasília, 2022. P. 191
240 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MS 18,090-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 8/5/2013.
241 DUPRET, Cristiane. Princípio da Insignificância próprio e impróprio: Origem, aplicação e controvérsias. Disponível em: http://www.direitopenalbrasileiro.com.br/index.php/arts . Acesso em 04/11/2018.