4.2. COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DISCIPLINAR (CAD)

No âmbito do Direito Disciplinar moderno, vislumbra-se acentuado destaque e estímulo ao uso alternativo de técnicas consensuais capazes de criar um ambiente cooperativo de solução de conflitos, com o viés de proporcionar relações sociais mais pacificadas no setor público e, ainda, de buscar a valorização de seus agentes, sensibilizando-os para os deveres decorrentes do exercício da função pública.

Os conflitos disciplinares resultam de faltas funcionais cometidas por agentes públicos no desempenho de suas atividades, com a transgressão de normas previstas em lei. Já as faltas funcionais, conhecidas também como infrações disciplinares ou ilícitos administrativos, decorrem de um comportamento contrário ao previsto em norma jurídica, e são passíveis de atrair reprimenda disciplinar em face do agente público faltoso. A Administração Pública, com esteio no poder disciplinar, tem o dever de apurar e punir tais faltas funcionais. No entanto, o Estado deve, mais do que apurar e punir os desvios, prevenir a ocorrência de ilícitos administrativos e orientar os agentes públicos em direção à cultura da licitude.

Como corolário, surge o ajustamento disciplinar, instituto integrante do Direito Disciplinar, que pode ser definido como um benefício concedido pela Administração Pública para privilegiar o agente público de bom histórico funcional, por meio de um juízo de conveniência e oportunidade, bem como por uma análise da razoabilidade e proporcionalidade da medida no caso concreto, visando a resolução consensual de conflitos158.

Como o ajustamento disciplinar baseia-se na espontaneidade do agente público e não resulta de uma imposição da Administração, posto que o instituto é fruto da vontade e do interesse das partes acordantes, para sua celebração é necessário que o agente público reconheça, de forma precária, que está ciente da irregularidade que lhe foi imputa, e se comprometa a ajustar sua conduta em observância aos deveres e responsabilidades previstos na legislação vigente.

Dessa forma, a Administração Pública fornece uma resposta precisa e imediata a um eventual desvio em seu corpo funcional, ao mesmo tempo em que dá oportunidade para que o agente público reconheça seu erro e ajuste sua conduta ao padrão estabelecido pela ordem disciplinar.

No âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais, o ajustamento disciplinar foi instituído pelo Decreto nº 46.906, de 16 de dezembro de 2015. Em 1º de julho de 2022, passou a vigorar o Decreto nº 48.418, de 16/05/2022, que revogou o Decreto nº 46.906/2015 e assentou o Compromisso de Ajustamento Disciplinar – CAD, também aplicável nas empresas públicas e sociedades de economia mista, no que couber, como medida alternativa a eventual instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar e à aplicação de penalidade, desde que o agente público infrator atenda aos requisitos para sua formalização159.

A aplicação do instituto deve pautar-se pelo interesse público e tem como fundamento os princípios constitucionais e administrativos, em especial, os princípios da economicidade, necessidade, proporcionalidade, razoabilidade, adequação e eficiência.

O princípio da eficiência, conjugado com o princípio da economicidade, expresso no art. 70 da Constituição da República, impõe ao administrador público a escolha dos meios menos dispendiosos possíveis para atender às finalidades inerentes ao interesse público. Sobre esse princípio, José dos Santos Carvalho Filho esclarece que:

a eficiência é a presteza, o rendimento funcional, a responsabilidade no cumprimento dos deveres, com a obtenção de resultados positivos no exercício dos serviços públicos, de modo a satisfazer as necessidades básicas dos administrados160.

Além dos princípios mencionados, há que se ter em mente o princípio do formalismo moderado, também chamado pela doutrina de princípio da informalidade, que possibilita ao administrador público a adoção de ritos e formas simples nos procedimentos administrativos, desde que sejam suficientes para propiciar segurança, certeza e respeito aos direitos dos sujeitos161. O CAD, nesse sentido, apresenta-se como um procedimento de ritos sumários, que cumpre, de forma eficiente, o objetivo de controle disciplinar.

Por conseguinte, nos casos em que um agente público comete uma falta disciplinar de natureza leve, sujeita à pena de repreensão ou suspensão, a solução mais eficiente a ser adotada não é, em muitos casos, a instauração de um Processo Administrativo Disciplinar - PAD.

O CAD, proposto ao agente público que faz jus ao benefício, apresenta-se como a solução mais adequada, pois cumpre, com eficiência e economicidade, a finalidade do controle disciplinar, qual seja, a manutenção da ordem jurídico-disciplinar da Administração Pública. Dessa forma, garante-se a responsabilização do agente infrator e a promoção da regularidade e o aperfeiçoamento do serviço público.

 Como medida alternativa à eventual aplicação de penalidade, o Compromisso de Ajustamento Disciplinar não se confunde com o PAD, não resultando, portanto, em aplicação de penalidade.

158 Podem ser citadas as seguintes medidas, que se aproximam dos seus objetivos: compromisso de ajustamento de conduta, previsto na Lei da Ação Civil Pública (art. 5°, § 6° da Lei Federal n° 7.347/1985) e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal n° 8.069/1990); transação penal, prevista no art. 76 da Lei Federal n° 9.099/1995 ; transação civil, arts. 840 a 850 do Código Civil; conciliação e mediação, aplicadas pelo Poder Judiciário como mecanismos de resolução de controvérsias na chamada Justiça Restaurativa; instrumentos consensuais diversos utilizados pela Administração Pública, tais como protocolos de intenção, protocolos administrativos, acordos administrativos, contratos administrativos, convênios, consórcios, contratos de gestão e contratos de parceria público.
159 Requisitos dispostos no art. 6º do Decreto nº 48.418, de 16/05/2022, vigente a partir de 01/07/2022.
160 CARVALHO FILHO, Processo Administrativo Federal: Comentários à Lei 9.784, de 29/01/1999. São Paulo: Editora Atlas, 2013. p. 59

161 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 16 ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2012. p. 187.